O alto preço do petróleo e as emissões nocivas dos automóveis já eram questões que causavam rebuliço há quase cinquenta anos e suscitavam discussões sobre a mobilidade do futuro. Quando a situação do mercado de petróleo se acalmou — passada a crise do petróleo da década de setenta, a indústria automobilística e seus clientes voltaram a acelerar, embora com motores menores na Europa do que nos EUA. Quase ninguém pensou em propulsões alternativas, além de um pequeno grupo de engenheiros em Wolfsburg. Novas soluções foram concebidas lá, que são mais atuais do que nunca.
O T2 elétrico da foto de abertura mostra letreiros cuja tradução é a seguinte:
Elektro Transporter — Kombi elétrico
Wir fahren mit Strom — Nós dirigimos com eletricidade
Umweltfreundlich — Amigo do meio ambiente
Eletricidade no Kombi pela primeira vez
O Dr. Adolf Kalberlah foi um dos primeiros funcionários da Volkswagen a lidar com o tema da eletromobilidade. Doutor em eletroquímica, iniciou os trabalhos com uma equipe de dez pessoas dando vida ao departamento de “Pesquisa do Futuro” da Volkswagen. Pouco antes, em Wolfsburg, foi feita, pela primeira vez, a pergunta sobre como a mobilidade mudaria se os suprimentos de petróleo bruto acabassem. Substituir combustíveis fósseis por eletricidade era particularmente adequado, porque, afinal, as fontes de eletricidade provenientes de energia nuclear e carvão eram consideradas confiáveis.
Kalberlah viu sua hora chegar. Seu primeiro Stromer (veículo elétrico, onde Strom é corrente, no caso elétrica), baseado num Kombi Tipo 2 de segunda série, apresentado em 1967, transitou pela fábrica a partir de 1972. O momento de sua aparição foi perfeito, porque apenas alguns meses depois os xeques árabes fecharam a torneira do petróleo, o que colocou Kalberlah e seu veículo elétrico no centro das atenções. Graças às suas aparições na televisão, o interesse em dirigir com “Zero litro por 100 quilômetros”, como o slogan publicitário anunciado na época dizia, aumentou rapidamente. Mas… e se um motor boxer bem testado não estivesse escondido sob a estrutura quadrada e de olhos arregalados daquele Tipo 2 segunda-série? Sim a versão elétrica ainda não podia se mover de modo autônomo, mas “o show tinha que continuar”.
Conversão bem fácil
Em princípio, a solução desenvolvida por Kalberlah e seus colegas era bastante simples. Primeiro, o T2 foi despojado de seu motor boxer e seus acessórios. Um motor de corrente contínua fornecido pela Bosch (depois substituído por um da Siemens) foi instalado na traseira. Ele continuou a acionar as rodas traseiras através da segunda marcha do câmbio definitivamente engatada. Consequentemente, a alavanca de câmbio e o pedal de embreagem também desapareceram da cabine. A partir de então, o sentido de deslocamento era determinado por um pequeno botão de puxar no posto de condução, usado para simplesmente inverter o sentido de rotação do motor elétrico.
A energia necessária para o acionamento era fornecida por uma volumosa bateria de tubos de chumbo da Varta, tradicional fabricante de baterias alemão. Esta encontrou espaço sob uma área de carga elevada do Stromer, que inicialmente foi adaptada apenas na versão picape.
Para garantir um alto nível de segurança operacional e usabilidade, a Volkswagen colocou a mão na massa. Como na versão Kombi que seguiu mais tarde, a picape T2 tinha dois acessos laterais (com aberturas para a ventilação e arrefecimento das baterias). O berço deslizante da bateria de 850 kg tinha robustos encaixes para garfos de empilhadeiras, de modo a permitir o seu fácil manuseio.
Assim a bateria poderia simplesmente ser trocada caso se quisesse que o Stromer voltasse a estar apto a voltar a rodar rapidamente. Até 1990 A bateria retirada era recarregada por um sistema desenvolvido pela Volkswagen e seus parceiros RWE – Rheinisch-Westfälisches Elektrizitätswerk AG (Empresa de Eletricidade da Renânia-Westfália S.A.) e GES – Gesellschaft für elektrischen Straßenverkehr (Empresa de Tráfego Rodoviário Elétrico).
Se, por outro lado, houvesse a possibilidade de carregamento através de uma rede elétrica, poderia ser utilizado o carregador integrado na parte traseira do veículo por tomada de 220 volts. A carga demorava cerca de dez a doze horas para uma bateria totalmente descarregada.
Abaixo o detalhe da bateria instalada num Kombi Furgão; ela roubava volume da carga do salão do veículo, que tinha portas dos dois lados com venezianas de ventilação e arrefecimento das baterias na sua parte inferior. Também neste caso o berço deslizante da bateria podia ser rapidamente intercambiado por um outro com a bateria já carregada.
