E numa tarde quente lá estávamos nós de moto, minha mulher e eu, passeando tranquilos numa estrada vazia do interior paulista. Íamos a uns 100 km/h na nossa Royal Enfield de 650 cm³, quando no retrovisor noto ao longe o farol de uma moto que se aproximava. Pois logo ela chegou e nos passou, e era uma pequena Honda Start 160 em cujo selim ia um corpulento piloto que seguia igualmente tranquilo, silencioso, sem forçar a máquina. E assim a Start foi sumindo adiante.
“Caramba! — pensei dentro do capacete — é só uma “Hondinha” 160! Minha velhusca e muito bem-conservada “125” da fazenda não faria isso nunca, ao menos não com essa naturalidade; talvez só esgoelando a coitada, com o motor cuspindo parafusos e porcas para todo lado. Preciso andar numa 160 dessas!
E assim foi que o AE solicitou à Honda uma CG 160 Titan para uma semana de teste que me deixou de queixo caído com o quanto as CG evoluíram nessa vida de 45 anos e mais de 13.500.000 unidades produzidas (vale ler a louca aventura do nosso querido Josias Silveira, que por ocasião do lançamento da moto, em 1976, foi de Manaus a São Paulo de CG 125).
São quatro as versões da CG, a Cargo (R$ 12.860), a Start (R$ 11.570), a Fan (R$ 12.710) e esta Titan (R$ 13.780), todas com o mesmo quadro e motorização, sendo que mecanicamente a única diferença entre elas é que a Start na dianteira tem freio a tambor e as outras o têm a disco. Na prática o a tambor dá e sobra, mas logo adiante falarei mais sobre os freios das CG.
O motor é monocilindro, flex (só a Start não é flex), arrefecido a ar, e o comando de válvulas é no cabeçote. Com cilindrada de 162,7 cm³ (57,3 x 63,0 mm), ele gera 14,9/15,1 cv, ambos a 8.000 rpm, e 1,40/1,54 m·kgf a 7.000 rpm. A taxa de compressão parece baixa, 9,5:1, principalmente por ser flex, mas sem dúvida a Honda tem seus motivos para que assim seja, dentre eles a pouca confiança sobre a octanagem da combustível com seus “batismos” com solvente. A alimentação é com a injeção eletrônica da própria Honda, a PGM FI.
Tive várias “125” na fazenda, Honda e Yamaha, desde as primeiras, e nunca vi nada mais prático, econômico, confiável, robusto e eficiente para rodar na roça. Os mesmos atributos lhe cabem no uso urbano, como bem elas provam nos serviços de entrega, onde com estoicismo suportam os piores e inimagináveis maus-tratos. Mas acontece que “falta moto” quando as “125” vão encarar a estrada, o que não é o caso destas CG 160, que fazem tudo o que as “125” fazem e mais um tanto.
Para tirar de uma vez essa dúvida, num domingo pela manhã montei um trio dos mais ecléticos, com uma BMW 750 GS do meu vizinho, uma Harley-Davidson Fat Boy do meu sobrinho e este que vos escreve ponteando com a valente CG 160 Titan, só abrindo vácuo estrada afora para esses dois bacanudos aí. Pegamos as rodovias paulistas Anhanguera e Bandeirantes, numa viagenzinha de uns 150 quilômetros ao todo.
E acredite se quiser: não andei a menos de 100 km/h, o que impressionou os meus amigos, que esperavam que os atrasaria um bocado e assim não foi, ao menos para a Fat Boy, que costuma viajar nessa toada mesmo. O velocímetro rondava os 105 km/h, e sem drama, onde ambos, ela e eu, poderíamos assim seguir horas a fio. Nas subidas mais acentuadas bastava me debruçar parcialmente sobre o tanque e diminuir o arrasto aerodinâmico para não perder velocidade. E me diverti bastante, diga-se.
O selim, que fica a 790 mm do solo, é largo e de boa espuma. Com certeza devo ter gasto pouquíssimo combustível. Não tive como apurar com precisão, mas o consumo gira em torno de 40 a 50 km/l de gasolina, entre estrada e cidade, o que é tão pouco que para gastar menos que isso só indo a pé descalço. Não vejo motivos para usar álcool, já que a potência praticamente não muda e o torque só sobe 10 % quando com álcool. O tanque de combustível tem 16,1 litros, o que lhe dá um alcance absurdo de ao redor de 700 km quando com gasolina.
Falando em torque, como é elástico esse motorzinho! Tanto o é que a Honda soube como fazer bom uso dessa característica e lhe deu uma longa 2ª marcha que vai a pouco mais de 70 km/h, ou seja, na maior avenida da cidade de São Paulo dá para tomar multa por excesso de velocidade sem nem ter saído da 2ª. É mole?
O câmbio está perfeitamente escalonado, não há “buracos” entre marchas nem marchas longas ou curtas demais. Na estrada, em 5ª marcha e a 100 km/h o giro ronda as 6.700 rpm, o que parece muito, pois está próximo da rotação de potência máxima (8.000 rpm), mas na prática nota-se que o motor está trabalhando com muito a ontade. Vale lembrar que o pico do torque é a 7.000 rpm, sinal que ele está “respirando” muito bem a essa rotação.
Bom, como disse, o motor e o câmbio são show! Quanto à ciclística, é só boa, mas seria ótima caso tivesse a suspensão um pouco mais macia, tanto a dianteira quanto a traseira. Aviso que regulei a pré-carga das molas traseiras no ponto mais suave. A suspensão, portanto, é desnecessariamente dura, característica que a Honda também insiste em aplicar nos seus carros. Mais macia ela traria mais segurança, e não só mais conforto, pois a suspensão absorveria melhor os impactos, evitando transmiti-los à moto e motociclista, o que provoca certa desestabilização e desconforto. Os cursos das suspensões são suficientemente bons, 135 mm na dianteira e 106 mm, na traseira, mas de que adianta o curso ser longo se só a mínima parte dele é utilizado?
