Nasci em 1974 e desde pequeno sempre reparei nos carros. Tinha um tipo de carroceria que eu achava mais bonito que os outros que depois descobri serem as Caravans, Belinas, Variants, ou seja, as peruas! Durante a década de 1980, um pouquinho mais velho, já em processo de alfabetização e lendo a revista Quatro Rodas (depois a Oficina Mecânica), descobri outra paixão que foram os esportivos nacionais daquela época: Chevette S/R, Spazio TR, Oggi CSS, Gol GT/GTS e GTi, Passat GTS Pointer, Monza S/R, Kadett GS, Uno 1.5R e Escort XR3.
Mas, como todo bom adolescente que não nasceu “em família de posses” (como minha avó falava), eu só conseguia chegar perto destes carros nas páginas das revistas ou quando topava com algum estacionado na rua. E sonhava, e sonhava… Mais para a frente nesta história você entenderá onde estas duas paixões, peruas e esportivos, se encontrariam!
Houve duas passagens mais “autoentusiásticas” da minha vida até aquele momento e que envolvem dois exemplares desta simpática peruinha da VW, que é o tema deste texto!
Na década de 1980 eu estudava no bairro do Ipiranga, aqui em São Paulo, e a escola ficava perto da casa da minha avó paterna. Meus pais me deixavam lá pela manhã e me buscavam á noite. Como eu ficava lá o dia todo, após as aulas tinha tempo de brincar com os amigos.
Um dia, eu e um deles, o Ricardo, resolvemos dar um passeio a pé, pelo bairro, e no meio da aventura, o pai dele passou de carro, nos viu, parou e nos chamou para que nos levar de volta. O carro era uma Parati 1982 ou 1983 (do primeiro modelo, ainda com os para-choques cromados e as polainas pequenas), rodas Avus aro 13 (eram as réplicas das rodas do Gol GT, que fizeram muito sucesso como acessório naquela época), vidros esverdeados e numa belíssima cor prata (rara naqueles dias).
Quando eu entrei no carro, fiquei maravilhado! Que acabamento! Que espaço interno! Explico minha estupefação: nesta época, meu finado pai trocava um Fusca por outro. Mesmo hoje em dia, se você entrar em um Fusca (da década de 1970) e depois entrar em uma Parati daquela época, notará as décadas de evolução entre um projeto e outro.
Mas, voltando a história, o Ricardo ficou contando vantagem, falando que o carro era muito bom, que andava muito, etc, etc, e para comprovar o que ele estava falando pediu para o pai mostrar o quanto o carro andava. E não é que o pai dele resolveu atender o filhão? Reduziu marcha, afundou o pé no acelerador e foi esticando as marchas, acelerando e a peruinha foi ganhando velocidade numa aceleração que nunca o valente 1300 L do meu pai conseguiria fazer!
Estávamos na Av. Ricardo Jafet, sentido Museu do Ipiranga, e quando chegamos perto da Rua da Imprensa, o pai dele “montou no freio”, reduziu marcha e entrou com tudo nela, cantando pneus e acelerando com gosto depois da curva! Nunca o Fusca do meu pai conseguiria fazer uma curva daquele jeito e eu jamais esqueci o que aquele carro podia fazer!
Alguns anos depois, outros amigos, final da 8ª série, todo mundo passou de ano e, para comemorar, um professor de Geografia convidou a turma para irmos até o sítio do cunhado dele, no interior de São Paulo. A turma toda gostou da ideia. Porém, quem acabou indo (eu inclusive) foi em três carros: uma Caravan Comodoro 250-S (1983 ou 1984), um Monza SL/E sedã 4-portas 1,8-l a gasolina 1984 (carburador de corpo simples neste ano) no qual fui de passageiro, e, uma Parati GLS 1986 (versão raríssima, a única que me lembro de ter visto até hoje), do primeiro ano do motor AP600 e que era do cunhado do professor, ele dirigindo.
