E a “mágica” ocorreu novamente, desta vez foi o amigo Ronaldo Berg, que depois da publicação da matéria “Um Fórmula V Brasileiro que foi para a Escola” me enviou a foto de abertura desta matéria com a seguinte nota:
Essa foto me remete aos anos 70. Bandeirada para Ronaldo Berg o primeiro colocado com o Fusca 1300 de sua mãe emprestado para a prova reservada a veículos enquadrados na Divisão 1 – carros de Turismo de Série. Meu carro mesmo era um Divisão 3 – carros de Turismo Especial Brasileiro, e o homem da bandeira quadriculada era ninguém menos do que o grande Expedito Marazzi. Também venci a prova para os carros da Divisão 3. Saudade do Marazzi.
Antes de continuar, uns comentários sobre a foto de abertura. O fotógrafo Clélio Pereira, especializado em fotos de competições, teve muito senso de oportunidade, pois pegou o Marazzi no ar quando deu o salto que acompanhava a bandeirada. Na foto, o Fusca1300 da mãe do Ronaldo, d. Gertrudes, na chegada da prova de Divisão I. Outro detalhe sutil da foto, isto para quem conheceu o Expedito Marazzi naquela época, é que nela aparece a sua careca circular, tipo coroinha de frade, que era uma de suas características pessoais.
Depois de receber a foto e a mensagem do Ronaldo acima, seguiu-se um telefonema no qual ele contou um aspecto que ele ainda não tinha comentado em nenhuma das matérias anteriores da sua coluna “Do fundo do baú”, publicada no AE semanalmente de julho de 2016 a junho de 2018, que foi a estratégia de verificação de conformidade com o regulamento da Divisão 1 dos carros inscritos na competição. Achei isto muito interessante e o Ronaldo escreveu o relato abaixo que detalha esta incrível sacada do Professor Marazzi, isto no contexto de sua participação duplamente vitoriosa nas duas provas do sábado e do domingo, 24 e 25 de outubro de 1970, respectivamente.
VIAGEM NO TEMPO, FAZ 51 ANOS!
Por: Ronaldo Berg
Estou em setembro de 1970, como hobby participava de competições em Interlagos na categoria de Estreantes e Novatos e depois de participar em 10 provas fui “promovido” para a categoria de Piloto Graduado de Competição.
Estava próximo um fim de semana do qual gostaria de participar, dias 24 e 25 de outubro, dias que prometiam muitas emoções, uma prova chamada “Grande Prêmio Mackenzie”, e como mackenzista eu não poderia deixar de participar.
Seriam no sábado prova de dez voltas reservada para veículos até 1.300 cm³ utilizando para tal o Regulamento da categoria Divisão 1 e domingo a prova principal do dia, também em 10 voltas, mas com veículos de outras categorias e cilindradas da chamada Divisão 3.
Para esta eu tinha o meu Fusca que de estreante e novato agora tinha sido mecanicamente transformado para Divisão 3, Classe A, veículos de até 1.600 cm³ de cilindrada.
Mas, como sou “guloso” queria participar também da prova de sábado, Divisão I classe 1.300 cm³ e não tinha carro, até que surgiu uma luz no fim do túnel ou melhor, no fundo da garagem: era um Fusca 1300 vinho praticamente zero-km, cuja dona era minha mãe.
E agora, o que fazer? Comecei, como se diz em português, a puxar o saco de minha mãe em tudo que podia até que ela, desconfiada, me perguntou: O que você quer? Respondi, e a resposta que já estava na ponta da minha língua, foi: Seu carro emprestado.
A resposta dela foi imediata: Para que você quer o meu, se você tem o seu? E o diálogo continuou. Expliquei a ela o que haveria em Interlagos e o que eu gostaria de fazer e ainda que lhe devolveria o carro, se emprestado, sem um arranhão sequer.
Mãe é mãe… E consegui que ela me cedesse seu carro com uma semana de antecedência (para dar tempo de preparar o carro para a competição). É bem verdade que, se ela precisasse de um carro nesse meio tempo, ela teria o carro do meu pai que, seguramente muito a contragosto, o emprestaria para ela.
Meu Divisão 3 estava nas oficinas do grande e saudoso mecânico Amador Pedro sendo preparado para a prova do domingo 25. Chego lá com um carro “careta” — um Fusca vinho totalmente standard, o verdadeiro carro da mamãe, e lhe contei a novidade. Vou participar com este carro na prova do sábado e preciso da sua ajuda. O regulamento é o da Divisão 1 com algumas adequações. Topa? Para minha sorte ele topou. Meu orçamento era curtíssimo. Diga-se de passagem, que o apoio da minha família para meu hobby era só moral; financeiro, zero. Mas não vou reclamar.
