Os jovens de hoje não devem se lembrar de uma preferência do brasileiro (única no mundo) na década de 80: carros de duas portas. Não há explicação lógica e imagina-se que a moda foi resultado de — à época — a maioria dos motoristas ter aprendido a dirigir num Fusca. Ou por aparentar esportividade.
Fábricas tiveram de investir para alterar o projeto original de modelos que vinham da matriz e que não tinham sido concebidos para duas portas. Caso do VW Santana (foto de abertura) ou do Dodge 1800, versão brasileira do inglês Hillman Avenger.
A irracionalidade era tamanha que madame se contorcionava para se assentar no banco traseiro de Opala cupê… com motorista.
Mas o mercado tem sempre uma explicação lógica para justificar o ilógico. No caso da aversão às quatro portas, “cupê é mais seguro para as crianças atrás” (besteira: sempre existiu uma trava de segurança para evitar acidentes, o Renault Dauphine, lançado aqui em 1959, já tinha isso), ou “vão me confundir com taxista”, “dá menos trabalho para trancar”, “menos barulhento” e, finalmente, o inquestionável “valor de revenda”.
Diesel, mesmo sem retorno
O litro do diesel é mais barato na bomba que gasolina ou álcool, pois paga menos impostos. Antiga decisão do governo federal para reduzir custos dos transportes coletivo (ônibus) e de carga (caminhões). Simultaneamente, proibiu também o motor Diesel nos automóveis, para não se beneficiarem com o preço reduzido do combustível.
Mas a produção do motor Diesel custa muito mais, pois tem taxa de compressão mais elevada, exigindo maior resistência dos componentes, precisavam de potente e cara bomba injetora mecânica (em vez do carburador dos motores a gasolina) e turbocarregador.
Além de o litro do diesel ser mais barato, o motor é mais eficiente e consome menos combustível. Então, seu quilômetro rodado custa muito menos que o do motor a gasolina.
Existe, portanto, a falsa ideia de que picape com motor Diesel é mais negócio. Mas não é bem assim, pois seu custo inicial é tão mais elevado que só mesmo rodando mais de 5 ou 6 mil km por mês para valer a pena o investimento inicial. Como a média mensal do motorista brasileiro é pouco superior a 1.000 km mensais, não há retorno do que se paga a mais pela picape a diesel. Mas, como sempre, vem o argumento imbatível: “o valor de revenda”…
Engate-bola
A rigor, é para rebocar carretas, lanchas, etc. Mas, de repente, sem mais nem por quê, o brasileiro resolveu colocá-lo na traseira para “proteger” o carro no caso de impacto traseiro ou encostão numa vaga paralela ao meio-fio. As lojas deram força à ideia e se venderam centenas de milhares deste excremento no Brasil.
Uma fabricante desses engates, a Berco-Plion, tinha mostruários para expor seu produto nas lojas de autopeças e oficinas com a mensagem “Coloque respeito na traseira do seu carro”.
Começa que o engate nada protege. Pelo contrário, anula o efeito “amortecedor” do para-choque traseiro e transmite toda a energia do impacto para o monobloco (longarinas), em geral deformando-o. Algumas fabricantes proíbem explicitamente, no manual do proprietário, sua instalação.
Além disso, o engate-bola já rasgou muita canela de pedestre que passa atrás do carro. Danificou também muita placa e para-choque do carro estacionado atrás.
O engate correto é o de lança removível, só usado quando se precisar rebocar alguma coisa. Esperava-se que a Resolução do Contran regulamentando a questão (a de nº 197 de 25/07/2006) obrigasse o tipo de lança removível, mas não ocorreu, para minha decepção e de muitos. A Mopar, divisão de acessórios da Stellantis, por exemplo, oferece o engate de lança removível para a as linhas Jeep, Strada e Pulse. A própria Berco-Plion tem esse tipo de engate hoje.
“Quebra & Mata”
Uma verdadeira “traquibanda” colocada à frente do carro composta de tubos de aço formando um quadrado. A utilização primária do quebra-mato é no campo, para empurrar árvores e arbustos na estrada. Ou outros carros enguiçados ou atolados.
Inexplicavelmente, o quebra-mato virou mania no Brasil, chegou a vir como equipamento de série e era chique adaptá-lo na frente de jipes, suves e picapes que só rodavam no trânsito urbano. Para “proteger” a frente do carro.
Mas era, na verdade, o tiro de misericórdia quando o veículo atropelava um pedestre. No caso de crianças, pegava exatamente na cabeça.
Recebeu o pertinente apelido de “Quebra & Mata”
Penduricalhos
Foram muitos também os acessórios oferecidos pelas concessionárias. Tapetinho e calhas nas janelas encabeçam a lista das bugigangas empurradas goela abaixo dos motoristas. Acho que o rei dos “receptadores” de acessórios foi o Fusca. Tinha de tudo o que se pode imaginar, Até um jogo de frisinhos para enfeitar a grade de entrada de ar para o motor abaixo do vidro traseiro. Esse então, genérico, teve seus dias de glória: um bloquinho para anotações preso no para-brisa por ventosa. Será que havia tanto o que anotar? E Fusca sem farol “Tremendão”, recurso para adaptar farol sealed beam, não era Fusca.
Suves
A compra de um veículo utilitário esporte (SUV, a sigla em inglês) é decisão puramente emocional, só pelo modismo. As mulheres alegam se sentir mais seguras. Os homens explicam que as rodas maiores vencem melhor a buraqueira. Não é verdade, a maioria deles vem equipada com pneus de perfil baixo.
Quase ninguém que o adquire sabe explicar o porquê. Não tem fazenda nem sítio. Jamais usa a tração integral nos raros suves equipados com esta transmissão. Alegam ser de utilidade para carregar a família, mas seu porta-malas geralmente é menor que o de um sedã ou perua. São mais difíceis de estacionar. Seus pneus custam o dobro. O consumo é maior, pois são mais pesados e menos aerodinâmicos.
Uma paixonite tão “braba” que já liquidou o mercado de peruas e caminha para destruir também o de hatches e sedãs.
Mas chique hoje é ter suve e apartamento com “Espaço Gourmet”…
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusive reponsabilidade do seu autor.
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