Cá estou eu ainda às voltas com assuntos femininos autoentusiásticos e autoentusiasmada com a quantidade de pautas que surgem a cada momento, seja a pedido de leitores, seja porque nas minhas pesquisas eles pululam e, claro, não consigo não ir atrás de informações interessantes. É a tal “deformação profissional”.
Hoje volto a um tema que já abordei aqui: mulheres que inventaram ou descobriram itens e produtos que hoje fazem parte de qualquer veículo, mas que raríssimamente sabemos quem foi que teve a ideia e como ela surgiu.
Uma das coisas que me chamam a atenção é que boa parte é da primeira metade dos anos 1900. Deve ter sido um período muito fecundo em termos de desenvolvimento de veículos (bem, isso é meio óbvio, pois eles ainda eram relativamente recentes e muito havia para se criar), mas também vejo uma força incrível do feminismo. Há diversas teorias sobre isso, mas uma das quais sou mais adepta é que, especialmente no período pós-guerras mundiais, as mulheres tiveram de assumir um papel de líderes em muitos lares. Homens e filhos iam para a guerra durante meses e anos e cabia a elas tomarem todas as decisões — desde o que seria servido no almoço (e em muitos países onde conseguir os ingredientes era um desafio gigantesco) até como educar filhos e resolver problemas que, em outras circunstâncias, seriam equacionados pelos cônjuges. Ou, como se diz agora, elas se sentiram empoderadas.
Por isso, sem mais delongas, vamos à esta segunda parte das mulheres que merecem palmas:
Margaret Wilcox (foto de abertura e desenho/foto abaixo)
Moradores de lugares como Curitiba ou Canadá devem muito a esta pioneira. Margaret foi original em muitas coisas. Nascida em 1838, ela foi uma das raríssimas mulheres engenheiras da época. Aos 55 anos recebeu a patente do aquecedor interno do carro que havia criado. No projeto de Margaret (basicamente, o que se usa até hoje quando não há ar-condicionado no veículo) o calor do motor era “puxado” para a cabine. Simples, prático e extremamente eficiente.
June McCarroll
Mais uma mulher para quem eu bato palmas, pois sou apaixonada por segurança no trânsito e adoro marcação de vias, especialmente estradas. Diz a história que June dirigia seu Ford T numa rodovia da Califórnia, lá por 1917, quando deu de cara com um caminhão no meio do asfalto. Rapidamente, pensou quais eram as alternativas: bater de frente contra um veículo de 10 toneladas ou tentar desviar e optou por joga o carro para a direita, sobre a faixa de areia que faria as vezes de acostamento. Foi então que ela teve a ideia de pintar uma linha branca no centro das vias do país como medida de segurança para que os veículos tivessem uma referência de por onde deveriam circular. A forma que June encontrou para implementar sua ideia foi original, simples e muito eficiente: lançou uma campanha de redação e envio de cartas para imprensa e autoridades que ganhou tanta atenção que as linhas pintadas se tornaram lei da Califórnia em 1924. Em pouco tempo, o resto do país seguiu as mesmas diretrizes, prova de que muitas iniciativas dependem mais da criatividade e do empenho do que de recursos.
Katharine Blodgett
Katharine nasceu em 1898 em Schenectady,Nova York. Era engenheira e cientista e, sim, mais uma que estava à frente do seu tempo por ter feito um curso superior e especialmente uma carreira de Exatas pouco comum na época. Aliás, não se trata apenas de faculdade (estudou no Bryn Mawr College), mas ela também fez mestrado na Universidade de Chicago e, como naquelas propagandas da televisão, ainda tem mais: aos 21 anos foi a primeira mulher a obter um doutorado em Física pela Universidade de Cambridge.
Bom, ela está nesta minha lista porque criou o vidro de para-brisa antirreflexo. O processo é de 1938, quando ela desenvolveu um sabonete líquido que, com 44 camadas espalhadas sobre o vidro tornou mais segura a condução dos veículos.
O desenvolvimento de Katharine abriu o caminho para outros engenheiros em anos subsequentes criassem um revestimento mais durável, que não sairia facilmente — sim, o produto de Katharine ainda não tinha tanta durabilidade.
