A Anfavea manteve as apostas até o último momento, desde o início do ano passado, com a forte baixa na comercialização de automóveis no primeiro trimestre, muitos se perguntavam se em 2022 a indústria estaria abrindo um novo ciclo de queda, quando o que se esperava era o contrário, recuperação de volumes de negócios em direção aos patamares pre-pandemia.
Com novo presidente da entidade, que assumira o cargo em abril, seguindo o ciclo de trocas trienais de comando, Márcio de Lima Leite, executivo da Stellantis, veio apresentando os resultados mensalmente sempre com expectativa de que, com melhora na disponibilidade de semicondutores, o que ocorreu conforme o previsto em julho, veríamos uma curva de recuperação e que as projeções apontavam para um ano no mesmo patamar de 2021.
Errou por menos de um por cento, ou melhor, prefiro dizer que ele acertou com margem de 99,2%, os ventos desfavoráveis mudaram de intensidade ao longo dos meses seguintes, porém nunca deixaram de soprar contra. Com taxas de juros crescentes, para conter uma inflação persistente, inadimplência superando os 5%, que fazia com que os bancos limitassem o crédito ao consumidor, sobrou menos gente pedindo financiamento e, consequentemente, lojas mais vazias.
Dezembro foi um mês mais fraco que o previsto, ao todo comercializaram-se 216.923 autoveículos, sendo 202.155 automóveis e comerciais leves, 12.476 caminhões e 2.292 ônibus. Nos doze meses tivemos então um total respectivamente de 2.104.461, sendo 1.960.462 leves e 143.999 pesados. Houve praticamente um empate técnico no total, licenciamentos 0,7% menores que em 2021, nos caminhões o recuo foi de 1,6%.
Quando entramos em mais detalhes, nota-se que as vendas diretas tiveram papel preponderante nos veículos leves, foram 115 mil veículos a mais por canal direto, quando comparado com 2021, e 132 mil a menos saindo dos concessionários no varejo, na mesma base de comparação. Praticamente um pelo outro, o total de doze meses foi menor em 16 mil unidades, num universo de 2 milhões de veículos, podemos dizer que foi no zero a zero.
Ainda falando de dezembro, as vendas diárias foram de 9.189 veículos leves, patamar 4% inferior a novembro, mês de 13º, esperava-se fossem superiores a 11.000. Não ocorreu.
Como eu vinha seguidamente apontando, vendas diretas de acima de 50% do total é um patamar que não se sustenta no longo prazo, não só os fabricantes precisam fazer a rede se mexer e obter uma rentabilidade aceitável de sua operação, como as próprias locadoras não têm fôlego de maratonista, assim sendo, como esperado, elas já anunciaram que em 2023 comprarão 200.000 veículos a menos (de 700 mil para 500 mil), um desafio a mais a ser enfrentado.
Com novo governo entrando em janeiro, a fervura política não arrefeceu, nem deu sinais de que irá baixar o fogo nas próximas semanas, a equipe econômica vem mostrando mais vontade do que conhecimento, ao menos já avisaram que o IPI de automóveis não retornará ao que era antes dos estímulos dados no período pre-eleitoral. Bom sinal.
Para caminhões o curto prazo será mais complexo. A Anfavea projeta uma queda de em torno de 20%, uma vez que este ano entram em vigor novos limites de emissões Euro6 (ou Proconve 8), que faz com que os brutos tenham um forçado aumento de custos, cujo reflexo no preço final é de aproximadamente 10% adicionais na aquisição. Lembro bem, onze anos atrás, a queda de 2011 para 2012 foi de 40%, pois ali houve clara antecipação de compra dos proprietários de frotas no ano que antecedeu a introdução do Euro5 para se pouparem do aumento de preços que acompanhou os novos modelos de emissões mais contidas. Fato que se repetiu este ano numa escala bem menor, daí a projeção de queda mais tímida pela Anfavea para esta mudança de patamar de controle de emissões de Euro5 para Euro6.
Neste ano que fechou, nos despedimos do grande campeão de vendas da VW, o Gol, que liderou o mercado por quase três décadas. Tanto ele, como o Voyage e a Saveiro deixaram as linhas de montagem de S. Bernardo e Taubaté e deixarão também enormes saudades a todos. Esses modelos foram os últimos de uma linhagem só Brasil, daqui pra frente, todo VW será produto global adaptado ao gosto local. Por muitas vezes perguntei-me se este caminho era mesmo o melhor para o Brasil e para a operação local da VW, mas num mundo que caminha rapidamente para a eletrificação, o foco da matriz vai nesse sentido, então direcionar recursos para trazer produtos bem ao nosso gosto deixou de fazer sentido a eles.
