Entusiastas existem aos montes, mas apenas alguns poucos conseguem realizar um dos tipos de sonhos mais recorrentes na cabeça de alguns deles: construir seu próprio carro, do jeito que sua mente e coração pedem e imaginam.
Minoru Hayashi faz parte desse seleto grupo, e seu carro tem um nome absolutamente perfeito para os sonhadores, Dome (segunda silaba tônica, em japonês), e significa “sonho de infância”.
Hayashi organizou sua empresa em 1975, fabricando bancos de competição, volantes e rodas, sempre buscando fabricar um carro, e em 1978 apresentou o Dome Zero, tornado famoso mundialmente apenas muitos anos depois, através do jogo Gran Turismo 4.
Mas a origem de tudo foi o cenário de competições, com a empresa se dedicando a engenharia de criação e desenvolvimento aerodinâmico, utilizando materiais compósitos e se dedicando a aplicação em carros de categorias diversas.
Hayashi estava envolvido nesse campo desde 1965, quando modificou extensamente um pequeno Honda S600 (606 cm³, 58 cv, 715 kg, 140 km/h na versão de rua), e o batizou de Karasu, “corvo”. Curiosamente, isso aconteceu cerca de cinco anos antes da Chrysler criar os Daytona/Superbird, com a dianteira em formato muito parecido.
De apenas modificar um pequeno Honda a criar o Dome Zero era um passo bastante ousado, e “miserável” foi o termo que Minoru usa para descrever os dois anos de projeto e construção do carro, com alguns profissionais de fora de sua empresa tendo que ser hospedados em hotéis ao redor de Osaka, e as longas horas de trabalho fazendo que alguns deles nem banho tomassem.
O resultado foi muito bom, com a carroceria e seus fechamentos (portas e tampas) apresentando firmeza e qualidade de operação, característica que tem origem na estrutura do carro, um chassis de tubos de seção quadrada soldados.
As suspensões na frente e atrás são em braços triangulares superpostos de tamanhos diferentes, feitos em aço estampado (prensado), molas concêntricas com amortecedores, e barras antirrolagem.
Outros itens comprados são gatilhos de porta (alavanca de abertura interna) de Toyota Celica e a coluna de direção de um Honda Accord, mas pedais são feitos em alumínio usinado, e o volante feito em casa, com botões de buzina triangulares.
Mecanicamente não era tão supercarro assim, pois o motor era um Nissan L28E — o mesmo do Datsun 280ZX — um seis-cilindros em linha de 2,7 litros com apenas 147 cv alimentado por três carburadores Solex duplos, e câmbio manual de cinco marchas, mas pesando apenas 920 kg o desempenho era suficiente para alegrar quem o dirigiu, com relação peso-potência próxima de um Porsche 911.
Para o câmbio, um transeixo ZF 5DS-25/2, com as saídas deste acopladas a semiárvores de Toyota Cressida, e pneus Dunlop SP Super Sport 185/60HR13 na frente e 225/60HR14, atrás.
Com a potencia disponível, a Road&Track fez medições de desempenho e conseguiu 0 a 100 km/h em pouco mais de 7,6 segundos, o quarto de milha (402 metros) partindo da imobilidade foi coberto em 16,1 segundos — um Lamborghini Countach fazia isso em 14,6 segundos.
Alguns componentes mais complicados foram adotados de outros carros, como pinças de freio dianteiras de um Subaru Leone, mas na traseira freios inboard, com discos fabricados pela Dome, com pinças também Subaru. A 100 km/h o carro parou em 45 metros, e a 130 km/h foram necessários 84 metros, muito espaço.
Há uma caixa removível sobre o transeixo, funcionando como porta-malas, as portas abrem para fora e para cima com molas a gás, e se fecham facilmente, sem precisar bater. Entre os faróis uma tampa se abre para revelar as duas ventoinhas elétricas de arrefecimento do motor, cujos radiadores ali se localizam. O ar quente sai por recortes retangulares pouco à frente do para-brisa, que tem forma curvada e muito aerodinâmica. Todo o greenhouse (conjunto de vidros), segue uma curva de raio variável, fácil de visualizar nessas fotos.
Por dentro, acabamento de formas e cores atraentes, apesar do espaço apenas para quem tem ate 1,72 m aproximadamente — problemão conceitual enorme quando de pretende vender o carro para gente alta — camurça foi utilizada no painel, portas e forro de teto. A eletrônica não poderia estar ausente com instrumentos digitais para puxar o carro para o futuro.
