Nos três dias deste megaencontro certamente não foi possível ver tudo que ele ofereceu, isto é simplesmente impossível. Milhões de fotos e vídeos foram feitos pelos visitantes que certamente levarão um bom tempo para digerir todo este material.
Na matéria “HO22-Um megaevento dedicado ao Fusca e seus parentes próximos”, da semana passada, foi dada uma visão geral do evento e agora vamos falar de alguns aspectos curiosos que eu escolhi para exemplificar a enorme diversidade de coisas que foi oferecida ao público, tanto nas visitações ao Museu Grundmann quanto no evento em si.
Carros únicos, feitos à mão na antiga RDA – Alemanha Oriental — com a mecânica do Kübelwagen
Depois do término da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha foi dividida em quatro partes que foram ocupadas pelos aliados que venceram a guerra. A parte que coube à então União Soviética passou a constituir um país independente, uma “segunda Alemanha” a República Democrática Alemã, RDA.
Abaixo um mapa das forças de ocupação da Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial. O setor da União Soviética, em marrom no mapa, gerou a RDA, enquanto os demais setores, americano (bege), francês (verde) e inglês (azul), formaram a Alemanha Ocidental, a República Federal Alemã, RFA. Detalhe para Berlim, que ficou na Alemanha Oriental e foi dividida em Oriental e Ocidental, esta também dividida entre Estados Unidos, França e Inglaterra.
A sigla RDA em alemão era DDR — Deutsche Demokratische Republick, que apesar de se autodenominar ‘democrática’ foi uma ditadura comunista satélite da União Soviética, fazendo parte da “Cortina de Ferro” — nome cunhado por Winston Churchill em 5 de março de 1946 quando já não era mais primeiro ministro.
A necessidade de mobilidade automobilística nunca foi totalmente satisfeita na Alemanha Oriental que era um estado operário e camponês. Durante décadas, o veículo padrão na RDA foi o Trabant, mas alguns outros modelos também se perderam atrás da “Cortina de Ferro”.
Como no Ocidente, o carro era o “filho favorito” do alemão no Oriente. A compra de um desses exigia muito mais paciência na RDA. Qualquer um que quisesse um Trabant tinha que esperar 12 anos ou mais. Para um Lada 2107, importado da Rússia, houve até um período de espera de 17 anos. As encomendas podiam ser feitas a partir dos 18 anos, mesmo que o capital necessário ainda não tivesse sido acumulado. Em linha com a escassez de carros novos, o negócio de carros usados floresceu. Não importava a idade de um Trabi (apelido do Trabant), Lada, Wartburg etc., o preço praticado geralmente era maior do que o de um carro novo. Assim, um carro era o investimento final para os cidadãos da RDA.
Foi neste cenário de escassez de automóveis que surgiram os exemplares abaixo que foram garimpados pelo Christian Grundmann. Estes carros, apesar de alguns serem toscos, são testemunhas de um tempo difícil e agora estão respeitosamente preservados. Eles foram feitos por excelentes artesãos e até marceneiros! Lembro que quando a Segunda Guerra Mundial acabou, muitos Kübelwagens ficaram abandonados pelo que veio a ser a RDA, o que propiciou o uso de sua mecânica para muitas aplicações.
A Kombi de madeira
A foto de abertura mostra esta Kombi construída toda em madeira sobre um chassi de Kübelwagen. Na foto abaixo, Traugott Grundmann, de camiseta laranja, apresenta este exemplar para um grupo de visitantes do museu durante a HO22:
Abaixo, alguns detalhes deste trabalho de marcenaria (Fotos: Rodrigo Kurmen Figueroa):
O carro de corrida aerodinâmico
Neste exemplar o chassi de um Kübelwagen foi modificado para receber uma carroceria aerodinâmica, conformada à mão, de um carro de corrida. O motor foi colocado antes do eixo traseiro, na versão de um motor central. O motor foi preparado para competição e este carro participou de muitas corridas na RDA:
Um elegante cupê
Este carro foi feito por um artesão muito bom, já que o resultado até parece ser um carro de fábrica. Novamente a mecânica é de Kübelwagen. Talvez o construtor tenha se baseado no Citroën Ami 6 para a parte de trás e num Škoda para a parte da frente com um bom resultado no conjunto:
Mais dois detalhes deste exemplar:
O Porsche feito em casa
Esta réplica, um tanto tosca, de Porsche também foi feita sobre um chassi de Kübelwagen. Ele foi oferecido no e-Bay como sendo um protótipo Porsche e o pessoal acreditou, os lances chegaram a 400.000 euros. O vendedor tinha sido levado a engano por uma documentação imprecisa que falava algo de Porsche. Mas quando foram ver o carro ficou claro o que ele realmente era: um sonho de se ter um Porsche com a mecânica de um jipe da Segunda Guerra Mundial. Ai o vendedor, quando foi abordado pelo Christian Grundmann, decidiu doar o carro para o museu, para que ele ficasse preservado como um testemunho daquela época da RDA, e assim foi feito.
