Não me esqueço do meu primeiro carro antigo, um Ford Modelo T de 1926. Este carro inaugurou a linha de montagem no mundo e foi produzido de 1908 a 1927 num total de 15.007.033 unidades. Sua mecânica era muito simples e, por isso, muito resistente, verdadeira obra-prima de funcionalidade de Henry Ford.
No Brasil (foi também montado aqui) era chamado “Ford de bigode” ou “Ford de pedal” O porquê desses apelidos será esclarecido logo adiante. Seu grande diferenciador em relação aos outros carros da época era ter um câmbio que parecia ser semiautomático.
Como assim, parecia?
Parecia porque não tinha alavanca de câmbio, tampouco pedal de embreagem, e nada tinha de automatismo, ou seja, nada acontecia automaticamente no câmbio. As trocas de marchas — duas à frente e uma à ré — exigiam ação do motorista.
Eram três pedais (foto de abertura): à direita (acelerador nos demais) era o do freio. O central (freio até hoje) era a marcha à ré. E o da esquerda (hoje embreagem) selecionava a primeira (mantido apertado no fundo), ponto-morto (no meio do curso) e segunda marcha quando não acionado. Era “prise direta” mesmo, virabrequim conectado ao cardã…
Toda essa aparente confusão é porque o câmbio era diferente do que existia nos outros carros. Tinha só uma engrenagem, chamada epicícíclica, na verdade um conjunto de engrenagens — anel, três planetárias e solar — permanentemente engatadas. Esse sistema, presente nos câmbios automáticos desde o primeiro em 1939 (Oldsmobile) até hoje, tem a particularidade de, travando um dos elementos, terem-se marchas com suas diferentes relações, até mesmo a ré
No Modelo T esse travamento era feito mecanicamente pelos pedais. O travamento de era mediante cintas que pressionavam o conjunto epicíclico. Era por isso que não havia embreagem, não precisava: quando o motorista apertava o pedal esquerdo era como soltar o pedal de embreagem nos carros de hoje.
Fioou mais claro agora, certo?
Alavanca mesmo só do freio de mão, no assoalho e à esquerda do motorista. Ela servia tanto para acionar o freio de estacionamento, quanto para deixar o câmbio em neutro (para ligar o motor) ou libertar o movimento do pedal esquerdo para selecionar a primeira.
Alguém percebeu que na descrição de pedais não apareceu o do acelerador? Ele não era acionado pelo pé, mas por uma alavanca na coluna, sob o volante, à direita. E a da esquerda era para avançar a ignição (e retardar para facilitar a partida a manivela). Por isso o apelido “Ford de bigode”. As duas alavancas pareciam-se realmente com um bigode.
Tudo isso porque Henry Ford era contra o câmbio manual de engrenagens deslizantes que arranhavam e quebravam dentes, e sempre imaginou esse sistema. Mas entregou os pontos com o sucessor do “T”: o modelo A (1928) tinha caixa de marchas convencional de três machas, com alavanca e… pedal de embreagem.
Com o passar dos tempos e novas tecnologias, as coisas caminharam de forma surpreendente, principalmente com a eletrônica. E os comandos convencionais estão todos sendo eliminados.
O primeiro pedal a ir para o espaço foi o da embreagem. O câmbio automático, como vimos, apareceu nos EUA em 1939 (corre história de ter sido invenção brasileira, com patente vendida para a GM). Vários sistemas de câmbio automático foram surgindo e o mercado americano absorvendo a novidade rapidamente. Ao contrário do brasileiro, que só recentemente aderiu ao carro sem embreagem, o mercado americano vende mais de 95% de automáticos. Câmbio manual? Só em alguns esportivos.
Outro pedal que está na corda bamba é o do freio. Pois o sistema regenerativo do carro elétrico é tão potente (até a luz de freio acende) que quase o dispensa. Basta tirar o pé do acelerador que o “freio” entra em ação. Aliás, em alguns já existe o “one-pedal-drive” que permite ao motorista usar quase exclusivamente o pedal do acelerador. O do freio, só em emergências.
Outro comando que está desaparecendo é do freio de estacionamento. Em geral acionado manualmente, apenas em alguns veículos muito antigos (e no Corolla Cross…) pelo pé esquerdo. Porém, os mais modernos substituem a alavanca ou o pedal por um botão no console. Que aciona um sistema elétrico. Às vezes automático, conjugado com o sistema eletrônico do carro e que até dispensa ser pressionado pelo motorista
Pedal do acelerador?
Sobrevivente da trinca, vai se juntar aos demais no museu, pois já teve carro-conceito que substituiu volante e pedais por uma pequena alavanca do tipo “joy stick” que engloba todas estas funções de comando.
E a cereja do “bolo”: os elétricos estão abrindo espaço no museu até para a alavanca de câmbio, tamanho o torque de seus motores, que dispensa as marchas, tão importantes que já chegaram a dez delas em alguns automóveis.
Nem mesmo botõezinhos e teclinhas convencionais vão resistir ao avanço eletrônico pois para acionar som, ar-condicionado, modo de condução e vários outros, o motorista usa a tela capacitiva tátil: basta encostar o dedo na tela. Que saudade dos antigos rádios com um botãozinho de cada lado. O da esquerda ligava e controlava o volume. O da direita, para sintonizar a estação. Hoje eu demoro minutos para descobrir o caminho.
Por falar nisso, a chave no painel foi substituída pela presencial que fica no bolso e basta apertar um botão para ligar o caro. Nem precisa manter o botão apertado: é a chamada partida assistida, basta dar um toque nele. Em alguns elétricos, nem se aperta mais nada: quando o motorista abre a porta, o motor já está energizado, pronto para sair.
E, mais para o futuro, comando nenhum, só o de voz: “Carro, para a escola do meu filho”. E vai ler (no celular) seu exemplar do Washington Post.
BF
Mais Boris? autopapo.com.br