Corria o ano 1973. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) elevara o preço do barril de petróleo de 2 dólares para 12 dólares — 500% — em questão de três ou quatro meses, aquilo que ficou conhecido como primeiro choque do petróleo. O Brasil, com grande dependência do petróleo do Oriente Médio, 80% viu-se diante de um vultoso e preocupante gasto de divisas estrangeiras com importação de petróleo, aumentando nossa dívida externa que já era alta.
Logo surgiram vozes acenando com a solução: “mudarmos de combustível” para evitar a sangria de divisas. A ideia era produzir mais álcool etílico a partir da cana-de-açúcar para substituir a gasolina, mas ela foi rechaçada pelo governo Emílio Garrastazu Médici e pelo seguinte, o de Ernesto Geisel, que alertados por técnicos em combustíveis tiveram noção exata do nosso peculiar perfil de consumo de derivados do petróleo e que por isso o problema não era a gasolina, mas o diesel.
O combustível-mãe do país, aquele que “manda” na importação de petróleo, era o diesel por conta do transporte de carga e passageiros usar esse combustível e não a gasolina, que por esse motivo era excedente fazia tempo. Isso porque quando o petróleo é refinado dele saem diversos derivados, em que não é possível deixar de produzir gasolina., Numa comparação com o abate de gado bovino, é impossível obter-se apenas filé mignon. O que nos interessava realmente, produzir só diesel não era possível, a não ser que as refinarias fossem construídas para isso, só que não as tínhamos.
Ficou então claro que substituir a gasolina pelo álcool não resolveria o problema de gastos com importação de petróleo, que precisava continuar a ser importado, ou o país pararia.
Para resolver, o governo, inteligentemente, resolveu tornar a gasolina mais atraente para os compradores externos e assim compensar, pelo menos em boa parte, o que gastava com a importação do petróleo encarecido.
Para aumentar a atratividade da gasolina brasileira e seu preço nos mercados mundiais só havia um caminho, aumentar a octanagem.. Historicamente ela era mais baixa do que nos países avançados e isso sempre nos causou o problema de motores produzidos aqui precisarem ter taxa de compressão mais baixa que a dos países de origem para poderem funcionar sem detonação com a gasolina brasileira.. Os carros importados, por sua vez, vinham com taxa de compressão menor do que a dos países de vanguarda.
Como já tínhamos gasolina de “classe mundial”, a premium de 95 octanas RON, chamada de gasolina azul, — a gasolina comum ou gasolina amarela, era 91 RON, — a nossa gasolina comum passou a ter 95 octanas RON.
Além do ganho em atratividade para ser exportada a preço melhores, os benefícios da gasolina brasileira internacionalizada foram enormes, como acabar com a pecha de “motor brasileiro” e facilitar o desenvolvimento de novos motores aqui, sem a preocupação com detonação.
Para ajudar a importante indústria sucroalcooleira, a nova gasolina vendida aqui passou a conter 10% de álcool, a chamada gasolina E10 (“E” ethanol,”10″ de 10%), podendo a gasolina E0 para o nosso mercado ser formulada nas refinarias com octanagem ligeiramente menor e chegar a 95 RON com os 10% de álcool anidro.
Desde meados da década de 1930 nossa gasolina continha 5% a 8% de álcool, como medida de manter o cultivo da cana-de-açúcar para produção de açúcar, importante que é tanto para o mercado interno quanto, e principalmente, para exportação, pois o açúcar era e é até hoje uma commodity, tem cotação internacional.
Paralelamente o governo estimulou a indústria a desenvolver motores diesel mais econômicos, a Petrobrás a intensificar a procura por petróleo, o que provou ser viável (dizia-se que o Brasil não tinha petróleo), tudo resultando em termos carros de passeio até com motor Diesel, como no resto do mundo.
Com a nova gasolina brasileira E10 de 95 octanas RON os carros produzidos aqui ficaram mais econômicos —bom para consumidor — a indústria sucroalcooleira teve fornecimento de álcool assegurado, a crise do petróleo não foi a catástrofe que se temia .e… plof, acordei.
Era tudo sonho.
BS