Mais uma vez, o assunto de hoje é fruto de uma solicitação de um leitor. A pauta me pareceu deveras interessante, por isso fui pesquisar, perguntar, ou seja, trabalhinho básico de jornalista que eu tanto aprecio.
O leitor Jorge disse que gostaria de uma coluna sobre as mulheres mecânicas, aquelas que metem a mão na graxa nas oficinas mundo afora.
Bem, já aviso que haverá um desdobramento nacional sobre este assunto, pois embora não tenha encontrado grande coisa em outras categorias do automobilismo que não esta sobre a qual traçarei hoje algumas linhas, achei uma pessoa interessantíssima para conversar a este respeito e aguardo um retorno para meu pedido de entrevista. Vamos, então, a alguns (ótimos) exemplos de mulheres mecânicas fora do Brasil.
Obviamente pode haver opiniões diferentes da minha, mas um caso que gostei muito e considero um excelente exemplo é o da equipe de mecânicas, não todas, mas em sua maioria mulheres, que a equipe Paretta Autosports usou para a Indy 500 de 2021 (foto de abertura). Digo maioria pois de um total de sete pessoas da equipe da piloto suíça Simona de Silvestro, quatro eram mulheres: Amanda Frayer, Madison Conrad, Mallory Brown e Caitlyn Brown (formada no Instituto Técnico Nascar de Mooresville, na Carolina do Norte). Outro detalhe que chamou a atenção foi que a Paretta é de propriedade e dirigida por outra mulher, Beth Paretta. Na Fórmula 1 não achei nenhum exemplo e em outras categorias nada tão expressivo quanto esta turma de mulheres da verdadeira “turma da graxa”.
A equipe de mecânicos foi chefiada por um homem, o superexperiente Vance Welker, que trabalhou na Penske, mas Amanda foi a responsável por carregar a pistola pneumática e trocar o pneu traseiro direito. Madison trocou o pneu traseiro esquerdo, Caitlyn o dianteiro esquerdo e Mallory, junto com Clint Cummings, fez o reabastecimento. Cris Fry foi responsável pela pistola de ar nos pneus traseiros do carro — ou seja, quatro mulheres e três homens. São verdadeiras mecânicas no sentido da palavra. Além do pessoal do muro dos boxes os dois observadores postados em pontos elevados no circuito, responsáveis por transmitir via rádio informações ao piloto sobre o que acontece na pista, como um acidente,, de De Silvestro, erram mulheres, assim como dois de seus engenheiros. E todas as funções da linha de frente na Paretta Autosport, como operações comerciais, relações públicas e marketing, foram ocupadas por uma mulher.
Beth havia recrutado nove mulheres para a equipe de mecânicos. As seis mulheres que foram aprovadas passaram os três meses seguintes treinando duas horas por dia, quatro dias por semana, começando às 4h30 para acomodar seus trabalhos diários na nova rotina. “Eu chegava às 4h28 e elas já estavam na garagem”, disse Shaun Rinaman, responsável pelo treinamento da equipe Penske, que também treinou a equipe Paretta. “Os ‘caras’ que treino são ótimos, mas estas mulheres tinham um nível diferente de comprometimento”, elogiou Rinaman.
Em menos de três meses, a equipe feminina da Paretta reduziu o próprio tempo de parada em quase 15 segundos. Os tempos finais de trocas de pneus ficaram pouco abaixo de 4 segundos. Com apenas três meses para treinar para a Indy 500, as mulheres da Paretta estavam determinadas a ser realmente competitivas e levaram isso com incrível determinação. “Nas primeiras semanas tive que segurá-las” disse Rinaman. “Amanda (Frayer) estava sangrando nas mãos e pedindo mais repetições. Eu disse a ela: ‘Relaxe. Vai acontecer. Continue assim e você não poderá treinar amanhã.’
Assista ao vídeo de uma das paradas executada pela equipe feminina da Paretta.
