É inacreditável, mas o fato é que o câmbio manual no Brasil, salvo alguns resquícios, chegou ao fim. Anteontem a notícia de que a Nissan passou a oferecer o suve Kicks (foto) com câmbio automático somente soou como uma bomba.
O que está acontecendo, afinal? Ou os fabricantes lançam novos modelos com câmbio automático somente, caso recente do Fiat Fastback, ou tinham e depois tiram, como no VW T-Cross 1-L e agora no Kicks. O primeiro choque dessa natureza, lembro bem, foi a Citroën deixar da trazer da Argentina o C4 Lounge manual.
A conversa dos fabricantes é sempre a mesma, poucos se interessam hoje por câmbio manual, só querem automático. Estranho, porque a julgar pelos comentários que nos chegam é frequente a insatisfação por determinado modelo só existir automático.
É difícil aceitar essa “brasilidade” quando um leitor habitual que se identifica como RMC comenta ontem que está na Europa e usou um Peugeot 5008 turbodiesel e um Citroën C4 1,2 turbo, ambos manuais de 6 marchas, achando-os excelentes para dirigir e muito econômicos.
Já escrevi nesta coluna e repito, não tenho absolutamente nada contra o câmbio automático, ele mostra seu valor para quem dirige mas não tem habilidade em certas condições como arrancar numa subida ou simplesmente não gosta do fato de operar três pedais com dois pés e de precisar movimentar uma alavanca o temo todo. É um direito.
Entendo que quem dirige profissionalmente o dia inteiro, sejam motoristas de veículos de transporte individual ou coletivo, e de entregas urbanas, se beneficie do câmbio automático, mas fora estas aplicações, tem que haver o direito de escolha. Exatamente como havia, não muito tempo atrás, quando se tinha opção de manual ou automático para Omega, Del Rey, Chevette, Opala, Santana. Dart, Polara, Galaxie, Maverick e até BMW Série 3. Mais importante, automático era nicho e mesmo assim havia disponibilidade. É inconcebível e inexplicável câmbio manual, mesmo que seja nicho hoje — do que duvido — deixar de existir.
Tão inexplicável quanto é as fabricantes acharem que câmbio manual, quando disponível, só ter lugar nos carros de entrada, uma associação que carece de qualquer razoabilidade. Quem por qualquer motivo quer um carro mais simples mas faz questão de automático, seja por gosto ou necessidade, é sumariamente ignorado. Inversamente o mesmo acontece, um topo de gama manual? Jamais.
Outro fato que considero grave é fabricantes não disporem de carros de teste de modelos que produzem. O Toyota Yaris foi lançado em junho de 2018 em versões manual e automática CVT, Como nos testes de primeiras impressões só houvesse automáticos, pedimos o manual para teste. Pois bem, este saiu de linha em novembro de 2020 e nunca conseguimos testar um. Num jantar em que me sentei ao lado do presidente da Toyota do Brasil, o americano Steve St. Angelo, aproveitei para relatar a dificuldade. Nem isso surtiu efeito.
Fato ocorrido poucos dias atrás, quando discuti com a assessoria de imprensa terceirizada da Hyundai por não terem o HB20 1,0 TGDI (turbo, injeção direta) manual de 6 marchas para teste e lhes sugeri que então interpelassem a diretoria a respeito, receberam uma evasiva resposta, que faço questão de transcrever:
Em resposta, a Hyundai afirma que os modelos, versões e quantidade de carros disponíveis na frota de imprensa está alinhado à estratégia da marca e às diretrizes globais de empréstimos. Com limitação de veículos disponíveis, o time de comunicação da Hyundai atua em constante atualização da frota para oferecer carros com o maior número de funcionalidades a serem testados.
Seria melhor dizerem “não queremos que esse modelo seja testado pela imprensa” e o assunto pararia por ali mesmo. Ficar enrolando é uma má atitude.
O que aconteceu com nosso leitor Dr. Douglas Loiola bem mostra a deturpação das mentes nessa questão. Ele foi a uma concessionária Volkswagen para comprar um Jetta GLI. Disse ao vendedor que desejava uma versão manual e, ao ser informado de que não existia, manifestou seu desagrado — para ouvir do vendedor “o sr. se sujeitaria a passar marchas num Jetta?”
Trocar marchas manualmente virou vergonha! A que ponto chegamos!
Coisas (só) de Brasil!
BS
A coluna “O editor-chefe falar” é de total exclusividade do seu autor.