Chassi do VW30 e de um Kommandeurwagen 4×4
Acho que muitos devem ter a curiosidade de saber como era o chassi do VW30 antes dele ser apresentado com a carroceria do carro, como se vê nesta foto:
Antes de fazer a carroceria do VW30, seu chassi ficava exposto no Museu Grundmann com a promessa de que um dia o carro seria completado. Abaixo a foto do chassi naquele tempo:
Muito se fala dos Kommandeurwagens, carros do comandante, com tração integral, mas na verdade foram fabricadas muito poucas unidades durante a guerra. Para se ter uma ideia, o exemplar que está no AutoMuseum Volkswagen foi montado depois do conflito.
Mas os Grundmann possuem o último chassi de Kommandeurwagen 4×4! E ele está no museu e, novamente, o plano é construir uma carroceria para montar um Kommandeurwagen o mais fiel possível a seu projeto original.
Helicóptero com motor VW Boxer
Acho que este helicóptero chama muita atenção. Na foto que apareceu na matéria do HO22 ele está sem as suas pás. Procurei fotos dele completo e acabei encontrando um vídeo do evento VW Classics de junho de 2011 no qual ele apareceu na caçamba de uma Kombi Pick-Up. O interessante é que o câmbio também foi usado no esquema de acionamento deste helicóptero. A sua cabine é dupla, com duplo-comando.
Ainda não encontrei um vídeo dele voando, a busca continua.
Karmann Ghia Tipo 34 conversível
Na matéria do HO22 há um trecho que diz: “Chega a vez dos Karmann Ghias e o conversível Tipo 34 que pertenceu à família Karmann se destaca, está atualmente em restauração. É um dos oito protótipos que foram fabricados. A produção em série deste cabriolé nunca ocorreu.”
Dois dos oito protótipos de Tipo 34 conversível participaram do HO22, como este da foto:
Já o exemplar dos Grundmann está em reforma e está esperando os próximos procedimentos, guardado no museu:
Em cada canto do evento, uma curiosidade
Na foto abaixo, à esquerda está um Kübelwagen modernizado com modificações na parte frontal, abrindo uma tampa grande que não há nas versões originais. E à direita na foto um Country Buggy:
Ao contrário do evento de Bad Camberg, Hessisch Oldendorf não é restritivo e é aberto a todos veículos com motorização VW arrefecida a ar. Como é o caso do Fridolin como se pode ver na foto abaixo:
Um Fusca que chamou a atenção por seu colorido
Muitos ainda têm em memória o Porsche 356 cabriolé da cantora pop Janis Joplin e que ela tinha mandado decorar com uma pintura psicodélica, coisa que estava na moda naquele tempo:
Abaixo o Fusca com uma bela pintura em estilo grafitti que remete à pintura do Porsche de Janis Joplin (Fotos: Achim):
Obviamente as curiosidades deste evento não acabam por aqui, eu poderia apontar muitas outras coisas, como os Hebmüllers que compareceram ao evento, mas a ideia desta matéria foi dar alguns exemplos destas curiosidades e quem sabe despertar o seu interesse por uma eventual ida a este evento em sua próxima edição.
AG
Para esta matéria visitamos os sites: Zwischengas, Carpixx Oldtimer Blogue, Motor Klassic, Wikipedia. E muito ajudou o fato de eu já ter escrito duas matérias sobre o evento de Hessisch Oldendorf. Um agradecimento especial aos amigos Rodrigo Kurmen Figueroa e Achim pelas fotos que enviaram do HO22, material que foi imprescindível para este trabalho.
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