Uma curiosidade: antes de chegar ao Autódromo de Indianápolis ,uma semana antes da corrida do ano passado, nenhuma das mulheres da equipe de De Silvestro havia estado em uma pista da IndyCar. E algumas sequer haviam estado numa pista de corrida antes. Nos últimos quatro anos, Andra Buzatu havia trabalhado como mecânica de motores Diesel na Guarda Costeira, claro que em motores maiores do que os carros que ela atende na Paretta. “Tudo é tão delicado e preciso que tenho que me lembrar de ser gentil”, diz Andra. “Na IndyCar, não há essa de improvisar, remendar com fita adesiva”. Outra mulher que veio de outra área é a engenheira de desempenho Lauren Sullivan, que saiu da Nascar para a IndyCar vinda da indústria aeroespacial: “É como trabalhar em aviões de cabeça para baixo”.
Durante as paradas, Chelsea Pechenino, formada em Engenharia Mecânica no Instituto de Tecnologia da Georgia, esteve encarregada de controlar o fluxo de combustível no carro. Pela foto, diria que força não parece ser um impeditivo para ela desempenhar sua função, não?
“É importante para mim que a mensagem maior seja que não se trata de mulheres em substituição a homens”, disse Beth, que vem tentando criar uma equipe de corrida mista, com homens e mulheres, há mais de seis anos. “Se trata de expandir a grade” e completa, com naturalidade: “Minha esperança é que, em cinco anos, sermos uma equipe majoritariamente feminina seja a coisa menos interessante sobre nós”.
Beth contou com apoio externo também. Roger Penske, proprietário da equipe de maior sucesso na história da Indy 500 e quem comprou a série IndyCar e o Autódromo de Indianapolis em 2019, anunciou em 2020 a iniciativa Race for Equality and Change (Corrida pela Igualdade e Mudança) da IndyCar e forneceu apoio técnico à Paretta Autosports. “Sempre que você vê mudanças na diversidade é porque as pessoas que eram a maioria abriram a porta”, reconhece Beth.
Em termos de resultado na Indy 500 de 2021, De Silvestro teve uma desempenho muito bom, mas quando faltavam apenas 31 voltas para o final da prova bateu com o carro e terminou em um modesto 31º lugar.
A equipe Paretta chamou a atenção pelo volume de mulheres, mas além delas, a Indy 500 teve outras duas mecânicas no grid do ano passado: Anna Chatens e Jessica Mace, das equipes Dreyer & Reinbold e Penske, ambas já conhecidas dos frequentadores das garagens da Indy.
Beth Paretta havia anunciado no início do ano passado que seu time de mulheres participaria de outras provas de automobilismo, a Road America, Mid-Ohio e Nashville em 2021. No entanto, isto acabou não acontecendo e a maioria da equipe para estas outras provas teve que ser “emprestada” por Ed Carpenter, com quem Beth tem um acordo de cooperação. Carpenter tem longa experiência na categoria, pois corre na IndyCar desde 2003, onde tem três vitórias, nove pódios e quatro pole position; atualmente, corre pela própria equipe. O lado positivo do cancelamento desta iniciativa é que alguns membros da equipe Paretta haviam encontrado novas posições na IndyCar e até mesmo em outras categorias. É o caso, por exemplo, de Caitlyn Brown, que foi para a equipe Penske como mecânica júnior para trabalhar no carro de Scott McLaughlin. No time Penske, Caitlyn faz dupla com Laura Sullivan, que é coordenadora. Madison agora trabalha na Nascar.
“Acho que o que Beth montou no ano passado, fazendo a Indy 500 com essas mulheres e vendo três delas decolarem, fazendo alguns trabalhos muito importantes em outras equipes, bem, isso realmente dá muito crédito a ela”, disse Simona. “Acho que se ela não tivesse montado esse programa, essas mulheres não estariam nessas posições agora. É algo de que Beth pode realmente se orgulhar”.