Começamos a adequar o “carro da mamãe”: tiramos os para-choques (obrigatório), não se podia tirar os estribos, pois não era permitido aliviar peso. Colocamos no seu interior um único arco de proteção chamado “Santo Antônio”, para dar um pouco mais de segurança e não estragar o carro. Era permitido rebaixar a suspensão e isso fizemos, mas só na traseira. Câmbio, freios — nada. No motor, o que podia ser feito, além de regular o ponto (quem entende um pouco de mecânica sabe o que estou dizendo), era mexer no carburador e só!
E foi o que fizemos, em três dias o carro estava pronto e até identificado com meu número de competidor, o 27, e demais “propagandas”. E como agradecimento por tudo que havia sido feito (parceria e mão de obra) o nome da “MECANICA AMADOR” foi pintado no carro.
Chegou o dia da prova, o diretor e “manda-chuva” era ninguém menos do que o experiente Professor Expedito Marazzi e a questão era: como acreditar na palavra dos pilotos de que nada fora do regulamento tinha sido feito? Podia se acreditar nessa “raça”? Eu era um dos que não acreditaria e por esta razão ele criou um método muito inteligente e inédito de conferência sem tocar em nada nos veículos que competiriam.
Previamente, e sem ninguém saber, ele conseguiu junto aos respectivos fabricantes das marcas dos carros inscritos (era uma competição multimarca) qual o tempo de chegada da imobilidade, a 100 km/h. de cada um. Este registro ele tinha em mãos e passou a ser sua segurança, um padrão, que ajudaria a conferir a idoneidade dos pilotos.
Sem que os competidores soubessem o porquê, todos os carros, separados por categoria, foram enfileirados na reta de Interlagos e uma equipe de cronometragem foi colocada ali para fazer um trabalho bem diferente do seu dia a dia: cronometrar cada um dos carros separadamente para saber o tempo que fariam de zero a 100 km/h.
Marazzi reuniu todos, explicou qual era a regra do jogo e que o resultado da cronometragem seria a luz verde para participar ou não da prova e daria o crédito da honestidade ao piloto/equipe.
A regra foi o tempo dado pelo fabricante com uma tolerância para menos em no máximo em 10%, ou seja, meu Fusca 1300 faria hipoteticamente o zero a 100 km/h em 15 segundos. Se meu carro fizesse em menos de 13,5 segundos estaria fora do regulamento e para evitar discussões futuras que eram comuns à época, não participaria da prova. Meu Fusca passou, ou melhor, o Fusca da minha mãe passou.
O piloto Expedito Marazzi, também diretor e responsável pela competição, foi quem pilotou todos os carros inscritos na prova. Sinceramente não me lembro, isto já faz 51 anos, se algum carro foi eliminado.
A única coisa que me lembro e muito bem foram os resultados do espetacular fim de semana.
Dia 24/10/1970, Grande Prêmio Mackenzie Divisão 1 classe até 1300 cm³ vencedor Ronaldo Berg com carro da mamãe (por isso eu fui muito gozado pela galera)
Dia 25/10/1970, Grande Prêmio Mackenzie Divisão 3 (prova realizada há exatamente 51 anos da data da publicação desta matéria) classe 1.600 cm³ vencedor Ronaldo Berg com meu próprio carro, ambos utilizando o número 27 data do meu aniversário. Sempre o 7 presente (a data assim lembrada é o 27/7/47).
Foi um fim de semana inesquecível. Depois de retornar o carro da mamãe ao que ele era, (só pneus mais gastos!) eu o devolvi com uma dúzia de rosas no banco “da” motorista e com o troféu que ela me ajudou a ganhar.
Obrigado mamãe em confiar em mim, que Deus a tenha em boas nuvens, junto com o Professor Marazzi como era chamado.
Dito, escrito e comprovado por fotos.
Agradeço muito ao Ronaldo Berg esta participação aqui na coluna, com esta interessante revelação que mostra a astúcia e mente pacificadora do Professor Marazzi. As comunicações com o Ronaldo foram por WhatsApp, e-mail e telefone. Mas espero poder me encontrar pessoalmente com ele em breve e colocar a conversa represada em dia.
Aproveito para desejar felicidades ao casal Ronaldo e esposa, Lucia Helena, pelo aniversário de 48 anos de casamento comemorado no dia 26 de outubro de 2021.
AG
Todas as fotos desta matéria pertencem ao acervo de Ronaldo Berg.
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