Mesmo concebido por Ferdinand Porsche para ser um carro simples para as massas, em que desempenho não era seu principal objetivo, o VW Fusca trazia embutido um caráter esportivo. Foi esse caráter que estimulou os automobilistas a o utilizarem em corridas mesmo que os resultados fossem pífios e seu comportamento em curva não ajudasse.
Além dos poucos circuitos de rua no Rio de Janeiro, como Maracanã, Castelo e Quinta da Boa Vista, viam-se alguns Fuscas em provas de subida de montanha, como na Serra do Mar, em São Paulo, e de estrada, como Rio-Cabo Frio e Rio-Caxambu. Era o começo da paixão pelo besouro.
Da chegada ao Brasil em 1950 até o final de 1953 o motor era 1100 de 25 cv, não dava para fazer muito, mas mesmo assim havia quem insistisse, como o carioca Eduardo Novaes, estava em todas as corridas de rua da época. Com a chegada do motor 1200 de 30 cv o Fusca ganhou desempenho, mas ainda era pouco.
O ponto de inflexão do desempenho do Fusca foi o motor de carcaça tripartida em 1967 (1960 na Alemanha), em que o suporte do dínamo era aparafusado na metade direita da carcaça e não mais parte dela.
Era mais moderno e robusto,,1300 (havia também 1200 na Alemanha, de 34 cv, 4 cv mais do que no 1200 anterior), depois1500 e 1600, ainda com cabeçote de duto de admissão único, passando a dois dutos no 1600 em 1970, chegando a existir o motor 1700 do SP2..
Todavia, além de robustos esses motores toraram-se incomparavelmente mais fáceis de preparar e por isso mesmo foram alvo de preparação no mundo, inteiro, em especial nos EUA e Europa, surgindo os mais variados componentes especiais como árvores de comando de válvulas especais, virabrequins com manivelas para aumentar o curso dos pistões. cilindros e pistões de maior diâmetro possibilitando grande aumento de cilindrada.
Os cabeçotes com dois dutos de admissão — de “dupla entrada” como são mais conhecidos — otimizaram a utilização de carburadores de corpo duplo e de maior diâmetro de boca, abrindo caminho para maior densidade de potência, cv/L.
Antes de toda esse renovação no motor boxer arrefecido ar, porém, é preciso destacar o primeiro grande feito do Fusca nas pistas, que foi na primeira Mil Milhas Brasileiras em 24/25 de novembro de 1956.
O Fusca 1952 da primeira Mil Milhas Brasileiras
A Mil Milhas Brasileiras foi uma prova criada pelo jornalista Wilson Fittipaldi (pai de Wilson Jr e Emerson, radialista da Rádio Panamericana, e Eloy Gogliano, presidente do Centauro Motor Clube,, para mimetizar a Mille Miglia italiana, famosa prova em estrada fechada, só que agora realizada no autódromo. de Interlagos.
A corrida, a se realizar em 24 de novembro de 1956, era aberta a carros de turismo de qualquer ano ou procedência, com, regulamento técnico bem liberal. A preparação do motor era livre, mas o bloco tinha que ser da mesma marca do carro.
Para aumentar o número de competidores, Fittipaldi convidou pilotos gaúchos de nome que corriam de carretera no seu estado, carros Ford e Chevrolet das décadas 1930 e 1940 preparados com motores V-8 então modernos, muito potentes.
Eugênio Martins e Jorge Lettry eram sócios, juntamente com João Skuplik, numa oficina chamada Argos, em São Paulo, especializada em Volkswagen e Porsche. Ao saberem da prova e seu regulamento, imediatamente planejaram colocar no Fusca 1952 split window de Eugênio um motor de Porsche 1500 Super, originalmente de 70 cv, com o transeixo do modelo, para correr na Mil Milhas Brasileiras de inauguração. O Fusca nº 18 seria tripulado pelo próprio Eugênio e por um amigo dele e de Lettry, de apenas 21 anos, chamado Christian Heins.
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O “transplante” de motor nessa caso era lícito porque VW e Porsche compartilhavam a mesma carcaça, e assim foi feito. O motor Porsche recebeu um par de carburadores Solex 40 (dois de copo único originalmente) e com isso ganhou 4 cv, chegando a 74 cv. Para durabilidade, recebeu um radiador de óleo na dianteira. atrás de duas aberturas no capô do porta-malas de compósito de fibra de vidro feito por João Gurgel ainda relativamente jovem, 30 anos. O tanque de gasolina foi aumentado parra 70 litros ante 40 originais.