Abaixo o detalhe da unidade de comando do sistema de potência do Stromer, no caso fornecido pela Siemens. Os equipamentos empregados eram os mesmos usados em instalações industriais de corrente contínua, portanto volumosos e pesados:
A conversão para o T2 elétrico foi completada pelo indicador de carga instalado no painel e um horímetro. A potência do motor era bem modesta, apenas 22 cv de potência contínua estavam disponíveis. Isso podia ser dobrado por um curto período, mas depois disto o alcance caía rapidamente.
Silencioso é que ele não era
Hoje, a condução elétrica anda de mãos dadas com a eliminação das emissões, incluindo a eliminação do ruído de condução. Isso era diferente em 1972, como prova um teste atual do T2 “Elektro-Transporter” do acervo do museu da VW Nutzfahrzeuge. Os geradores de som, como os exigidos pelos veículos elétricos modernos para avisar os pedestres da aproximação do veículo, eram desnecessários em um VW T2 elétrico. Assim que você gira a chave, você ouve um barulho que pode lembrar um pouco o compensador de fluxo do filme “De Volta Para o Futuro”. Até que isto complementa o vazio acústico deixado pela ausência de um motor a combustão, mas dado à sua tonalidade impactante o tal som até que resulta meio assustador.
Por outro lado, dirigir um Stromer não era nada de espetacular. Não se trocava de marcha, sentava-se acima do eixo dianteiro como em qualquer outro T2 e dirigia-se o veículo, que pesava quase 2,2 toneladas, pelo trânsito da cidade; apesar de que a velocidade máxima de 70 km/h e o alcance teórico de cerca de 80 quilômetros estabelecessem limites para o raio de ação. Naquela época, a Volkswagen argumentou que um raio de ação de mais de 60 quilômetros era um requisito excepcional no setor comercial (isto, obviamente, na Alemanha).
Conclusões iniciais
Apesar das muitas limitações do Stromer, a Volkswagen ganhou alguns conhecimentos importantes graças ao projeto. Ao contrário dos anos 50, quando já existiam alguns carros pequenos movidos a eletricidade, este era o primeiro veículo comercial em tamanho real que podia ser usado para determinar a relação entre velocidade, alcance e tempo de carga. A uma velocidade constante de 50 km/h, era possível rodar 85 quilômetros. Se a aceleração máxima de 0 a 50 km/h em 12 segundos fosse usada com muita frequência, aí o alcance simplesmente despencava.
Hoje resta ainda menos dessa antiga dinâmica, que já era modesta, porque as baterias foram perdendo capacidade de armazenamento nesses 45 anos, razão pela qual eles, durante o test drive feito recentemente, forneciam apenas uma fração de sua capacidade original.
Este problema causou críticas à tecnologia de propulsão elétrica quando ela foi apresentada há cinquenta anos, por exemplo: havia o medo de que as baterias fossem negligenciadas no trabalho diário e que os serviços de manutenção regulares tivessem que ser programados de uma maneira impositiva.
Naquela época a Volkswagen assumia uma vida útil de 1.500 ciclos de carregamento completo, e uma bateria nova custava 10.000 marcos alemães (DM). Em 1978, uma carga completa da bateria custava apenas dois DM, então os custos de condução eram relativamente moderados, mesmo considerando também a bateria que tinha que ser substituída periodicamente. Para comparação: encher um tanque de 40 litros para um carro com motor a gasolina custava uns bons 25 DM em 1972 com o preço de gasolina de cerca de 62 pfennigs (centavos de DM) por litro.
Inovações iniciais
No decorrer dos testes, a equipe do Dr. Kalberlah descobriu novas maneiras de otimizar o carro elétrico. Por exemplo, os T2 elétricos posteriores já eram capazes de recuperar energia, ou seja, converter a energia cinética em corrente de carga durante a frenagem, e assim ganhar um pouco mais de alcance.
E o bem-estar dos passageiros também foi levado em consideração, pois o último Stromer da série T2 recebeu um sistema de aquecimento a gasolina. Isto cobriu uma lacuna, já que os primeiros não eram providos de aquecimento, o que prejudicava ou mesmo inviabilizava a operação no inverno.
E o intercâmbio das baterias também foi otimizado. No final dos anos 70, um sistema hidráulico facilitou a substituição do berço deslizante e bateria descarregada. Antes disso, ele tinha que ser empurrado para fora do veículo à mão sob a plataforma de carga elevada.
Resta mencionar que o Stromer-T2 também recebeu as mudanças visuais do Tipo 2 ao longo dos anos. Modelos posteriores estavam disponíveis como T2b, reconhecíveis pela frente modificada e pelas lanternas traseiras maiores.
Alternativa atraente?
Na época de seu lançamento, o que estava sendo ofertado pela Volkswagen parecia pouco atraente para os clientes. Durante um período de cerca de sete anos, a Volkswagen produziu apenas 120 T2 elétricos, dos quais apenas alguns encontraram compradores.
Ainda em 1980, a Volkswagen ofereceu o modelo em um teste em larga escala em Berlim em condições especiais de locação. A partir desse ano, foram utilizados 16 furgões e 16 Kombis, além de oito picapes neste teste. Os usuários desta oferta deram seu consentimento para que a Volkswagen coletasse dados, o que parece muito familiar hoje, na era das empresas de tecnologia famintas por informações.
