Tenho 79 anos e antes dos 10 já assistia corridas de automóveis. A casa da família, na Gávea, um aprazível bairro na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. ficava na rua Piratininga, a 50 metros da rua Marquês de São Vicente, parte do Circuito da Gávea. de 11 quilômetros, e que tinha uma serra — subida e descida — na Estrada de Gávea. Ali, desde 1933, realizava-se o Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro.
Naquela mesma rua, bem perto, ficava a Escola Pública Luiz Delfino, onde eu e meu irmão cursávamos o Primário. Nos dias que antecediam a corrida ficávamos admirados e empolgados com toda aquela atmosfera, especialmente nos treinos oficiais de quinta e sexta-feira. Que aula que nada, com ordem da diretora d. Jandira, nós e muitos alunos nos postávamos no muro baixo de onde podíamos ver os carros passarem a metros de nós.
Vimos carros de Grand Prix de antes da Segunda Guerra Mundial que começaram, ou recomeçaram, a correr depois de terminado o conflito. Tinha de tudo, monopostos como Maserati A8GCS, 1,5 litro com supercarregador de 8 cilindros em linha, Alfa Romeo Alfetta 158/159, Ferrari 125. tudo misturado com os “nacionais” Ford adaptados e muito aliviados, uma festa só. Em tempo de gasolina de baixa octanagem o pessoal fazia suas misturas de gasolina, álcool (etílico e metílico), benzeno, mais o óleo de maior oleosidade até hoje, o óleo de rícino, sob alguma marca, como Castrol. O odor de tudo aquilo queimado saindo pelo escapamento era o mais doce perfume.
Em meio a toda essa atmosfera o “vírus do automobilismo” estava inoculado em mim.
Assim começou minha fase de espectador. Não perdia uma corrida no Rio e cercanias como Petrópolis e Volta Redonda. Em 1956, por exemplo, com 14 anos vim a São Paulo com meu irmão de 16. um amigo do bairro e o primo David, a quem meu pai delegou a responsabilidade de conduzir seus filhos inabilitados no Fusca ’55 1200 que tínhamos, para assistir a primeira Mil Milhas Brasileiras, em novembro, seguindo-se outras vindas a São Paulo, meu irmão já habilitado. Anos depois passei a ir mais longe, a Brasília, para assistir à Mil Quilômetros.
Pelo bom relacionamento que eu tinha com os dirigentes do automobilismo, foi fácil eu obter uma credencial de boxe para assistir a primeira corrida de F-1 aqui, em 1972, a prova-teste para o Brasil, se aprovado, entrar para o calendário da Federação Internacional do Automóvel (FIA), o que acabou acontecendo, como todo mundo sabe. Acabei indo todas as corridas de F-1 no Brasil, seja em Jacarepaguá ou Interlagos. Sempre nos boxes, perto dos carros, conheci muitas pessoas, como Frank Williams. E não só F-1. mas esporte-protótipos também. E teve um ano em que fui comissário técnico em Jacarepaguá.
Mais para o início dos anos 2000, por questão de segurança e ordem, a FIA, com razão, começou a restringir o acesso à área de boxes para quem não tivesse função operacional, e passei, por convite, a assistir as corridas de F-1 na salas VIP de fabricantes ou fornecedores. Fora o bate-papo com amigos e a excelência dos comes & bebes, normal nesses ambientes seletos, comecei a achar patético assistir a corrida num televisor na sala VIP do meu anfitrião. Disse para mim mesmo “chega!”.
A última vez que fui a Interlagos para assistir uma corrida de F-1 foi em 2008, ano do primeiro título de Lewis Hamilton e que por muito pouco não foi de Felipe Massa, vencedor da prova. Só fui porque a Honda gentilmente me convidou para o espaço reservado dela armado antes da curva do Laranjinha, me deu três ingressos e aproveitei para levar meu filho e a namorada. Pois não é que na saída me bateram a carteira? Num espaço selecionado (R$ 1,5 mil por cabeça) onde não se pensa em coisas desse tipo. Foi a última vez que fui a Interlagos.
Racionalizei: já assisti a incontáveis corridas de F-1 in loco, já estive ao lado dos carros, assistir por televisor numa sala VIP não tem nada a ver, mas outro lado pela tevê vê-se detalhes impossíveis de ver no autódromo, há o recurso das repetições, a cronometragem é instantânea.
Em 2014 comprei um televisor Samsung de 40 polegadas. O tamanho da tela combinado com o sinal digital, proporciona uma qualidade de imagem incrível, que nada deve aos nossos olhos comparado com estar no autódromo.
E esta ano aconteceu o milagre que ninguém esperava: a F-1 sair das garras da TV Globo e ser recebida de braços abertos pela TV Band, mudando para melhor, muito melhor, toda a perspectiva de quem assiste corridas desta magnífica categoria de automobilismo, Especialmente pela equipe de transmissão capitaneada por Sérgio Maurício e com a felicidade de ver um competente Reginaldo Leme mais solto, desamarrado. mais uma nova Mariana Becker e pode contar com o conhecimento do piloto Max Wilson.
Virei telespectador.
BS