Mesmo com pneus diagonais 5.00-16 e suspensão, praticamente de série, apenas acrescida na dianteira de barra antirrolagem criada e comercializada pela Argos (o Fusca não tinha essa barra) o carro era muito rápido e liderou a maior parte da prova. Mas a poucas voltas das 201 o cabo do acelerador quebrou. Christian calçou a varetagem dos carburadores, foi ao box, foi colocado cabo, trocado, mas nesse ínterim o carretera Ford de Catharino Andreatta e Breno Fornari assumiram a ponta para vencer, com o Fusca em segundo.
Pode-se dizer que foi depois desse brilhante resultado que se acendeu a chama do Fusca com carro para pista;.
Nova fase
Com a chegada do motor 1300 em setembro de 1966 o panorama da preparação dos Fuscas mudou radicalmente. O que era muito difícil com o motor 1200 passou a ser bastante fácil com o 1300, dada a oferta de material tanto estrangeiro quanto local. Esse singular fato levou a aumento exponencial do interesse em correr com o modelo.
A formação da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) em 1961 ensejou a criação de novos regulamentos para as categorias de Turismo, como a Divisão 1 – Turismo de série e a Divisão 3 – Turismo Especial Brasileiro, a primeira mais restritiva em modificações autorizadas e a segunda, mais liberal. Sem contar a categoria Protótipo Experimental CBA que deu asas à imaginação de preparadores e que resultou em carros exóticos como o Fitti-Fusca, dotado de dois motores VW 1600 em posição central-traseira acoplados por junta de borracha Giubo tipo das usadas em cardãs, totalizando cerca de 320 cv. Era um carro rapidíssimo. ajudado pela carroceria aliviada de peso pelo uso de material compósito de fibra de vidro nas partes móveis da carroceria.
A Divisão 1, pela simplicidade inerente e custos de preparação contidos, atraía pilotos às provas reservadas a estreantes e novatos. Já a Divisão 3 classe “A”, motores de cilindrada até 1.600 cm³, produziu verdadeiros carros de corrida, principalmente pelos pneus de competição Goodyear Blue Streak utilizados (lisos, slicks), montados em rodas de tala maior que resultavam em bitolas consequentemente mais largas que obrigavam alargar os para-lamas (rodas tinham que ser cobertas segundo o regulamento), conferindo um visual extremamente atraente aos carros.
Os motores eram extensamente modificados com o estado da arte de então, desenvolvendo potências da ordem de 150 cv a 7.000 rpm, embora pudessem ser levados a 8.000 ou 9.000 rpm sem problema graças ao esmero na preparação do trem de válvulas com o uso de material sofisticado como hastes de acionamento dos balancins de válvulas de titânio.
O câmbio geralmente o original de 4 marchas com engrenagens especiais produzidas pela Puma, o jogo mais utilizado sendo a Caixa III (eram cinco caixas disponíveis) de relações 1ª 1,722, 2ª 1,318, 3ª 1,125 e 4ª 1,040. Alguns usavam câmbio inglês Hewland Mk9 de cinco marchas de Fórmula Ford que emprega carcaça VW “de cabeça para baixo”, o que deixa o motor mais baixo no interesse da estabilidade.
A suspensão tinha de manter geometria elementos elásticos originais, mas podia ser livremente modificada. Direção e seus braços e barramento eram originais, mas freios eram totalmente livres, apenas obrigatórios dois circuitos hidráulicos por questão de segurança.
Embora esta matéria foque no Fusca, o Brasília também correu na Divisão 3 pilotado por um jovem então com 20 anos chamado Ingo Hoffmann. que, como se sabe, chegou à Fórmula 1.
Com a entrada do Passat na Divisão 3, a categoria se dividiu em Hot Cars e Turismo Especial Paulista (TEP) e, em 1986, foi criada uma nova categoria só para o Fusca, a Speed 1600. Com pouquíssimas alterações permitidas, a Speed 1600 logo a tornou a categoria mais acessível de todas. Virou uma febre, com muitos carros alinhados para a largada.
Vale lembrar que um piloto bicampeão mundial de F-1 e dois tricampeões, na ordem Emerson Fittipaldi, Nélson Piquet e Ayrton Senna, tiveram na juventude, no Fusca, um legítimo treinador para a técnica de dirigir rápido, dada o comportamento nitidamente sobre-esterçante do besouro combinada com a tração traseira..
AG
Nota do autor: Certas referências e todas as fotos publicadas no site Cultura do Automóvel” foram autorizadas pelo seu editor e publisher Gabriel Marazzi a quem agradeço a colaboração.
A coluna “Falando de Fusca & afins” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.