Um ano antes, o pessoal de Wolfsburg já havia exportado Stromers para os EUA. Dez veículos deixaram os pavilhões da fábrica para os Estados Unidos, onde eles foram utilizados pela TVA – Tennessee Valley Authority (Autoridade do Vale do Tennessee), uma empresa hidroelétrica.
A eles se juntou um T2 elétrico e um T2 híbrido, que foram usados para transporte de visitantes do MoMA (The Museum of Modern Art/Museu de Arte Moderna) em Nova York. Mais tarde, a Volkswagen trouxe estes veículos de volta e o Stromer foi autorizado a ser usado como transporte de passageiros na cidade de Bad Harzburg, uma estação hidromineral onde a propulsão elétrica veio a calhar.
A ofensiva elétrica inicial da Volkswagen foi complementada, alguns meses depois, pelo primeiro Golf elétrico e pelo Volkswagen LT que era um tipo de Kombi T3 só que bem maior, que também era elétrico.
Um fracasso anunciado?
Uma velocidade máxima de 70 km/h, um raio de ação pequeno e um peso total extremamente alto, juntamente com uma menor capacidade de transporte (pois parte do volume do salão era ocupado pelas baterias), com isto tudo não surpreendeu que apenas alguns clientes foram convencidos a comprar um Stromer.
E assim aconteceu que, apesar da crise do petróleo, a maioria dos clientes que necessitavam deste tipo de veículo de transporte acabou recorrendo ao T2 convencional, com motor a gasolina. Como de costume, o T2 convencional era flexível em termos de alcance e volume de carregamento e provou ser muito mais amigável que o Stromer no uso diário.
Além disso, nem sempre o equipamento para intercâmbio de baterias estava disponível. A estrutura deste equipamento era volumosa e havia poucas à disposição. Por outro lado, carregar os Stromers em tomadas domésticas levava muito tempo. O plano do parceiro da Volkswagen, a RWE, de equipar postos de combustíveis em toda a Alemanha com sistemas de intercâmbio de baterias acabou não saído do papel. Também, não havia a opção de carregamento rápido na época.
Além disso, não havia subsídios governamentais para o veículo elétrico, de modo que o alto preço de compra de 60.000 DM também dissuadiu muitas pessoas que, dadas as circunstâncias, já estavam céticas quando a uma eventual compra.
Após um total de 120 veículos, a era dos T2 Stromers chegou ao fim no início dos anos 80. Não haveria uma versão totalmente elétrica do T3, porque a era dos embargos ao petróleo havia terminado no final dos anos 70 e se esperava que o sufoco que uma solução puramente elétrica representava para os usuários naquele tempo não voltasse tão rapidamente.
Mas a Volkswagen tinha previsto com precisão os problemas do futuro em sua brochura contemporânea para o VW E-Mobil (como o Stromer era oficialmente chamado).
Futuro como um híbrido?
Por fim, a partir de meados da década de 1980 a Volkswagen inicialmente se distanciou dos modelos puramente elétricos e tentou veículos híbridos, onde o T2 já havia feito um trabalho pioneiro a partir de 1977.
Em sua versão híbrida usada pelo MoMA, a combinação de motor a combustão e elétrico ainda era praticada de forma bastante primitiva. O motor elétrico, incluindo as baterias, foi posicionado no meio do veículo e conectado à caixa de câmbio existente por meio de um cardã através de um conversor.
Não era uma solução necessariamente bonita, mas foi usada principalmente para testar as possibilidades da simbiose dos dois tipos de pulsão.
O círculo está fechado
Cerca de cinquenta anos se passam entre o lançamento do T2 elétrico e hoje. Como já acontecia na época do choque do preço do petróleo, muitas perguntas sobre a locomoção são urgentes atualmente. A demanda por mobilidade acessível e de baixa emissão de dióxido de carbono tornou-se mais urgente do que nunca nos últimos tempos. Mudar para meios de transporte movidos a eletricidade parece ser a solução óbvia para o dilema.
Nos anos 70, a pesquisa sobre mobilidade elétrica estava ainda em seus primórdios, e os veículos elétricos a bateria ficavam quilômetros atrás de seus homólogos com motor a combustão em todos os aspectos. Os carros elétricos modernos, por outro lado, estão mais do que a par dos carros movidos a gasolina em termos de desempenho, mas os fabricantes ainda não conseguiram dissipar completamente as preocupações com o peso bastante alto devido à bateria, alcance e tempo de recarga.
Se você quiser ter um companheiro espaçoso e prático no dia a dia e permanecer fiel ao design tradicional do T2, você pode seguir os passos do Dr. Kalberlah e instalar um dos muitos kits elétricos num T2, o que, tendo em vista o Stromer de outrora, não equivaleria a um grande sacrilégio. Infelizmente, você terá que passar sem o típico som do motor boxer…
AG
Para esta matéria foram feitas pesquisas em vários sites, em especial: https://www.volkswagen-newsroom.com/; https://de.motor1.com/; https://www.auto-motor-und-sport.de/oldtimer; https://www.zwischengas.com/; https://www.motor-klassik.de/; Wikipedia.
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