Bom, caros leitores, temos aqui mais um interessante “causo” de carro argentino. Mais uma vez, trata-se de um projeto feito por um cidadão italiano, que morava na Argentina e que foi pioneiro em algum tipo de desenvolvimento. Como vocês tem lido neste espaço há algumas semanas.
Vamos a um pouquinho de História, mas por enquanto sem datas nem números. Os argentinos são, na maioria, descendentes de italianos e espanhóis — é o meu caso também. Família materna espanhola (galegos e andaluzes) e paterna italiana (genoveses). Foi na Argentina que os genoveses (o maior contingente de italianos nas primeiras ondas migratórias) inventaram o que para mim é uma das melhores pizzas do mundo, a fugazza. Massa mais para grossa, coberta apenas de muçarela, muita cebola em anéis e um pouquinho de orégano. Sem nada de molho de tomate. É fantástica, pois a cebola fica adocicada no forno… uma delícia.
O restaurante que diz ter criado esta pizza fica no italianíssimo bairro de La Boca, chama-se Banchero e se diz um representante da República Independente de La Boca — uma “micro-nação” criada em 1907 por italianos imigrantes, com direito a ministérios, governadores, brasão, idiomas oficiais (espanhol, italiano e xeneize). Um país dentro de um país — ainda que mais folclórico do que outra coisa, mas que conseguiu a independência do bairro. Hoje estamos na III República Independente de La Boca, que tem gabinete próprio e tudo como se fosse um país, mesmo. Coisas da Argentina, sem dúvida.
A invenção da fugazza é de Juan Banchero, pizzaiolo argentino, filho do genovês fundador do restaurante, Agustín. É servida no restaurante de La Boca, inaugurado em 1932, que hoje tem filiais em vários bairros de Buenos Aires e uma em Miami. Fim do momento gastronômico-cultural.
Voltemos, então, ao carro sobre o qual quero falar hoje, a série de “Castanitos” e suas diversas versões, incluindo carros de competição. Como já mencionei várias vezes, a combinação argentinos + italianos + carros costuma dar muito certo na Argentina — e este é mais um exemplo.
Cesar Castano nasceu em Milão, em 1893. Não, não é genovês, mas italiano, como quase todos os pioneiros do automobilismo argentino. E vamos a mais uma digressão: os nomes, na Argentina e nos países de língua espanhola em geral, são “traduzidos”. E não digo apenas nos casos de imigrantes que foram registrados com outra versão do próprio nome, mas também com hábitos. Neste caso, certamente o nome era Cesare, mas não se encontram informações sobre a pessoa com esse nome, daí eu usar Cesar. Na Argentina, o príncipe da Inglaterra é Carlos (Charles), o irmão dele Andrés (Andrew) e por aí vai.
Castano chegou a Buenos Aires aos 20 anos e logo abriu uma oficina mecânica no bairro de Palermo, onde consertava todo tipo de carro, utilitários e, especialmente, motores, incluindo de carros de competição (Foto taller). Sua casa era frequentada por pilotos de diversas categorias, incluindo o futuro pentacampeão de Fórmula 1 Juan Manuel Fangio. Mas o sonho dele era criar um modelo esporte de competição. Usando seu próprio dinheiro e o tempo que conseguia entre seus trabalhos na oficina desenvolveu um protótipo e em 1923 o “Racer” foi apresentado no 6º Salão do Automóvel (foto de abertura).
O bólido usava um motor de avião da marca SPA de 6 cilindros, 220 cv e 240 kg (!!), comum em bombardeiros e aviões de reconhecimento. Ele estava montado sobre um chassi de série, mas perdeu-se na história qual seria o veículo. O mais provável é que tenha sido um Hudson ou um Isotta-Fraschini.
O motor SPA tinha 12 litros de cilindrada. Para poder acomodar um motor desse tamanho o capô tinha 2,10 metros de comprimento, mas o comprimento total do carro era de incríveis 5.800 mm. No painel havia sido instalado um acelerador de mão.
Castano desenvolveu uma carroçaria com duas opções de acabamento traseiro — um curto e outro longo, algo raro numa época em que o mais normal era que a carroçaria acabasse atrás do banco do motorista e do acompanhante.
Com esse carro, Castano desafiou Pietro Bordino, piloto italiano que acabava de chegar à Argentina com um Fiat Gran Prix de 2 litros com o qual havia ganhado uma corrida no circuito de Monza onde teria superado os 220 km/h. Com esse carro, Bordino teria alcançado os 191,28 km/h no Brasil, num evento organizado pela própria Fiat como forma de promover seu carro.
O desafio de Castano seria numa estrada da Grande Buenos Aires, onde Bordino havia atingido 192,345 km/h, mas a Fiat recusou uma competição direta entre os dois carros. Como Castano não tinha túnel de vento, havia adaptado na traseira do carro um cone muito comprido. Original, no mínimo. Castano decidiu, então, tentar bater o recorde sem adversário. Fez algumas alterações, como a troca pelo motor Caproni de 250 cv de potência e 16 litros de cilindrada e um diferencial 1:1 e foi até o mesmo trecho de estrada, onde atingiu 180 km/h, mas ao ficar sem freios acabou jogando o carro no meio do mato antes de dar o seu máximo.
Segundo declarações de Castano em décadas posteriores, as condições da estrada quando ele a percorreu não eram nem de perto as que o italiano encontrara. Castano diz que quando ele tentou bater o recorde havia buracos antes inexistentes e haviam sido feitos recapeamentos de má qualidade, o que teria prejudicado sua tentativa de obter a máxima aceleração do carro. Bem, o mecânico não conseguiu quebrar o recorde, mas como ele mesmo disse, anos depois, pelo menos não matou ninguém com a falta de freios.
Mudando de assunto: ainda não entendi os critérios para bloquear ou censurar alguém no Facebook, mas achei isto hilariante.
NG