Depois de publicada a coluna “Lei seca, lei abusiva” no dia 8 p.p., veio a notícia de que o Supremo Tribunal Federal (STF) apreciaria no dia 18 seguinte as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4.017/2008 e 4103/2008 impetradas, respectivamente, pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e pela Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel), bem como o Recurso Extraordinário (RE) 1224374, impetrado pelo DETRAN-RS.
Acabou que no dia 19 último o STF manteve a lei na íntegra por unanimidade dos ministros, o que não foi surpresa, mas isso preocupa por mostrar que o entendimento do ministros sobre a questão de álcool e direção, à luz da “Lei Seca”, está equivocado.
Isso fica nítido também com a nota à imprensa divulgada anteontem (20) pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) com título “Abramet celebra a manutenção da Lei Seca’, onde Antônio Meira Júnior, presidente da entidade, declarou: “O Supremo salvou a lei que salva vidas, endossando que o direito fundamental à vida está acima de quaisquer outros direitos. Para a Abramet, que tem na busca pela preservação da vida no trânsito sua razão de existir, este resultado é um alento e sinal de que não nos faltará o apoio necessário para impedir retrocessos nessa luta”.
Fica claro pelas palavras do presidente da Abramet que qualquer quantidade de álcool no organismo é uma ameaça à vida, uma afirmação desprovida de qualquer fundamento. Haja vista o procedimento dos países avançados nessa questão, previsto, inclusive, no Código de Trânsito Brasileiro, lei federal nº 9.503 de 23 de setembro de 1997, ao estabelecer limite de alcoolemia para se poder dirigir.
Sempre dou o exemplo da Alemanha nessa questão, país cuja extensão territorial é 4,2% da do Brasil e tem uma frota de veículos automotores 18,6% menor que a brasileira. Em veículos por quilômetro quadrado, Alemanha 134 veículos e Brasil, 0,006 veículo. Pois lá, como na maioria dos países europeus, estando o motorista com até 5 gramas de álcool por litro de sangue ou 0,25 miligrama de álcool por litro ar expelido pelos pulmões, ele não é considerado como estar dirigindo sob influência de álcool. Pode, assim, pegar seu carro e dirigir numa autoestrada sem limite de velocidade. No Reino Unido a alcoolemia admitida para conduzir um automóvel é até maior, 8 g/L de sangue ou 0,4 mg/L de ar dos pulmões.
Por isso é que afirmo desde o começo (2008) que essa lei e abusiva, por ela ferir o direito do cidadão de tomar uma bebida produzida por uma indústria legalmente estabelecida que emprega pessoas e recolhe impostos. É uma lei que jamais deveria ser proposta, muito menos aprovada pelo Congresso Nacional, menos ainda sancionada pelo presidente Luiz Inácio L. da Silva.
Ao contrário do muitos leitores pensam, a julgar pelos comentários que nos chegam. sou visceralmente contra uma pessoa dirigir embriagada, daí minha indignação com o fato de que desde a vigência do atual código de trânsito, 22 de janeiro de 1998, à promulgação dessa lei criada na base da irracionalidade em 19 de junho de 2008 — 10 anos, 4 meses, 29 dias —, nunca se fiscalizou da maneira como se viu a partir da “Lei Seca”, numa clara, indiscutível e irresponsável omissão do poder público, concomitante com as essenciais punições severas associadas criadas, bem conhecidas de todos e com as quais concordo plenamente.
Defensores dessa lei abusiva, como a Abramet, insistem em citar Dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, que mostram redução superior a 14% do número de mortes por acidentes de trânsito associados ao consumo de álcool no Brasil: em 2008, quando a lei foi implantada, foram registrados 38.273 óbitos; em 2017, o registro havia caído para 32.615 casos. Essa redução teria sido incalculavelmente maior tivesse a fiscalização começado em janeiro de 2008.
Concordo inclusive com a submissão ao teste do etilômetro que muitos consideram inconstitucional alegando infantilmente que o teste é “produzir prova contra si mesmo”. A recusa tem a punição correta, multa de R$ 2.934,70 e suspensão automática do direito de dirigir por um ano.
Uma vez voltando a tolerância do código de trânsito estipulada na sua redação original (6 g/L ¨de sangue ou 0,3 mg/L no ar alveolar), poderia haver o que vi na Alemanha, bares e restaurantes disporem de etilômetro na saída, ou então cada um, no próprio interesse, ter seu etilômetro.
Os motoristas que insistem em dirigir bêbados seriam cada vez mais afastados do volante e os cidadãos teriam assegurado seu direito de ingerir bebidas alcoólicas moderadamente sem serem injustamente considerados foras da lei, dirigindo de plena posse de condições físicas,, como ocorre nos países de vanguarda.
E na esteira da volta à liberdade responsável e fiscalizada, acabar com a absurda proibição de vender bebidas alcoólicas nas estradas, um abuso e desrespeito ao cidadão que não está dirigindo.
BS