Todo mundo sabia do que um 250-S era capaz e meu amigo, que ia dirigir o Monza, já foi falando: “Se a fulana (não lembro mais o nome dela, mãe de uma outra colega nossa), resolver acelerar, a gente não dá nem “pro cheiro” (rsrs)… Mas, contrariando as expectativas, ela dirigia em passo de tartaruga, como muitos hoje, e ficou para trás. Ficou tão para trás que se perdeu, naquela época em que não havia GPS e ela dependia de seguir aquela Parati, que era dirigida pelo único que sabia o caminho do sítio.
Para ela ter ficado tão para trás, você já deve estar imaginando em que velocidade o Monza e a Parati estavam trafegando… Mas quer saber o que aconteceu? O meu amigo do Monza estava com o pedal do acelerador encostado no assoalho e quem disse que ele conseguia chegar perto da Parati? Ele dirigia muito bem, o professor também, e só para tirar uma com o meu amigo o professor aliviava o pé do acelerador, e quando o Monza chegava perto ele acelerava novamente e a peruinha sumia de vista! Após isso acontecer várias vezes, meu amigo ficou inconformado e me perguntou:
— Marcelo, que motor tem essa Parati?
— É um 1.6, a álcool, com carburador duplo.
— Como uma Parati 1.6 anda mais que o meu Monza 1.8????
Foram essas duas passagens que me fizeram nutrir uma admiração especial pela Parati.
Passaram-se os anos (já adulto e com a vida profissional estabelecida, graças a Deus), e em 2010 eu finalmente tive uma Parati para chamar de minha! Era uma GL 1,8-l a gasolina, 1991, cinza Andino, com interior monocromático cinza claro. O interior estava um pouco encardido, por anos de uso sem muito cuidado, porém estava íntegro, como todo o carro no geral. Aliás, foi um milagre eu ter achado um carro desse, naquela época, ainda totalmente original.
Uma revisão geral, higienização interna (depois de tudo limpo, como eu me sentia bem naquele interior clarinho!), uma pequena funilaria para tapar um furo de ferrugem na caixa de ar do lado do passageiro, onde se juntam as pontas da borracha da porta, a instalação de um rádio e a troca do tampão traseiro, que tinha os famigerados furos de alto-falantes, foram o suficiente e o carro me deu muitas alegrias durante três anos.
Eu até pensei em trocar rodas, bancos, etc., porém, eu olhava aquele carro, tão íntegro, tão original e perdia a vontade de descaracterizá-lo, coisa que hoje o povo faz sem a menor cerimônia… Enfim, durante o período em que estive com ela descobri toda a praticidade de uma perua — exceto por aquele bendito tampão traseiro. Uma peça muito grande, difícil de ser tirada e colocada e que causava transtorno caso aparecesse uma carga mais alta do que ele para ser colocada no porta-malas: Você tinha que acomodar a carga e conseguir acomodar o raio do tampão, sem prejudicar a visibilidade e sem deixar que ele quebrasse…
Fora isso, era um carro robusto, confiável, econômico e de manutenção barata, qualidades que continuam até hoje. Essa Parati ficou comigo até 2013, quando tive que trazer meu pai para morar comigo, por problemas de saúde, e ficava complicado para ele entrar e sair do carro (lembre-se que a Parati é um carro baixo, 1.445 mm de altura) e, também, para a minha mãe entrar e sair do banco traseiro. Por conta disso, com um misto de dor no coração e alegria pelo carro que eu encontrei, novamente com a graça de Deus, ela foi substituída pelo Stilo 2004 (sou o segundo dono), que repousa na garagem até hoje. Por ter os bancos bem mais altos, era mais fácil para tirar e colocar meu pai no carro e, com as quatro portas do Stilo, muito melhor para a minha mãe entrar e sair do banco traseiro.
Neste ponto da história, em 2015, com o agravamento da saúde do meu pai e com a possibilidade de termos que sair correndo com ele para um hospital a qualquer momento, e sem ter liberdade total para fazer isso, por conta do “maravilhoso” rodízio de veículos da capital paulista, surgiu a necessidade de um segundo carro, que tivesse um final de placa diferente da do Stilo, para ser usado em emergências. Porém, havia um problema: a garagem de casa só tinha uma vaga. Para caberem dois carros era necessária uma reforma, que foi feita, e o dinheiro restante teria que ser usado em algo barato e que mesmo que desse problema, tivesse um custo baixo de manutenção.
