Nossas fábricas de automóveis voltam a correr para debaixo da saia do governo federal, preocupadas com as importações de elétricos.
Barreiras alfandegárias para proteger a indústria nunca funcionaram. Quem não se lembra da proibição da importação de computadores nas décadas de 70 e 80? O brasileiro comprou lixo a preço de IBM. Automóveis também foram impedidos de desembarcar aqui de 1976 até 1990. Comprávamos Chevette a preço de Cadillac, até Collor declarar guerra às carroças.
Em 2012, as fábricas, assustadas com a importação de asiáticos, afastaram o fantasma convencendo o governo a impor uma sobretaxa (ilegal) de 30 pontos porcentuais no Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). Agora, novamente o pesadelo de chineses e coreanos: com seus elétricos, tiram nossas fábricas da zona de conforto com uma tecnologia avançadíssima e preços compatíveis.
Proteção jamais deu certo
Veja este primoroso texto:
“Nossa indústria não raras vezes falseia sua missão, ou produzindo artigos ruins, que não podem competir com os estrangeiros, ou aperfeiçoando as suas manufaturas, mas acompanhando o preço similar do importado. É sempre o consumidor o prejudicado e o que menos aproveita a partilha dos favores da tarifa. O protecionismo de Estado, está cabalmente demonstrado, tem produzido efeitos negativos, em relação ao aproveitamento público, porque sacrifica uma parcela da fortuna da coletividade em proveito de um grupo de privilegiados.”
Redigido em 1898 por Bernardino de Campos, nosso então ministro da Fazenda….
Idade da Pedra Lascada
Conversava outro dia com um alto executivo de uma multinacional que comentou nosso atraso tecnológico. “Ainda estamos na idade da pedra lascada. Não produzimos sequer um componente eletrônico, importamos todos os que equipam nossos modelos”. E lembrou que o desestímulo à importação sem uma contrapartida de desenvolvimento tecnológico vai novamente manter nosso atraso em relação ao mundo.
Proteção, quando se concede, é para evitar a concorrência do importado com similar nacional. Não é o caso, pois:
1 – Não se produzem híbridos plug-in nem elétricos no Brasil. E por seu alto custo e dificuldade de infraestrutura, não haverá volume que justifique sua produção local a curto ou médio prazo;
2 – A importação de elétricos, pelos mesmos motivos, é irrisória: no ano passado, não chegou a 50 mil unidades (só a metade de elétricos puros) para uma produção superior a 2 milhões. Mas é essencial para o desenvolvimento tecnológico do setor. Para a gradual nacionalização dos componentes.
O que pretende a Anfavea?
O atual imposto de importação está zerado para elétricos e de 4% para híbridos. Ela vai propor ao governo federal, nos próximos dias, um acréscimo gradual de ambos, para chegar aos 35%, que é o limite determinado pela Organização Mundial de Comércio (OMC) em 5 anos. E uma cota, de 2 a 3 mil carros anuais, sem o novo tributo. Além de um bônus para um número extra de importados — também isentos — em função do volume de fabricação da empresa. E um benefício semelhante para importados em regime CKD (completamente desmontados) ou SKD (semidesmontados).
A quem interessa a barreira alfandegária? Às fábricas que não produzem elétricos, mas temerosas de que eles possam chegar com preço reduzido a médio ou longo prazo. E concorrer com seus modelos a combustão, ou híbridos de baixa tecnologia, pois não teremos nem os plug-in nem elétricos a médio prazo.
A quem não interessa? Às que importam (ou pretendem) mas planejam produzir elétricos: Audi, Nissan, Renault, GM, GWM, BYD, que vão contribuir de fato para atualizar nossa tecnologia.
Contramão da história
O Brasil caminha rigorosamente na contramão da história: além de não conceder incentivos como outros países (de U$ 2 mil a U$ 5 mil por carro), ainda pensa aumentar os impostos dos elétricos.
A isenção tributária atual prejudica a indústria nacional? Não com os atuais (e ínfimos) volumes que desembarcam atualmente e nem a médio prazo. “Não existe escala para nacionalizarmos nossos elétricos pois nenhum fornecedor de autopeças considera uma demanda inferior a 20 mil unidades anuais” disse o diretor de uma empresa, acrescentando que, pelo custo elevado, tão cedo não se atinge este volume.
As fábricas argumentam ainda a distorção de se estimular o elétrico, pois temos solução local para a descarbonização: álcool e biocombustíveis. Uma excelente ideia que merece ser apoiada e desenvolvida como estratégia regional e que poderia até ser exportada para outros mercados.
Mas não justifica fechar fronteiras, barrar o futuro, se isentar do desenvolvimento global da eletrificação e nos transformarmos (como já foi no passado) em sucata tecnológica do mundo.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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