A soma das vendas de Gol, Voyage e Saveiro foi de 16.192 unidades em dezembro, 49% do total dos licenciamentos da VW. O substituto do Gol, já apontado nas propagandas de TV e mídias diversas é o Polo modelo já avaliado aqui em várias ocasiões, inclusive há uma unidade em teste de 30 dias por Roberto Agresti. A VW mexeu nos preços e versões do Polo de forma a aproxima-lo do Gol, porém se o mercado irá absorver essa ideia e manter o patamar de vendas da marca alemã é algo que só saberemos com o passar dos meses.
O Brasil já viu dois grandes campeões de volumes saindo de cena em dois anos, primeiro foi o Ka, com a desistência de manter produção local e agora o Gol. O segmento de compactos de entrada vem encolhendo a passos largos, fato, aqui e na Europa vemos fenômeno semelhante e uma migração do consumidor aos suves pequenos, que são muito mais caros.
O Brasil já produziu 3,8 milhões de veículos dez anos atrás e hoje estamos a pouco mais da metade desse patamar. A indústria automobilística daqui precisa de atenção da classe política, há de se revigorar o setor, fomentar empregos, a menos que eles caiam no conto que o Brasil está trocando mão de obra da indústria por MO de serviços, que pagam bem menos aos trabalhadores sem ensino superior.
Ranking do mês e do ano
Em dezembro licenciaram-se 202.176 automóveis e comerciais leves, volume 5% superior a novembro e a Fiat vendeu 41.773 de seus veículos, 18% a mais que mês passado, assegurando o troféu de campeã, repetindo o que fizera em 2021. A VW, numa puxada final dos modelos que se despedem do mercado, assegurou o 2º posto, com 33.236 unidades, seguida de perto pela GM, com 32.549. A Toyota firmou-se numa 4ª posição, no mês e no ano, com 20.735, depois Hyundai, Jeep, Renault.
No ano a marca italiana vendeu 430.204 unidades, quase empatando como seu desempenho em 2021, Chevrolet em 2º, 291.420, VW em terceiro, Toyota, Hyundai, mesma ordem. As duas marcas francesas da agora Stellantis, Peugeot e Citroën, depois de revigorado seu portfólio e foco na rede, foram as que mais cresceram, num mercado que diminuiu 0,8%. Chama a atenção a ascensão da Toyota para o 4º lugar, o fez numa trilha consistente, dois compactos premium mais o Corolla Cross preenchem a capacidade produtiva da fábrica de Sorocaba e da Argentina vem uma Hilux dominante no segmento de médias e seu sucesso também desponta em outros mercados,. A fábrica de Zárate deverá ampliar a sua capacidade produtiva este ano. A marca japonesa cresceu no ano 11% (Hilux cresceu 6% no segmento de comerciais leves, que encolheu 9%).
O segundo lugar da VW no ranking de fabricantes deverá ter sido o seu último pódio. Para se ter uma ideia, em dezembro último, 49% do volume de vendas da marca alemã foi concentrado nos três modelos que deixaram de ser produzidos. Não há substituto dentro da marca para a Saveiro nem para o Voyage, então os compradores habituais do segmento, caso busquem alternativas fora da VW, terão o C3, o 208, HB20 e Argo disputando as suas preferências. O compacto da marca coreana está com menos fôlego, uma vez que a fábrica também está próxima de seu limite de capacidade produtiva. O mais provável é que a Toyota e a Hyundai disputem o 3º lugar daqui para frente, a exemplo do que fizeram em 2022.
Nos compactos, o Onix mandou um primeiro lugar no mês de dezembro, com 9.511 unidades, seguido do Gol, com 9.166, Tracker em 3º, 8.283, Onix Plus em 4º, três Chevrolet nos quatro primeiros lugares mostra uma boa reação da marca, que foi a que mais sofreu ano passado por conta dos chips. Mobi em 5º, HB20 em 6º, foram quatro suves fechando o ranking dos 10 primeiros. O novato C3 vem numa boa ascensão.
Nas picapes a Strada (foto de abertura ) liderou com folga o mês e no ano foi o modelo mais vendido do Brasil, superando os automóveis. Foram 9.169 picapes compactas da Fiat, seguida pela Hilux, surpreendente 2º lugar, com 5.783, Toro em 3º, S10, Saveiro. A tabela aponta a Ram em 10º, mas na verdade são quatro modelos distintos de picapes. No ano, num segmento que encolheu 8%, Strada subiu 3%, Hilux 6%, L200 20%, a picape feita em Catalão parece ter absorvido parte dos clientes da Ford.
Este ano teremos menos lançamentos e mais incertezas, espero que a nova administração federal veja o setor com atenção e foco, a Anfavea aponta crescimento de 4%, numa partida de ano em que as locadoras já anunciaram que comprarão 200 mil automóveis a menos. O Brasil tem muitos empregos na indústria automobilística e uma desaceleração de vendas não é desejável para ninguém.
Bom ano a todos!
MAS