Quora é um site americano de perguntas ou respostas, Questions or Answers, nome do qual formou-se o acrônimo Quora. Foi criado em 2010. e eu o conheci por caso há cerca de três anos ao procurar algo no Google e uma das indicações ter me levado ao Quora em inglês, (www.quora.com). Mais recentemente foi criada a versão em português www.pt.quora.com .
Trata-se de uma plataforma de conhecimento sobre os mais variados assuntos. Alguém faz uma pergunta, e os leitores respondem Quem está registrado no Quora (grátis) recebe a pergunta acompanhada de respostas (várias) e pode simplesmente ler ou comentar uma resposta, dar opinião, etc. É fácil de usar e muito interessante e informativo, além de divertido.
Como andei comentando algumas respostas sobre o tema — adivinhe qual — sempre que que o assunto é automóvel enviam-me e-mail com a pergunta e as respostas até aquele momento.
Pois foi o que aconteceu anteontem e a pergunta era justamente o título desta matéria. Julguei a resposta interessante e merecedora de ser compartilhada com o leitor ou leitora do AE.
BS
O QUE ACONTECERIA SE AS AUTOESTRADAS AMERUCANAS NÃO TIVESSEM LIMITE DE VELOCIDADE COMO NA ALEMANHA?
Por Gary G.¹
E já lhe digo o que aconteceria: coisas ruins. Muitas coisas ruins.
Começa pelo fato de que as autoestradas americanas não foram projetadas para altas velocidades. O que as pessoas tendem a esquecer é que o sistema de autoestradas americanas foi criado, antes de mais nada, para ser uma malha destinada a transporte rápido e eficiente de equipamentos militares. Da mesma forma que as rodovias nos EUA foram planejadas originalmente pelo general Pershing para a mesma finalidade.
Daí o o nome completo delas ser Sistema Nacional de Autoestradas Interestaduais e de Rodovias de Defesa Dwight D. Eisenhower.
É por acaso que elas são utilizadas também por motoristas civis. Mas as Interestaduais (Interstates, rodovias federais) foram feitas para caminhões e tanques, não Ferraris.
Isso significa que o asfalto é fino e aplicado sobre espessa base de concreto (algumas Interstates são de concreto apenas, sem asfalto.) São mais baratas de manter, mas bem menos adequadas para altas velocidades. As autoestradas alemãs, especialmente nos trechos sem limite de velocidade, têm uma grossa e perfeita camada de asfalto e curvas com superelevação como num autódromo. Buracos e rachaduras são logo reparados, especialmente nos pontos de alta velocidade. A segurança não para de aumentar.
Outro fator é a condição do tempo. A Alemanha tem um clima bastante temperado e o resultado é as rodovias não serem tão afetadas. Em muitos pontos dos EUA o clima é bem mais extremo — por isso mesmo castigando a estrada. Buracos e rachaduras são frequentes e inevitáveis em muitas estradas americanas apenas por questão do clima.
Além disso, a infraestrutura nos Estados Unidos sofre de falta crônica de verbas há décadas. As estradas estão se desintegrando e buracos e rachaduras são cada vez mais comuns.
Tenha certeza de que você nem pensa em pegar um buraco a 200 km/h. Supondo que seu carro não resolva deixar a suspensão na estrada, um potencial estouro de pneu a essa velocidade tem consequências funestas. Combinado com um motorista inexperiente ou com excesso de confiança, é morte quase certa.
Um detalhe útil que chegou em comentários mais de uma vez é que pneus tipicamente comprados e instalados nos carros americanos não têm classificação para altas velocidades, o que significa serem mais suscetíveis a um estouro na situação acima. A maioria dos carros americanos vem com pneus de classificação de velocidade T, para 190 km/h, enquanto os carros alemães usam tipicamente pneus de classificação H, para 210 km/h ou V, para 240 km/h. Essas diferenças podem não parecer muito, mas podem significar vida ou morte
Mas o maior problema é treinamento e experiência. A Alemanha tem treinamento de motoristas rígido e a disciplina nas vias é estritamente exigida. É proibido ultrapassar pela direita, tráfego mais lento tem que ficar na direita, quem sofrer um acidente numa ultrapassagem pela direita é automaticamente considerado culpado (pelo menos em parte), quem colidir com a traseira de um carro também é culpado, e assim por diante. Os carros começam a se comportar de maneira diferente a partir de 140 km/h. Começam a “flutuar” e perdem aderência à pista, mesmo em condições ideais. Motoristas inexperientes não conseguem lidar bem com isso ou mesmo detectar o que está acontecendo.