Do lado direito do volante há controles de toque para lanternas, farol baixo e alto, limpador de para brisa, aquecimento desembaçador do vidro traseiro e pisca-alerta. Por dentro desse módulo estão as teclas para piscas esquerdo e direito, e não necessitam serem tocados. Passar a mão de cima para baixo aciona o pisca para a direita, subindo a mão aciona para esquerda, como se fosse em uma alavanca. Para desligar, um botão quadrado dentro do volante.
Mais próximo do passageiro estão os comandos de ventilação, ar-condicionado e rádio, janelas são pequenas, apenas para pagar pedágios e evitar claustrofobia.
Freio de estacionamento e alavanca de câmbio mostram forma retangular, nada ergonômicos, mas apenas ruim de usar no caso do câmbio, que tem movimentos mais leves e um pouco mais vagos do que o desejável em um carro esporte. Obviamente isso deveria ser melhor desenvolvido com o tempo, se o programa tivesse ido em frente. A primeira das cinco marchas esta na posição esquerda e para trás — sempre apelidada de dog leg, perna de cachorro — e as outras quatro em tradicional H.
Terminado a tempo de embarcar para o Salão de Genebra de 1978, fez bastante sucesso e muita gente se interessou de verdade. Lembro de uma foto do carro na saudosa revista Manchete (1952-2000), que sempre publicava matérias fotográficas sobre salões de automóveis internacionais.
O Dome Zero apareceu com 38,6 polegadas de altura (0,98 m), menos que o Ford GT40, e tem todas as características de supercarro em seu visual. Fabricantes de brinquedos ajudaram bastante nas finanças da Dome, pois vários foram licenciados para fazer miniaturas, kits de montar e modelos de radiocontrole.
Depois de mais um ano chegou o Dome P2, o Zero conceito agora evoluído visando a produção e venda fora do Japão. Apresentado na cor verde, foi alvo de matérias de várias revistas, sendo inclusive enviado a alguns países para isso e para ser apresentado em salões, como os de Los Angeles e Chicago.
Segundo a revista Road&Track, o comportamento do carro em pista era bastante bom, com perda de aderência no eixo dianteiro apenas em velocidades muito altas para as curvas, comportamento que era normal naquela época em carros com motor entre-eixos traseiro, que faziam menos peso se apoiar sobre as rodas dianteiras do que traseiras.
Havia a previsão de o Dome zero ser certificado no Japão primeiramente, e serem vendidas primeiras 30 unidades a US$ 60 mil cada uma, um bocado de dinheiro para 1979. Mas nem mesmo no Japão a homologação foi concluída, com um segundo P2 tendo sido fabricado para isso — o vermelho que aparece nas fotos.
Hayashi tentou homologar o carro para outros mercados, o mais importante deles, os EUA, exigiria muito investimento, e nada evoluiu. Os para-choques grandes do P2 vermelho mostram que esse era o objetivo, já que essa característica era muito comum na época, principalmente em carros estrangeiros à venda nos Estados Unidos. Como outros fabulosos desenhos em forma de cunha, como o Aston Martin Bulldog e o Alfa Romeo Carabo, o Dome teve o mesmo destino, ficar apenas em poucas unidades e/ou protótipos.
Mas Minoru Hayashi nunca desistiu de inscrever uma variante do carro em Le Mans, e assim foi feito. Dois exemplares da versão O RL80 correram em 1979 atendendo o regulamento do Grupo 6, com motor seis-cilindros em linha de 3 litros com preparação que atingia entre 421 e 457 cv.
Um dos carros chegou a andar em quinto por um tempo, mas problemas com abastecimento os relegaram as 52ª e 53ª posições, dos 55 que terminaram.
No ano seguinte apenas um carro correu, mas não terminou.
Tendo persistido ate 1986, Hayashi passou a partir dai a ser construtor para outras empresa e equipes, o que ainda faz, em campeonatos de Fórmula 3000, Fórmula Nippon, JTCC (Campeonato Japonês de Carros de Turismo), JGTC (Campeonato Japonês de Grã-Turismo) e Super GT. Veja a imagem da fachada da empresa com um caminhão da Honda estacionado.
Chassis completos são projetados e fabricados, sendo uma verdadeira fábrica de carros de corrida. Ate mesmo um túnel de vento que trabalha com modelos em 50% de escala existe na empresa, e sua estrutura pintada em amarelo aparece nas fotos abaixo, onde parte da coleção de Hayashi e da empresa ficam protegidos.
Essa coleção pode ser apreciada no site do museu Dome.
Fotos: Speedhunters; supercar.net; automobiles-japonaises.com; RoadandTrack.com
JJ