Quem lê o AE sabe que não usamos a palavra etanol, ela é simplesmente banida aqui Saliente-se que nada temos contra o termo que, afinal de contas, nada mais é que o álcool etílico. Somos contra, isso sim, a mudança imposta pela Resolução nº 9 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) de 1 de abril de 2009 (governo Luiz Inácio da Silva), pela qual todos os postos de combustíveis teriam 180 dias para ter na bombas a palavra etanol no lugar de álcool, estipulando a data 11/09/2009 para a obrigatoriedade valer. Ou seja, o álcool foi rebatizado.
A ANP deveria ter esperado um dia para emitir a resolução, uma vez que todo mundo sabe o que 1º de abril significa. Mas foi verdade. Antes tivesse sido um Primeiro de Abril para valer.
Segundo a ANP. a medida visou utilizar a nomenclatura-padrão internacional para promover o biocombustível brasileiro. Só que a agência que trata especificamente de combustíveis parece não saber que combustíveis são apátridas, não têm nacionalidade. Segundo, no comércio internacional o idioma mais usado é o inglês. Não adiantaria escrever etanol, é ethanol.
Promovê-lo? Tolice pura. É como se os produtores de álcool precisassem promover um produto amplamente usado no Brasil, puro ou misturado com gasolina em proporções indecentes. E que costuma faltar na entressafra da cana-de-açúcar, exigindo importar álcool dos Estados Unidos.
Na pandemia da Covid-19 alguém viu um frasco de etanol em gel?
Na data da troca de nome o AE tinha apenas 13 meses de existência. Aquilo me deixou bastante irritado. Conversei com meus dois sócios — o Arnaldo Keller era um deles — sobre banirmos a palavra etanol do AE como protesto contra a troca de nome do produto. Ele e o Paulo Keller concordaram e assim estamos até hoje. Etanol no AE, não.
Desprezando a História
Não se mexe na História. Em 1º de junho de1933 foi criada, no governo Vargas a, autarquia Instituto do Açúcar e do Álcool l(IAA). Seus objetivos eram orientar, fomentar e realizar o controle da produção de açúcar e álcool e suas matérias-primas em todo o território brasileiro (foi extinta em 8 de maio de 1990 por decreto do presidente Fernando Collor).
Em 14 de novembro de 1975, decreto do presidente Ernesto Geisel criou o Programa Nacional do ´Álcool (Proálcool). Era uma grande e bem-vinda novidade, visto que o entendimento era o álcool substituir o petróleo, matéria-prima que tínhamos mas que supria apenas 20% das nossas necessidades, obrigando-nos a despender vultosas divisas estrangeiras para importar os 80% restantes. Isso depois que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), em questão de meses começando em 1973, quintuplicar o preço do petróleo, no que ficou conhecido Crise do Petróleo.
O xis da questão é, passados 50 anos, as gerações atuais lerem essa parte da História e não conhecerem o “velho” combustível chamado álcool, só o “novo”, etanol. Confunde.
É por isso que não se deve mexer na História. É por isso que fiquei irritado quando a ANP rebatizou o álcool . É por isso que o AE baniu o vocábulo etanol.
Automóveis a álcool
A partir de 1980 a indústria automobilística começou a produzir os carros a álcool. Havia estímulos de todo lado. De diferenciação tributária (IPI), liberdade (?) para usar o carro nos fins de semana, — a venda de gasolina passara a ser proibida nos sábados e domingos — e o preço do litro do álcool foi fixado em 50% daquele da gasolina, o que proporcionava grande vantagem financeira no custo por quilômetro.
Foi um momento tão sombrio da vida nacional que os fins de semana de vacinação contra a poliomielite eram recebidos como festa, uma vez que postos ficavam abertos. Tão sombrios que a revista Autoesporte criou uma seção chamada “Turismo de um tanque”, sugestões de roteiros de ida e volta sem reabastecimento.
A chegada dos carros a álcool, naturalmente, foi acompanhada de exaltação pela indústria automobilística marcada por identificação mediante emblemas e adesivos nos veículos onde fosse cabível. Na traseira via-se a palavra ‘álcool’ em todos. A pintura do motor costumava ser diferenciada, caso do Opala, motor a álcool amarelo e a gasolina, azul. Não raro viam adesivos nos filtros de ar indicando tratar-se de motor a álcool.
O mote “Carro a álcool, você ainda vai ter um” impregnou a mente das pessoas.
Eis então que, da noite para o dia, tais indicações passaram a não representar o que pretendiam informar devido a uma burocrática e tresloucada canetada na ANP.
E chegamos a julho de 2019, 40º aniversário do primeiro carro a álcool, o Fiat 147, que por isso mereceu uma digna comemoração na fábrica em Betim com a imprensa automobilística brasileira convidada, à qual o editor de Testes do AE, Gerson Borini, compareceu.
E agora, festejava-se o primeiro carro brasileiro a álcool e o combustível não existia mais, como fazer? Falar em álcool era descabido, falar em etanol não casava com o fato e com a história do modelo. A solução foi partir para a mistureba aleatória de termos, cortesia da ANP. Vergonhoso e ao mesmo tempo desrespeitoso num momento solene, do que a Fiat de modo algum pode ser responsabilizada.
BS
(Atualizada em 26/2/23 às 22h45, o nome etanol foi introduzido no governo Luiz Inácio da Silva)
A coluna “O editor-chefe fala” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.