Mas é claro que nem tudo foi fácil. Contratar uma equipe cheia de mulheres apresentou muitos desafios, alguns totalmente inesperados e até bisonhos. Poucos fornecedores produziam calças ou sapatos para mecânicos de corrida em tamanhos femininos. “Como mecânica que troca pneus, você literalmente corre ao redor do carro e se joga, deslizando, até seu lugar”, contou Mallorie Muller. “Toda a parte superior dos meus calçados foi detonada pelo concreto e os cadarços não duravam sequer um treino”. Beth Paretta conseguiu comprar sapatilhas para sua equipe feminina, mas eles chegaram ao Autódromo de Indianápolis somente dois dias antes da classificação. “Isso é uma coisa pequena, mas quando você multiplica isso por 10 decisões por dia, torna-se uma grande coisa”, contou Beth.
Simona tem um ponto de vista muito tranquilo sobre ser mulher num ambiente de corridas de carros: “Durante toda a minha carreira sempre fui apenas um piloto. Com o passar dos anos, percebi que definitivamente posso ter um impacto também porque segui meu caminho” disse numa entrevista recente. “Eu não me importava de ser mulher. Só queria ser um piloto de corrida, ganhar corridas – e foi assim que eu consegui. Também acho que nos negócios e em tudo, se alguém é bom o suficiente, deve ter uma oportunidade.”
Se a medida é boa, não podemos deixar de considerar os motivos que a fomentam, ainda que parcialmente, este tipo de iniciativa: dinheiro, é claro. “Devia haver mais mulheres no esporte com certeza, certamente em um lugar como este”, disse o piloto da IndyCar Graham Rahal, que é casado com a ex-piloto de corridas de arrancada Courtney Force. “Precisamos gerar mais oportunidades para ajudar e encontrar patrocinadores.”
“Sei que as mulheres têm grandes planos, grandes objetivos para garantir que estejam outras vezes em futuras Indy 500”, disse Carpenter. “Acho que tem de acontecer da maneira certa. Não acho que apenas colocar mulheres como pilotos para dizer que temos mulheres pilotos seja necessariamente o ponto”.
E mais uma curiosidade: 1999, 2020 e 2022 foram os únicos anos em que não houve mulheres no grid de largada da Indy 500, justamente uma categoria que tem presença feminina atrás dos volantes todos os anos desde 1977, quando Janet Guthrie se classificou como a primeira mulher a disputar esta prova. Em 2010 e 2011 foi registrado o recorde de participação feminina na Indy 500, quando quatro mulheres largaram. E, claro, a única mulher até este momento a vencer uma prova da IndyCar é Danica Patrick, em 2008. O maior número de pilotos mulheres a competir em uma única corrida da IndyCar é cinco, no circuito de Chicago, em 2010.
Mudando de assunto: para uma fã de Fórmula 1 como eu este ano está sendo um teste para cardíacos. Acho que estou dispensada do meu checkup anual se sobreviver a mais um par de corridas como a da Áustria. Sem poder assistir ao vivo, pois estava no interior de São Paulo viajando com umas amigas, precisei fazer um esforço enorme para não receber nenhuma informação sobre a corrida até chegar em casa e assistir o replay, torturantes 7 horas depois do evento. Foi um sufoco. Havia assistido apenas a largada e umas 15 voltas quando precisei pegar a estrada para voltar para casa. Segundo teste para meu coraçãozinho. E, claro, avisei ao maridão para não comentar nada quando eu chegasse. Nem uma palavra até eu assistir ao replay. Minha única bronca é quanto a essa história de “limite de pista”. Sou ferrenha defensora de respeitar as leis, mas de mudá-las quando não fazem sentido. Sei que é uma pista usada pela MotoGP e por isso não sei se minha ideia é viável, mas preferiria que os pilotos pudessem usar todo o asfalto – passou disso, brita, que já “pune” quem sai do traçado, ou areia movediça, geleca ou qualquer outra coisa. E assim acabaria essa história de sei lá quantos avisos, bandeiras, punição com tempo e, se bobear, em alguma prova vão mandar o piloto ir dormir sem comer sobremesa.
NG