A JAC Motors brasileira, numa atitude ousada, típica do seu titular, Sérgio Habib, decidiu encerrar as vendas de veículos de motor a combustão e focar exclusivamente nos elétricos: presunção ou arrojo mesclado com otimismo? A mudança radical, que inclui caminhões, foi desenhada ainda em 2019, mas só foi concretizada no final do ano passado.
Na ocasião, antes de pandemia da Covid-19, Habib dizia, aos jornalistas que o procuravam, acreditar na eficácia da eletropropulsão e que isso acabaria conquistando os consumidores pela economia de operação, fator importante para empresas e frotistas em geral.
Sustentava o empresário que que caminhões elétricos em determinados trabalhos, como coleta de lixo, pelo silêncio de operação e pela total ausência de odor dos gases de escapamento durante a operação de movimentação e compactação do lixo, agradariam à população,. Além disso gerariam um sentimento de boa-vontade e admiração pela empresa dedicada a esse mister e que tais caminhões, por “dormirem” nas suas garagens, teriam as horas necessárias para a recarga de suas baterias, para o trabalho do dia seguinte, inexistindo o problema de pequeno alcance.
Gostando-se ou não de carro elétrico, é só uma questão de tempo para eles dominarem, mas não por suas características ou virtudes, e sim por imposição —, “na marra”, como se diz. Haja vista a decisão da União Europeia, que engloba 27 países, ter determinado que a a partir de 2035 a comercialização de carros com motor a combustão será proibida na região. O mesmo em alguns estados dos EUA, como Califórnia e Nova York.
Todavia, o Parlamento Europeu acaba de ceder à pressão de um grupo de países-membros, capitaneados pela Alemanha, e deixará fora dessa proibição carros abastecidos com gasolina sintética. Com esse combustível, o atual “inimigo mundial nº 1” , o dióxido de carbono (CO2) produzido pela combustão nos motores, é reduzido a níveis extremamente baixos, resolvendo o problema das mudanças climáticas tidas como causadas pelo gás.
Este vem sendo chamado erroneamente de poluente, quando na verdade é o mesmo gás que 7 bilhões de pessoas no mundo todo exalam 24 horas por dia ao expirar o ar dos pulmões. Tão “poluente” que é usado para gaseificar bebidas, até mesmo a água “com gás”, oulançar a fumaça branca em eventos festivos mesmo em ambientes fechados.
O que ocorre, diz-se, é o CO2 causar o chamado “efeito estufa”, uma capa térmica na atmosfera que impede a dissipação de calor da Terra, elevando a temperatura média do planeta e causando mudanças climáticas citadas acima. Com menos emissões de CO2 , pelo menos os automóveis deixarão de contribuir para o agravamento do efeito estufa.
Questão de custo
No caso de se restringir cada vez mais os veículos de motor a combustão em favor da propulsão elétrica, o projeto, desenvolvimento de novas tecnologias e produção de motores de combustão interna ficaria restrita a um número cada vez menor de países e, por isso, seu custo subiria. Acabaria muitas vezes nem compensando. Em cerca de 30 ou 35 anos adiante, seria tempo mais do que suficiente para o Brasil desenvolver e readequar toda sua rede elétrica para suportar a recarga de uma frota de milhões e milhões de carros elétricos.
Mas o fato é que estamos em 2023, e o Brasil ainda não está pronto para isso. E, convenhamos, as baterias, para carga total, ainda precisam de cerca de cinco ou seis horas, pelo menos, para uma recarga completa, o que acaba por limitar muito a utilidade dos veículos elétricos. Muita coisa ainda tem que acontecer para chegarmos nos níveis europeus de supercarregadores de alta potência.
A JAC Motors brasileira passar a vender só modelos elétricos desconsiderou os intermediários híbridos, caminho tomado por muitas grandes marcas mundiais como a Toyota, que tenta unir o alcance dos motores a combustão a zero emissões dos elétricos.