Hedy Lamarr
Na minha opinião, Hedy Lamarr foi uma das atrizes mais lindas de todos os tempos. Mas não era apenas bonita, era muito, muito inteligente também. Além de trabalhar em filmes como “Sansão e Dalila” e “Êxtase”, ela inventou a tecnologia que precedeu o Bluetooth dos veículos e dos sistemas wi-fi.
Na década de 1940, Hedy desenvolveu, em conjunto com George Antheil, um dispositivo para bloquear, nos navios inimigos, os sistemas que interrompiam os sinais de orientação de torpedos. O dispositivo “capturava” os sinais dos torpedos e os fazia pular de frequência em frequência, tornando quase impossível para um inimigo localizar a mensagem correta. A patente foi feita em 1940 usando seu nome de registro, Hedwig Eva Maria Kiesler.
É essa tecnologia de ‘salto de frequência’ que encontramos nos recursos Bluetooth atuais e que permitem falarmos ao telefone com as mãos livres ou transmitamos nossas músicas favoritas.
Gladys Mae West
E por falar em sistemas de orientação, sem Gladys Mae West estaríamos, literalmente, perdidos. Gladys nasceu em 1930, no condado de Dinwiddie, na Virginia, EUA, uma região basicamente agrícola naquela época e que vivia da plantação de algodão e tabaco. Mas a agricultura não lhe interessava e quando soube que os melhores alunos do último ano do ensino médio ganhavam uma bolsa para a Universidade de Virgínia, se esforçou ainda mais e foi a primeira da classe. Estudou Matemática e deu aulas durante um par de anos antes de fazer seu mestrado. Aos 26 anos foi trabalhar no Base Naval de Dahlgren, no laboratório de armas da Marinha dos Estados Unidos, onde foi a segunda mulher negra empregada naquele local. Ela foi também programadora de supercomputadores e diretora do projeto de processamento de dados usados em análises de satélites.
Lá ela foi a gerente de projeto do Seasat, o primeiro satélite em órbita terrestre a medir a profundidade dos oceanos. Esse trabalho, iniciado em 1978, permitiu a Gladys e sua equipe construir o satélite Geosat criando simulações de computador das superfícies da Terra.
Seus cálculos e trabalho nesses dois projetos ajudaram a criar os sistemas de GPS que temos em nossos carros.
Ela ficou na base por 42 anos e se aposentou em 1998. Alguns meses depois, sofreu um AVC, mas após se recuperarfez um doutorado a distância. Sensacional, não? Ela ainda está viva e nos Estados Unidos.
Stephanie Kwolek
Em 1964, a química Stephanie Kwolek desenvolveu a fibra sintética Kevlar, um polímero cinco vezes mais resistente que o aço, mas mais leve do que a fibra de vidro, muito menos conhecido pelo seu nome científico, p-fenilenodiamina com cloreto de tereftaloila. Até hoje é usado em artigos à prova de balas. E por que Stephanie está num texto sobre veículos? Porque o Kevlar é usado nos pneus e nas pastilhas de freio fazendo com que estes itens durem muito mais e sejam mais seguros. Ah, Stephanie nasceu em 1923 em Pittsburgh, de família polonesa e quando se formou em Ciências, com especialização em Química em 1946, foi admitida imediatamente na DuPont da cidade de Buffalo — ela foi aceita no que seria originariamente uma vaga para um homem, mas como a maioria estava servindo na guerra, Stephanie foi contratada. Mas o objetivo dela era apenas ganhar dinheiro para conseguir estudar Medicina. Ironicamente, desistiu ao se apaixonar pelo trabalho que fazia na DuPont, de onde só saiu em 1986 quando se aposentou. O kevlar é seu desenvolvimento mais famoso, embora a patente tenha sido registrada pela DuPont, que acaba sendo mais lembrada na hora de saber quem criou o polímero. Mas ela registrou outras patentes ao longo da vida e recebeu prêmios por seu processo para produzir nylon em temperatura ambiente. Ela está no Hall da Fama de Inventores, dos Estados Unidos.
Mudando de assunto: eu, neste período de entressafra de corridas de Fórmula 1:
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