Durante as obras, o pedreiro responsável me pediu para avaliar um carro para ele, que seria usado para trabalho e passeio, “um “faz-tudo”, disse. Era uma Parati 1984. Andei nela, o motor estava bom mas os freios, péssimos! Era preciso frear com bastante antecedência para não sofrer um acidente… Fui com o pedreiro ao mecânico para uma avaliação mais detalhada do carro e depois a um tapeceiro, para outra avaliação. Só no mecânico, pelo que ele viu por cima, sem desmontar nada, já daria uma conta quase do valor do carro. O pedreiro desistiu do negócio e acabei ficando com ela.
Num primeiro momento não era um carro muito agradável aos olhos. Mas, caía como uma luva para o fim ao qual se destinava e, mais para a frente você entenderá por que ela foi um achado.
Rodas Orbital de 17”, a película mais escura que havia sobre a face da Terra nos vidros, portas dos modelos de 88 em diante, volante da linha CL (entre 1988 e 1991), moldura do painel pintada de prata, faltava a tampa do porta-luvas, as lâmpadas dos faróis eram presas com arame, as portas tinham forração da linha GL (também entre 1988 e 1991, aproximadamente), as laterais traseiras estavam com algo que parecia um Eucatex pintado de preto, umas capas nos bancos horríveis, motor arrefecido a barro e a forração do porta-malas demolida, entre outros problemas.
O que ela tinha de bom? Havia passado por funilaria e pintura pouco tempo antes, o motor havia sido reformado recentemente. Resumindo, o antigo proprietário tinha gasto bom dinheiro numa reforma geral para ficar com o carro, porém desanimou e resolveu vender a Parati.
Volto um pouco no tempo para contar outro fato que também marcou minha vida e ajudou na escolha da Parati: Quem viveu entre o final dos 1970 e início dos anos de 1980, época em que o carburador dominava , era comum se ver nas garagens, nos finais de semana, os zelosos proprietários regulando o carburador, trocando velas, cabos de vela, óleo, e completando o nível o radiador — com água de torneira! — manutenções básicas que meu pai também fazia, com o pequeno ajudante (á época) que vos escreve hoje. Peguei gosto pela coisa e desde meu primeiro carro, como fruto desta experiência, faço tudo o que dá na garagem de casa, só levando o carro em oficina se for algo impossível de fazer em casa, com os meios que tenho. Mas, sempre chego com o diagnóstico pronto e os mecânicos nunca retrucam…
A Parati é um carro simples e de manutenção fácil e barata, como eu já disse, e esse foi o primeiro motivo para abraçar esta 1984: O que deu para ver, por cima, que seria necessário fazer no carro, dava para fazer na garagem de casa e ela ficaria confiável para a hora da necessidade (lembre-se que ela foi comprada para emergências…)
Voltando à Parati, as rodas Orbital foram substituídas pelas rodas de aço da foto de abertura, usando um par de pneus 175/65R14 e outro 185/65R14. Porém, quem fez a montagem (não fui eu!), a fez em diagonal! Pensem na maravilha que era fazer curva com o carro desse jeito… Resolvi isso colocando o par mais estreito na dianteira e o mais largo, na traseira. Mas eram pneus velhos, muito ressecados e que já pediam a aposentadoria. Depois desse problema resolvido, com um jogo de pneus 185/60R14 (medida correta para os planos futuros), começaram as manutenções na garagem e as boas surpresas com o carro! O afogador não funcionava e fuçando em casa descobri que era só o cabo solto. Foi só recolocá-lo no lugar e tudo voltou ao normal.
Quanto ao carburador, aí começam as boas surpresas: deparo-me com um 2E7 que, jogando o código da tampa no Google, pertencia nada mais, nada menos, que ao Gol GT 1984! O motor era um 1,8-l (com comando ZBA, o “manso”), movido a álcool, cujo bloco fora fundido em 29/08/1984 (foto adiante), coincidentemente o mesmo ano de fabricação do carro e, talvez, uma data próxima da data de sua fabricação! Além disso, ela também veio com o câmbio de cinco marchas curto, o PV do Gol GT/GTS e GTI. Outra coincidência incrível! Essa configuração mecânica é a mesma que foi usada, em 1986 no Voyage Super, posteriormente no GLS (á partir de 1987) e na Parati GLS de 1989.
