Caro leitor ou leitora,
Este texto é um comentário feito ontem por Murilo Vidal, de Uberlândia, MG, à matéria “Tesla no modo de condução Autopilot matou duas pessoas“, publicada dia 25 último. Por tê-lo considerado magistral, pedi-lhe autorização para publicá-lo. É a primeira vez na existência de 13 anos do AE que um comentário é transcrito na íntegra para se transformar em matéria.
Bob Sharp
Editor-chefe
Algum tempo atrás, vi um comentário aqui no AE (não me lembro em que artigo), em que um colega usuário, ao responder meu comentário, mencionou como as pessoas hoje estão cada vez mais aversas a assumir responsabilidades, especificamente, ele mencionou como os jovens tendem cada vez mais a preferir utilizar Uber e outros aplicativos, a aprender a conduzir o próprio automóvel. E sobre esse público, os brinquedos ultratecnológicos da Tesla exercem um fascínio especial.
Ao ler essa matéria sobre essa ocorrência lamentável (a qual não irei me referir como acidente, e vou deixar claro o porquê), isso me veio a mente de novo. Só consigo imaginar o jovem Riad de braços cruzados dentro de seu carro elétrico de luxo, “pensando na morte da bezerra” como meus avós costumavam dizer, enquanto seu veículo saía de uma rodovia e seguia a toda carga rumo a um sinal vermelho, certamente se sentindo um passageiro em um táxi.
Existe parcela de responsabilidade da Tesla sim. Por mais que a empresa não meça esforços em fazer lobbies e comprar legisladores federais e estaduais, a verdade óbvia, clara como água, é que vendem a imagem de um carro praticamente autônomo para o público, e não fazem questão nenhuma de lembrar o mesmo público que ainda estão conduzindo um veículo sob sua responsabilidade, e não adquirido um Uber exclusivo. E o fato da empresa fechar seu departamento de relações públicas toda vez que ocorre um problema, quando o correto seria que fossem os primeiros a tomar a dianteira para investigar as ocorrências junto com as autoridades, passa uma mensagem bem clara da postura da empresa com relação à segurança e a vida de seus clientes e das pessoas nas ruas.
Apenas para dar um exemplo. Os aviões de transporte comercial de hoje todos possuem piloto automático. Piloto automático de verdade, que de fato voa o avião sozinho. Não é o controle de cruzeiro glorificado dos carros caros de hoje. Os pilotos programam a rota e os parâmetros de velocidade e performance, e após a decolagem, o PA se encarrega da condução da aeronave. Mas e se ocorre um problema, uma pane em algum sistema, ou pior, algum acidente? Nunca, jamais a investigação irá apontar responsabilidade do PA, porque isso não existe. Uma máquina não pode ser “responsabilizada”. A responsabilidade de reconhecer falhas ou situações de risco, e reagir a essas situações, sempre será dos pilotos. A lógica é exatamente a mesma para um carro. Se um piloto falha em monitorar o andamento do voo sob piloto automático e permite que a aeronave entre em uma situação de risco sem interferir, esse piloto já vai descer no destino com sua demissão assinada e carimbada. Porque a responsabilidade é dele.
O senhor Riad cometeu esse mesmo erro. Ele estava sentado na esquerda, ele é o único responsável pela segurança da condução e pela observância das regras de trânsito, e isso não leva em conta se era ele manipulando o volante ou se era o computador do carro. Se ele falhou em ver que o carro poderia não parar no sinal, ou se viu mas simplesmente ignorou, essa ocorrência não foi um acidente, foi um crime. E é vital para a segurança de todos que o público consumidor e os fabricantes tenham isso bem claro em mente.
Murilo Vidal
Uberlândia – MG