O assunto na berlinda é carro elétrico. Que pretensamente resolveria um dos mais críticos problemas do mundo, o do controle ambiental. Mas nem sempre, até porque em muitos países as baterias são recarregadas por energia “suja”, gerada por usinas de carvão ou diesel. Uma alternativa tipicamente tupiniquim é o álcool, ou em substituição ao derivado do petróleo nos atuais motores a combustão ou como fonte de hidrogênio para as pilhas a combustível (fuel cells).
Seja como for, são muitas as alternativas energéticas para reduzir a poluição — leia-se CO2, o dióxido de carbono, gás inerte e inofensivo mas tido como culpado pelo aquecimento do planeta — provocada pelos automóveis. Mas, e os veículos pesados?
Sempre pensei na dificuldade em “limpar” ônibus e caminhões, que representam um considerável percentual das emissões nocivas ao meio ambiente. Entretanto, o álcool não se presta definitivamente para substituir o diesel. Então, a solução se restringiria aos elétricos?
Não é o que pensa a Scania), de acordo com Christopher Podgorski (foto de abertura), seu presidente e executivo-chefe para a América Latina. Numa entrevista para Fred Carvalho, da revista Transporte Moderno, ele explica como a centenária fábrica sueca de caminhões (desde março de 2008 controlada pelo Grupo Volkswagen) está investindo para estruturar um futuro limpo e adequado às exigências de proteção ao meio ambiente.
Confissão de culpa
Podgorski conta sobre um evento internacional da Scania em Paris, em 2015, no qual o presidente mundial da empresa, Henrik Henriksson, impressionou os convidados que aguardavam uma apresentação da nova geração de caminhões, mas o que ouviram foi uma verdadeira confissão de culpa. Ele lembrou que sua empresa produz veículos poluentes e está integrada ao setor de transportes que representa 14% das emissões mundiais de CO2. E, se faz parte do problema, deveria fazer parte também da solução.
A partir daí, uma mudança histórica em todos os projetos e ações da Scania, que passaram a agregar a “descarbonização” (termo que durante um século significou remover os depósitos carboníferos dos motores…), uma verdadeira guinada na trajetória da empresa.
Na feira de veículos comerciais de Hannover, Alemanha em 2019, o estande da Scania exibia mais de 15 veículos, nenhum movido a diesel, mas somente com alternativas energéticas: híbridos, elétricos, pilha a combustível, biometano, diesel renovável, etc. Nada de protótipo: todos reais, prontos para serem comercializados.
Podgorski acrescenta que sua “nova geração de caminhões foca muito mais para a cabina, plataforma eletroeletrônica para ter as soluções de conectividade, já ser preparada para a eletrificação”. E que, dentro de dez anos, “vamos reduzir 50% da pegada de carbono na nossa fábrica no Brasil. E, até 2025, em 20% as emissões da frota circulante Scania”.
Os três pilares
A solução da companhia é baseada em três pilares: o primeiro é pura engenharia e aumentar a eficiência energética do trem motriz em 20% numa primeira etapa, mais 8% na segunda.
O segundo pilar é o da conectividade que permite uma atuação direta sobre a frota através da mecatrônica no veículo, permitindo melhorar a eficiência operacional e a qualidade de manutenção.
De acordo com Podgorski ,“Quando acontece uma pane no automóvel, você não abre mais o capô. Liga direto para o guincho, plataforma, seguradora. Não se atreve a mexer, pois não sabe o que fazer. Com o caminhão ocorre o mesmo. Se a manutenção é adequada, ele nunca vai te deixar na mão. Com o nível de qualidade e diagnósticos, são inúmeras as possibilidades de intervenção antes de uma falha acontecer”. Mas, se acontece, uma central percebe o problema, entra em contato com o motorista, indica qual concessionária ele deve procurar e ela já o estará aguardando com as peças necessárias para a intervenção.
E o terceiro se apoia nas fontes alternativas para tracionar o caminhão, como a pilha a combusível, ou bateria. Ou o próprio o motor de combustão interna sem usar derivados do petróleo, como o “Diesel Verde” (ou HVO, óleo vegetal hidrotratado), biodiesel ou biometano.
Não tem “bala de prata”
Podgorski vai além: “A Scania tomou a decisão arrojada e foi a única a fazê-lo. Muita gente até questionou, pois desenvolvemos a geração mais avançada de motores a combustão interna da história”
“O que vai acontecer nas próximas décadas, mesmo com algumas dificuldades, vai nos conduzir para o grande salto”…”e lá fica claro, muito claro, que não existe uma bala de prata, não existe só eletrificação. O futuro não será só elétrico, ele será eclético”, define Podgorski.
O que ele diz para o caminhão, vale para qualquer outro veículo. E o ecletismo será principalmente geolocalizado: cada país ou região definirá a solução mais adequada ao problema, desenvolvendo o projeto mais indicado de acordo com seus potenciais energéticos.
No Brasil, só existe uma certeza: com os inúmeros problemas para implantar o elétrico, os derivados do petróleo ainda prevalecerão por décadas.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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