Por diversas razões, recentemente acabei me vendo usuário de uma linha suburbana, intermunicipal, mais precisamente a linha Garça-Marilia-Garça, no interior de São Paulo Uma interessante experiência para mim, que como todo bom autoentusiasta e ao mesmo tempo crítico, também começa a prestar a atenção nos detalhes de como é conduzido esse tipo de transporte.
Esse texto, como alguns outros que faço, está na forma de tópicos, não necessariamente obedece uma ordem lógico-cronológica, mas são anotações mentais oriunda dessa interessante experiência.
• O primeiro impacto num suburbano é constatar na prática aquilo que vemos na televisão: A pandemia do covid-19 só existe em alguns locais. Nos suburbanos ela simplesmente não existe e só se percebe algo diferente no ar devido as pessoas de máscaras.
Ônibus lotado, todos os lugares tomados, higiene igual a antes do carro, nada fora do contexto pré-pandemia. Enquanto para entrar em um Fórum existe um oficio do Tribunal de Justiça exigindo atestado de vacina (senão não entra), no suburbano entra qualquer um, com banho, sem banho, com vacina, sem vacina, com gripe, nariz escorrendo…
Em tempo, covid só ataca fórum, escola e repartição pública. Outros locais são incrivelmente imunes ao covid. Ande de ônibus e descobrirá!
• Já que falamos de lotação, no seu carro se o guarda te pegar sem cinto de segurança, possivelmente você levará uma espinafração. Já aconteceu comigo anos atrás enquanto meu filho mais novo dormia no banco de trás e eu fui abordado em um posto rodoviário em Agudos, na Rodovia SP-300 Marechal Rondon, e ganhei uma multa mais uma lição de moral. Longe de estar certo, mas no Brasil do futebol, soa como hipocrisia.
Hipocrisia porque nos suburbanos, trechos de 10, 20, 40 ou mais quilômetros são percorridos com todos os passageiros sentados sem cinto de segurança, fora um sem-número de pé, tudo devidamente fiscalizado pela Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo). E quando não há fiscalização, existe até a superlotação, coisa para a qual o poder público é cego, surdo e mudo.
• Por falar em fiscalização, a Artesp fiscaliza, mas suburbanos saem superlotados, sem muito compromisso de horário, param em qualquer lugar, enfim…
A manutenção dos carros também não deixa de ser questionável: Numa das minhas últimas viagens, o carro estava com um curto-circuito e percorreu o caminho todo com o pisca-alerta ligado. Outro, não abria a porta de trás. Isso para não falar que todos (eu disse todos) estavam com a luz da injeção eletrônica de diesel acesa.
• Deveria existir uma lei que proibisse ônibus urbano e suburbano de ter motor na frente. Além do excesso de barulho, as dimensões da tampa-corcova entre o motorista e a porta dificulta o acesso de pessoas de idade e mais obesos, que têm que passar por um espaço pequeno entre a corcova e de barra de apoio para atingir a escada.
A altura do solo desses ônibus de motor dianteiro também é maior, o que para uso em estradas rurais é perfeitamente compatível, mas desnecessário e até temerário, por questão de estabilidade, no uso urbano.
O ruído interno também, de incômodo chega a ser cansativo. Se para o passageiro é alto, imagine o motorista ao lado do motor!
• Uma coisa que observei é que mesmo motoristas antigos no trecho parecem não se atentarem, nem que de maneira intuitiva, às melhores faixas de troca de marchas, bem como a rotação de trabalho do motor. Fazendo isso diariamente, seria natural essa assimilação, certo? Pois, parece que não.
O veículo em questão é um chassi Mercedes-Benz OF-1722, 2012, com o motor 4-cilindros OM-924LA de 4,8-L 210 cv a 2.200 rpm e 75,5 m·kgf entre 1.400 e 1.600 rpm. Em 15 dias fiz o trecho com três motoristas diferentes e por incrível que pareça, o mais antigo era o que pior explorava o potencial do veículo.
Andando superlotado (lembre-se, a pandemia acabou)!, era comum esse motorista deixar o motor ir perdendo rotação nas subidas, deixando-o atingir a faixa de torque máximo (1.600 rpm) para só então efetuar a troca de marcha. E nessa onda, o carro perde velocidade rapidamente e ao se jogar uma marcha inferior de maneira rápida, além do motor não recuperar “o fôlego”, a troca é feita rapidamente e a carga viva de mais de 70 almas em pé e sentadas chacoalham a cada pisada na embreagem.
Um outro motorista, com fama de corredor, por sua vez, tinha sensibilidade de efetuar as trocas de marcha (incrivelmente suaves!) no momento em que marcha inferior jogava a rotação do motor para valores acima de 2.200 rpm. O resultado era a manutenção de uma velocidade média mais alta, sem nunca superar 85 km/h e uma economia de mais de 10 minutos numa viagem de 40 quilômetros.
• Sobre trancos, esses câmbios e diferenciais de ônibus são peças incrivelmente resistentes. Ok, alguém dirá mas ande de ônibus e verá a quantidade de pancadas e trancos que são submetidos diariamente. Além do uso, há os motoristas que trocam de marcha e soltam o pedal da embreagem de qualquer jeito, trocas secas de marchas que um ouvido mais atento escuta .pelo protesto do cardã…
Com isso, um autoentusiasta mais atento concluirá que a matéria sobre câmbios automáticos e robotizados faz mais sentido do que nunca.
• Gostaria de saber quem são os desprovidos de massa cinzenta que estabelecem os horários das rotas. Sim, verdadeiras aberrações são criadas nas grades de horários e os ônibus ou saem cheios demais ou vazios. O usuário do sistema passa de temporário a incômodo para as companhias que olham exclusivamente a receita, sem se preocupar minimamente com o serviço. Afinal, não existe concorrência.
O interessante dessas observações é que grande parte delas, caso seja feita em um automóvel comum, implicará em multa ao motorista e recolhimento do veículo para regularização. Mas como falamos de transporte público, as concessões são feitas e andar de pé, covid-19, carros defeituosos, tudo isso passa a ser detalhes de somenos importância.
DA