Passageiros nos aviões, pressionados pelas aeromoças, jamais viajam sem atar cintos de segurança, E muitos questionam o porquê desta exigência, pois seu (limitado) raciocínio só imagina o avião despencando com reduzidas chances de sobrevivência.
Sequer consideram outras hipóteses como turbulências que podem, conforme a intensidade, jogar sua cabeça contra o teto. Ou protegê-los no impacto de um pouso forçado.
Passageiros de ônibus não afivelam cintos. Apesar de a mesma lei que os exige nos automóveis valer também para ônibus rodoviários. Mas eles não levam “rodomoça” a bordo, nem o passageiro tem consciência da importância de seu uso.
País da “lei que não pega”
Em viagens de longa distância, algumas empresas instruem seus motoristas para, antes de assumir o volante, dirigirem-se aos passageiros com uma breve mensagem que inclui a recomendação para atarem os cintos. E relatam que alguns seguem a sugestão no momento, mas logo depois o desafivelam. Quase ninguém respeita a legislação, mais uma das dezenas de um país com “lei que não pega”.
Há alguns anos, meu filho embarcou num ônibus (lotado) da Viação Cometa em Belo Horizonte para uma viagem noturna até o Rio de Janeiro. Quando o motorista entrou, ele teve a “ousadia” de reclamar que o cinto de sua poltrona não funcionava e que ele se recusava a viajar naquelas condições. O motorista, perplexo diante desta “descabida” exigência, sugeriu inicialmente que ele registrasse uma queixa no livro de reclamações…
Tentou depois — inutilmente — reparar o dispositivo de segurança. Solicitou então — imagine — que algum dos passageiros revoltados com o imbróglio e aflitos para que se iniciasse a viagem, trocasse de lugar com ele.
Muito a contragosto, ele acabou levando o ônibus — com os passageiros — para a garage da Cometa antes de pegar a estrada. Sob vaias da grande maioria e palmas de uma pequena minoria.
Nem o mecânico foi capaz de resolver o problema e a única alternativa foi substituir o ônibus. Meu filho não teve dúvida, pelo andar da carruagem, de que a do cinto defeituoso voltou para a estação rodoviária onde cumpriria outro roteiro.
Ao final da viagem, um dos passageiros irritados com o atraso passa por ele e pergunta sem esperar pela resposta: “Você quer consertar o mundo?”
Fiscalização nas rodovias?
No início deste mês, ônibus da Viação Gontijo ligando uma cidade do estado de São Paulo a uma da Bahía, escorregou na pista molhada e caiu numa ribanceira de 150 metros. Dos 52 passageiros, mais de 40 se feriram e quatro morreram.
O motorista justificou “por uma poça de água na pista pois chovia muito, o que fez o ônibus deslizar e sair da estrada”.
Ou seja, foi a conhecida (não por ele…) aquaplanagem, quando os pneus perdem o contato com o asfalto e se torna impossível qualquer manobra ao volante. Mas este fenômeno só ocorre em velocidade incompatível com as condições da estrada, revelando imprudência ao volante. Verificou-se também que o ônibus tinha oito notificações de infrações, cinco por excesso de velocidade.
Quanto à fiscalização, a Viação Gontijo, consultada, diz que registrou um ligeiro acréscimo na utilização dos cintos recentemente, mas que não se recorda de nenhuma multa por este motivo nos últimos oito anos.
Acidente, só com os outros…
Entretanto, estivessem os cintos afivelados, como num avião, quantas vidas teriam sido salvas e quantos feridos escapado ilesos?
Beira o ridículo o grande número de casos conhecidos de, num simples tombamento, ferimentos graves e óbitos inexistentes para quem estava com o cinto de segurança atado.
O Brasil ainda é o país em que, infelizmente, estão todos certos de que acidente só acontece com os outros. Essa é a nossa cultura e nada se faz para colocá-la nos eixos.
Jamais vi uma campanha do governo incentivando o uso dos cintos nos ônibus. Nem no banco traseiro dos automóveis, onde ainda é reduzido o número de passageiros que o afivelam.
Em cidades do interior onde a fiscalização é mais precária, o cinto de segurança não é utilizado sequer nos bancos dianteiros. E ainda têm os ignorantes que alegam não utilizá-lo porque a lei exige as bolsas infláveis, “suficientes para proteger motorista e passageiro”.
Eu também “não quero consertar o mundo”, mas apelar para que a consciência do cidadão e a ação educativa do governo tentem pelo menos evitar mortes pelo uso do cinto nesta carnificina que ainda impera em ruas e rodovias brasileiras.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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