Os freios. Pessoalmente, como já disse, acho que o freio dianteiro a tambor da Start é perfeitamente capaz, mas já que a Titan o tem a disco, agradeço. Na traseira é tambor em todas as versões. Já o sistema combinado de freios, o CBS, Combined Brake System, é uma faca de dois gumes. Explico. Para quem não sabe frear moto, como boa parte dos “motociclistas”, ele é vantajoso, pois muitos só freiam moto usando o freio traseiro, por medo da dianteira travar e ele capotar, etc., o que resulta numa frenagem pífia. Então, com o CBS, quando se usa no pedal de freio traseiro, o sistema, além de acionar o freio traseiro, também aciona o dianteiro, sendo que no caso da Titan, Fan e Cargo, o faz pressionando o cilindro-mestre do freio a disco. No caso de se acionar só o freio pelo manete, o dianteiro, então tudo normal e só o dianteiro freia. Acontece que o CBS não é como o sistema dos automóveis, onde a distribuição das forças frenagem entre os freios dianteiros e traseiros é fixa, uma distribuição definitiva que vem de fábrica e pronto, cujas proporções foram definidas após exaustivos testes e não há como um mecânico mudá-la.
No caso do CBS, essa distribuição da forças de frenagem é facilmente alterada pela regulagem do varão e/ou por um parafuso que aciona o cilindro-mestre. E note que ela varia devido ao desgaste desproporcional entre lonas e pastilhas, então volta e meia essa regulagem deve ser refeita, e quem me garante que o mecânico vai acertar o ponto certo? Ninguém. Nem mesmo o de uma autorizada, pois já vi muita moto com muitas regulagens erradas, mesmo saindo de autorizada. Ele pode exagerar na frenagem da dianteira e com isso a roda dianteira pode vir a travar muito cedo e escorregar, o que é algo irremediável numa moto. Mas creio que para quem não sabe frear moto, e assim são muitos, no frigir dos ovos esse CBS é vantajoso. Já para quem sabe frear moto, tem sensibilidade para distribuir corretamente com mão e pé o quanto se deve frear na dianteira e traseira, o melhor, mais eficiente e seguro, é desligar o sistema, coisa fácil, e continuar por conta própria.
Design. Décadas atrás, a Honda, para ganhar mercado no ocidente, tanto motociclístico como automobilístico, utilizava o design ocidental para seus modelos. Era um modo sutil de nos conquistar, apresentando-nos algo familiar como a linda CB 750 dos anos 1960, muito parecida com as motos inglesas às quais estávamos acostumados a admirar. Só que ultimamente tentou imprimir o design japonês aos seus produtos, algo mais anguloso e hipermoderno, que agrada o oriental, mas que por nós não é considerado chique, “cool”. Nada contra, só nos é estranho, meio Jaspion.
No caso dos automóveis, não se deu bem — vide as poucas vendas do excelente Civic — e agora o design do novo City já mostra que baixaram a bola, desistiram de nos fazer gostar do que não estamos acostumados, e passaram a nos oferecer algo confortável para os nossos olhos. E também no setor de motos a Honda parece despertar para esse aspecto e há pouco lançou a belíssima H’Ness CB 350 fabricada na Índia e que dizem que em breve estará no mundo todo, tamanho o sucesso que vem fazendo.
Falta-lhe às atuais CG coisas extremamente úteis que as antigas tinham, como uma sacolinha de ferramentas, um cavalete central e um botão de corte de ignição no manete, como toda moto que se preze deve ter, ainda mais que a Titan é a mais cara das versões.
Resumo das impressões: excelente moto, boa de tudo, só lhe faltando uma suspensão um pouco mais macia e que, além das quatro versões da CG, poderia ter uma quinta, com design mais clássico, que atraísse o consumidor dos scooters, que são veículos inadequados, menos seguros, caros, mas considerados “cool”. Uma “CGzinha cool” cairia bem.
AK
Vídeo
FICHA TÉCNICA HONDA CG 160 TITAN | |
MOTOR | Monocilindro, 4 tempos, arrefecido a ar, comando de válvulas no cabeçote, corrente, injeção no duto Honda PGM FI, flex |
Cilindrada (cm³) | 162,7 |
Diâmetro do cilindro x curso do pistão (mm) | 57,3 x 63 |
Potência (cv/rpm, G/A) | 14,5 / 15,1 / 8.000 |
Torque (m·kgf/rpm, G/A) | 1,40 / 1.54/ 7.000 |
Taxa de compressão :(:1) | 9,5 |
Partida do motor | elétrica |
SISTEMA ELÉTRICO | |
Bateria, tensão (V) | 12 |
Bateria, capacidade (A·h) | 4 |
Ignição | Eletrônica |
Farol (W) | 35/35 |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Garfo telescópico, curso 135 mm |
Traseira | Dois conjuntos mola-amortecedor, curso 106 mm |
FREIOS | |
Dianteiro (Ø mm) | Disco /240 |
Traseiro (Ø mm) | Tambor/130 |
PNEUS | |
Dianteiro | 80/100-18 |
Traseiro | 100/80-18 |
DIMENSÕES (mm) | |
Comprimento/largura/altura | 2.032 / 745 / 1.087 |
Distância entre eixos | 1.315 |
Distância mínima do solo | 170 |
Altura do assento | 790 |
ESTRUTURA | |
Quadro, tipo | Diamond |
PESOS E CAPACIDADES | |
Peso a seco (kg) | 117 |
Tanque de combustível (L) | 16,1 |
Óleo do motor (L) | 1,2 |