Mas na realidade, os híbridos não são nem uma coisa, nem outra: continha a complexidade de um motor a combustão, com seu sistema de injeção e dezenas de peças moveis, além de toda a transmissão, que se desgasta com o passar do tempo, com toda a eletrônica complicada de um elétrico puro, isso sem contar as baterias, ainda muito caras, muitas vezes mais que o preço do respectivo carro usado. Híbridos, em minha opinião, acabam sendo até uma ilusão.
Voltando a ousadia da JAC e de Sérgio Habib, diria que essa atitude é muito astuta, ele está fornecendo ao mercado brasileiro veículos que hoje ainda são nichos, e que a indústria e os veículos comerciais, principalmente grandes empresas, precisam mostrar ao país e aos seus acionistas que estão preocupadas com a questão do CO2 e por isso pagam mais para ter um furgão, van ou caminhão elétrico, sem “poluição do ar” — o CO2 não polui no sentido estrito — e contar com expressiva redução de ruído, além do menor custo de operação e da manutenção simplificada.
Uma boa estratégia de marketing do Habib, que surfa na crista da onda dos elétricos: só de 2021 para 2022, as vendas dos veículos 100% elétricos subiu 41% no Brasil, embora a base comparativa seja pequena, do total de veículos vendidos no ano passado, 2.104.462, apenas 8.441 são elétricos, ou 0,4%, E além disso, para estar “bem na fita”, a JAC ainda explora segmentos que só ela participa: vans pequenos de passageiros, vans grandes para carga ou passageiros, picape cabine dupla, furgões minúsculos para empresas pequenas, chegando aos caminhões de médio e grande porte. Tudo elétrico.
Os clientes, empresas, também ficam “bem na fita”: mostram que pensam no bem estar da população e no meio-ambiente ao adquirir um veículo comercial elétrico em vez de um a diesel. Mas esse é só um começo, afinal hoje esses tais veículos comerciais elétricos são uma parcela ínfima da grande frota nacional, que ruma para 75 milhões de veículos entre automóveis, comerciais leves, ônibus, caminhões e motocicletas, segundo o Sindipeças.
Ainda assim, para toda grande caminhada é preciso dar o primeiro passo. Temos cerca de 30 anos pela frente até o país vender só carros elétricos. O pontapé inicial? Nesse caso veio da JAC, ainda que seja muito cedo para cravar se foi ou não a melhor decisão. Alguém tinha que começar, e apostar num futuro eletrificado.
O que eu acho do carro elétrico? Nasci e me criei ouvindo o ruído de motores de combustão interna, assistindo corridas, participando delas e mexendo com carros de todas as formas. Sempre olhei com desdém para esses carros movidos só por energia elétrica.
Hoje, com quase 70 anos e andando de passageiro em diversos carros elétricos, sentindo a tecnologia atual dessas máquinas, confesso que fico maravilhado: silenciosos, suaves, e ao mesmo tempo rápidos e com acelerações brutais se necessário. Para carregar, são pouco mais de 24h ligado na tomada 220 V da garagem e está resolvido, com custo bem baixo, cerca de 70% menor em relação a um carro de motor a gasolina, pelo menos no atual preço do quilowatt·hora.
Tecnologias que ainda estão em desenvolvimento, numa velocidade assustadora na última década. Acredito que, daqui a dez anos, o carro elétrico terá superado ao nosso querido e futuramente saudoso carro com motor de combustão interna. O fato é que a velha tecnologia está tomando uma surra da ressurgida tecnologia, a dos motores elétricos e das baterias — exceto nos importantes quesitos alcance e tempo para “encher o tanque”.
Ao contrário do que aconteceu a partir da terceira década do século 20, quando no embate elétrico vs. combustão das duas décadas anteriores, com vitória do segundo pelo maior alcance e facilidade de reabastecimento com combustível líquido. Não está muito longe a vitória dos elétricos.
DM
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