Esse é um fato que me deixa intrigado, até hoje, como um conjunto mecânico tão específico foi parar neste carro? Um pedido específico de algum funcionário da VW, com cacife para isso, como o Santana branco do Bob? Algum protótipo da Engenharia Experimental da VW que, por algum motivo, acabou parando no mercado de usados? Algum endinheirado, em 1984, que tenha comprado na concessionária este conjunto e aplicado no carro? Qual será o segredo de Tostines? (rsrsrs)
Adiantando um pouco a história, um tempo após a morte do meu pai ela continuou em casa. Porém, eu comecei a fazer algumas melhorias que, como o carro já estava descaracterizado, mesmo, foram feitas do jeito que eu sonhei, por anos: faróis novos resolveram o problema das lâmpadas presas com arame, a moldura do painel voltou a ser preta, junto com a troca do volante do Gol CL pelo modelo original (que posteriormente foi substituído pelo “quatro bolas”), o console com o relógio do Gol GT e uma tapeçaria feita para deixar a aparência interna um pouco mais próxima do original:
Sempre que houver mais de uma foto, como acima, clique nelas com o botão esquerdo do mouse para ampliá-las e ler as legendas.
Depois disso e de quase ter batido com o carro por conta do problema nos freios, resolvi trocar tudo e ela recebeu um kit de freios a disco, nas quatro rodas, que eu montei com a ajuda de um primo, na garagem de casa.
Os discos dianteiros, novos, são de 239 mm de diâmetro, a mesma medida dos originais, porém são ventilados e as pastilhas atuais tem praticamente o dobro da área das que estavam no carro. O freio ficou muito bom e acredito que não deverei ter problema de fading.
Concomitante à alteração nos freios, troquei o comando de válvulas ZBA pelo famoso 049G e o carro ficou um lixo, já que cometi dois erros: não acertei a carburação por ter trocado o comando e não refiz a regulagem da folga de válvulas. Quanto à carburação, consegui uma tabela de regulagens da Brosol, onde descobri a giclagem correta e, com isso, fiz o acerto. Melhorou muito, porém achei que ainda dava para melhorar mais.
Fui atrás da regulagem de válvulas. Mas nas oficinas que pesquisei nenhuma fazia só a troca das pastilhas. Queriam tirar o cabeçote e mandá-lo para a retífica, para as folgas de válvulas serem ajustadas e passar por um novo processo de retífica. Mas por que eu faria isso, com um cabeçote que já tinha sido reformado junto com o motor há não muito tempo? Neste ponto da história entra a oficina Sílvio Carburadores e minha ida a São José do Rio Preto, SP, 440 quilômetros a noroeste da capital.
Assista aos dois vídeos gravados na Sílvio Carburadores:
O carro voltou outro de lá! A Rodovia Washington Luís foi vencida com uma valentia que eu nunca tinha experimentado antes e eu só precisei reduzir marchas quando chegava nos pedágios. O restante do tempo era só quinta marcha e uma pressão pouca coisa maior no acelerador dava conta das subidas tranquilamente e isso me animou a fazer novas melhorias!
Bancos Recaro a troca das portas erradas pelas corretas (neste ponto todos os vidros foram trocados por vidros esverdeados, sendo o do para-brisa degradê), a troca do capô do motor e dos para-lamas, o painel do Gol GT, rodas Avus de 14 polegadas, um “tapa” na pintura, colocação do emblema “Álcool”, no bocal do tanque, revestimento fonoabsorvente no capô, e a tapeçaria refeita, misturando a Parati GLS original com o Gol GT.
Éum carro que eu uso e me orgulho disso! Vou ao mercado, ao trabalho, onde for necessário, com confiança e com o prazer duplo de dirigir uma perua esportiva, que une toda a praticidade da Parati com o desempenho do Gol GT!
Um abraço e fiquem com Deus!
Marcelo Rinolfi (Marcelo R. nos comentários)
São Paulo – SP