Falando nisso, na verdade é um erro achar que não há limite de velocidade na Alemanha Na maioria dos trechos nas Autobahnen o limite geralmente é 120 km/h. Mas mesmo sem qualquer limite há a velocidade máxima recomendada de 130 km/h. Mesmo que não se seja multado ao andar acima disso, se o motorista se envolver num acidente é o mesmo citado acima, a culpa é automática.
A inspeção veicular é obrigatória e bem rigorosa na Alemanha. A lei estabelece que carros devem se manter em excelentes condições. Veem-se absurdos nas estradas americanas que fariam inspetores alemães ter um ataque cardíaco. Outro dia, em Minnesota, meu filho viu um carro sem uma das portas, o vão coberto com plástico. Eu mesmo vi uma picape das novas com um espelho de barbear fixado com fita adesiva no espelho do motorista. Isso é impossível na Alemanha e a polícia em segundos daria ordem de parada.
Freios e transmissão especialmente, bem como sistemas de segurança são mantidos em excelente estado — mas na maioria dos estados nos EUA a inspeção talvez cubra emissões e algumas verificações básicas de segurança, se é que há inspeção. Desse modo, um grande número de carros nos Estados Unidos é simplesmente inseguro para trafegar em altas velocidades.
Além disso, quando uma pessoa cresce andando de moto ou dirigindo nesse tipo de tráfego de velocidade ilimitada, tem outra visão de como dirigir — particularmente ficando bem mais habituada à diferença de velocidade bem maior resultante. A pessoa tem que absolutamente consultar o retrovisor com maior frequência porque outros carros aparecerão como se fossem do nada, e isso requer condicionamento sério.
Diferenças de velocidade nas estradas americanas raramente são maiores que 30 km/h porque todos rodam mais ou menos à mesma velocidade. As estradas são também bem menos lotadas (em média). Não é assim nas Autobahnen, onde diferenças de velocidade podem facilmente exceder 100 km/h e tráfego pesado é o normal. Na faixa da direita veem-se carros com trêileres rodando a 80 km/h ou 100 km/h e caminhões no máximo a 100 km/h, enquanto na faixa de esquerda carros zunem bem acima de 200 km/h. A dinâmica então é completamente diferente, em especial quando se está a 180 km/h e um motorista de caminhão decide abruptamente ultrapassar bem na sua frente. Isso é divertido.
Essa é a razão do controle automático de velocidade ser pouso usado na Alemanha. Faz pouco sentido usá-lo porque simplesmente não se consegue andar numa velocidade constante e relaxar. É preciso ficar alerta o tempo todo.
Se fosse tentado aplicar limite de velocidade à maneira Autobahn nos EUA, onde falta aos motoristas (particularmente em estados como Nova York que têm treinamento negligente) a disciplina e a experiência do motorista alemão médio, onde os carros são pessimamente mantidos e onde a pavimentação não é nem próxima de ser chamada de boa, é uma receita de desastre.
Mudando de assunto, eu viajava muito pela Turnpike (autoestrada) de West Virginia. Muitas vezes ficava imaginando-a utilizada pelos militares e ria para mim mesmo só de pensar numa longa fila de tanques esperando para pagar o pedágio. Alguém precisa voltar e trazer um monte de moedas de 10 centavos!
G.
BS
¹Gary G. é americano, vive na Alemanha há mais de 25 anos. Tem carteiras de habilitação de Minnesota e alemã. Seu pai era instrutor de direção e de segurança. Gary utiliza frequentemente as autoestradas alemãs.