A recente coluna da Nora sobre o Di Tella me trouxe à lembrança um fato que compartilho com o leitor ou leitora ligado ao famoso táxi produzido na Argentina. A Nora falará mais sobre ele na coluna dela quarta-feira que vem.
Eu e mais sete amigos resolvemos ir a Buenos Aires para assistir ao grande prêmio de 1973, abertura do campeonato mundial de F-1, em 23 de janeiro. Fomos na quinta-feira, voo bem tarde, para voltarmos na segunda-feira cedo. Venceu Emerson Fittipaldi, com Lotus-Ford 72D. A disputa com os dois Tyrrell-Ford de François Cevert e Jackie Stewart foi épica, Eu estava dentro do circuito, na grama, com visão desobstruída das curvas 6 (Ombú) e 7 (Cajón), ambas para esquerda, a 6 mais rápida que a 7, quando lá pela 80ª volta de 96 a ordem era Cevert, Stewart e Emerson, e o brasileiro começa a caça ao escocês,
Não demorou muito para o Emerson superar o Stewart, era o segundo agora. Mas com o francês a luta parecia ser mais dura, Bem mais para o final, Emerson aproveitou melhor o trecho Vigorita, um “S de média para alta velocidade antes da Ombú, e conseguiu chegar a ela por dentro, liquidando a fatura. Para nós foi um momento para não esquecer.
Faltando uma volta para terminar corri para o boxe (era perto daquele ponto) para festejar com o Emerson e vi Cevert ainda no carro, viseira levantada e lágrimas escorrendo dos seus grandes olhos azuis. A cena ficou marcada na minha memória. Lamentavelmente Cevert perderia a vida no GP dos Estados Unidos, em Watkins Glen, no dia 7 de outubro, ao bater de frente numa defensa metálica e ser degolado. Tinha 29 anos.
Em Buenos Aires a curtição de sempre (na época) da cidade incrível, com churrascarias de dar saudade passados praticamente 50 anos. Acompanhava os bifes de lomo (filé mignon) ou de chorizo (parte traseira do contrafilé, muito macia) a deliciosa cerveja Quilmes Imperial, sem falar as maravilhosas papa fritas (batatas fritas) de lá
A cidade respirava Fórmula 1, o ar era festivo. A imprensa argentina focava a F-1 com tudo. O jornal La Razón tinha não sei quantas edições diárias, sempre com tudo que acontecia no autódromo. Para quem gosta de automobilismo é o lugar perfeito apesar das dificuldades por que passa a Argentina.
Volta para casa
Segunda feira pela manhã, hora de voltar para casa.. De manha cedo, coisa de 7 horas, fomos para a porta do hotel procurar dois táxis para seguirmos todos para o aeroporto. Foi relativamente fácil e adivinhe a marca dos táxis? Di Tella! (não tenho foto dos dois Di Tella juntos, por isso vale a foto de abertura, apenas ilustrativa).
Embarcamos e rumamos para o aeroporto central, o Aeroparque Jorge Newbery. Tudo normal, chegamos com folga de horário para o voo, os dois Di Tella pararam junto ao meio-fio, quase na entrada.
Enquanto eu acertava com o taxista, ouvi uma grande discussão no outro Di Tella, saí do que estava e fui ver o que estava acontecendo. Questão de dinheiro, dar ou não pagamento adicional por serem quatro passageiros e não três, normal, nada muito sério. Nisso vi o “meu” Di Tella arranca e e ir embora. Naquele momento gelei, eu havia deixado meu passaporte e passagem sobre o painel e, na correria para ver a discussão, não me lembrei de pegá-los.
Eis que passa um outro táxi (Di Tella) pelo ponto onde estávamos, peguei-o e disse para motorista para alcançar o “meu” Di Tella, para correr o máximo que pudesse. Logo avistei o “meu” táxi, que alívio! — só que era outro Di Tella…
Sem dinheiro para comprar outra passagem e sem passaporte. Não sei como não sujei as calças! Pedi ao taxista que me levasse de volta para o aeroporto. A sorte foi eu ter uns bons pesos na carteira.
Antes de mais nada era preciso ver como deixar o país sem passaporte. Ainda encontrei os amigos no saguão do aeroporto, um deles queria não embarcar para ficar comigo, mas recusei. No balcão da companhia (Varig? Cruzeiro? Aerolíneas Argentinas? Não me lembro) me disseram que eu teria que ir à polícia federal, pois além de não poder embarcar, era grave um estrangeiro sem passaporte na ditadura reinante, por questão de terrorismo na época, essas coisas que sabemos. Só documento de identidade, como é hoje e que eu tinha na carteira, não valia.
Fui a dois departamentos de polícia e foram cinco horas nessa brincadeira, sob enorme tensão. Bateu-me uma dor de cabeça de derrubar (eu tinha 31 anos, só parei de tê-las aos 40). Mas o importante é que me deram um documento para poder deixar o país.
Só que havia o problema nº 2, comprar outra passagem aérea. Nos cartões de crédito brasileiros havia um aviso em vermelho ridículo e aterrador, “Valid only in Brazil”. Eu tinha que arranjar dinheiro da alguma forma.
Eu tinha um amigo em Buenos Aires que eu e minha mulher conhecêramos em 1968 na BR-116 logo depois de Curitiba sentido São Paulo, ao vê-lo, com a mulher, trocando uma roda (pneu furado) da Fiat 125 rural deles. Nasceu ali, no acostamento, uma amizade que perduraria anos. Inclusive os ciceroneamos quando foram ao Rio algum tempo depois. Era um casal muito agradável.
Felizmente achei o telefone dele na lista telefônica, contei-lhe o ocorrido e pedi-lhe dinheiro emprestado para comprar a passagem — ele tinha dólares em casa, por segurança devido à ditadura de então. Fui até a casa deles (lembrava do endereço), ele me deu o dinheiro (250 dólares se não me engano) e ainda fez a gentileza de me levar ao aeroporto.
Havia um voo da Iberia para o Rio de Janeiro saindo em uma hora (18h30), comprei a passagem e embarquei no 707. Sentei na minha poltrona e apaguei. Nem jantar quis. Só acordei quando a aeromoça pediu para colocar o encosto na posição vertical. A dor de cabeça havia ido embora.
Que dia!
BS