Em minha última coluna neste espaço contei sobre uma concessionária recém inaugurada tocada totalmente por mulheres, e prometi que falaria mais sobre um ponto especialmente interessante neste caso: as mecânicas mulheres.
Sim, são duas na unidade da RPoint da Casa Verde, em São Paulo, e conversei longamente com ambas. Elas passaram por capacitação no Centro de Treinamento Renault Academy e no Senai. Como já mencionei no outro texto, mão de obra foi o item mais difícil de atender, segundo me contou o pessoal da RPoint e da própria Renault, mas não porque eram mulheres — o “apagão” de mão de obra é geral e atinge diversos segmentos e não apenas o automobilístico.
As duas mecânicas da concessionária da Casa Verde, Paloma dos Santos e Janaína Alexandrino, realizam serviços rápidos — a unidade não tem oficina para reparos mais extensos, como funilaria, e cada uma tem a sua área de atuação de preferência.
Janaína é mecânica há três anos. Começou na oficina da família (o pai é mecânico) e, como é comum nessa área, começou limpando ferramentas e polindo rodas. E já faço minha primeira digressão: o tricampeão de Fórmula 1 Nélson Piquet já contou em entrevistas que começou no automobilismo se esgueirando nas garagens das equipes e aceitava fazer qualquer tarefa com objetivo de aprender e de estar no meio dos mecânicos e pilotos. Um dos trabalhos que fez, em 1974, na inauguração do autódromo de Brasília, foi trabalhar no box da Brabham onde teve que limpar as rodas do carro de Carlos “Lole” Reutemann. Em 1981, quando parecia que o argentino ia ganhar seu primeiro título da categoria e estava a um ponto de vantagem de Piquet, seu câmbio quebrou. Nélson chegou em quinto e garantiu o campeonato. Wilsinho Fittipaldi contou que Lole lhe disse: “Perdi para o garoto que limpou minhas rodas”.
Bem, voltemos então à Janaína. A mecânica de veículos apareceu em sua vida por causa da família, mas não foi
Bem, voltemos então à Janaína. A mecânica de veículos apareceu em sua vida por causa da família, mas não foi sua primeira opção..
A primeira foi, pasmem, caros leitores, a necropsia. Ela trabalhou seis meses como auxiliar de necropsia, mas acabou deixando o assunto morrer (OK, o trocadilho é infame, mas não resisti) e foi para a mecânica.
Janaína tem 25 anos e gosta, mesmo, de suspensão e de carros com motor a combustão. Assim como esta escriba, curte um V-8 ou V-10
As duas são muito comunicativas (a Janaína é mais calada) e adoram seus trabalhos. Paloma tem 27 anos e trabalhou na Fiat, primeiro com agendamentos e depois com vendas. Conta, divertida, que a filha a chama de “Pereirão”, o personagem Griselda da Silva Pereira, uma mãe que cuida da casa e dos filhos sozinha depois que o marido desapareceu na novela “Fina Estampa”, de 2011. “Pereirão”, interpretada pela atriz Lilia Cabral, era conhecida por andar sempre de macacão cinza e carregando uma enorme caixa de ferramentas e por fazer todo tipo de consertos — mecânicos, de hidráulica, tudo. “Eu escolhi a mecânica e ela me escolheu”, diz Paloma.
Na RPoint as duas fazem revisões periódicas e corretivas de veículos da marca Renault, trocas de óleo e de filtros de ar, substituição de pastilhas de freio e correia dentada e consertos de câmbio.
As duas passam por algumas situações engraçadas, mas comuns em várias profissões: é comum em reuniões de família ou com amigos que alguém aproveite para tentar alguma consulta grátis. “Sempre alguém pergunta: olha, tem um barulhinho assim no meu carro, você saberia dizer o que pode ser?”. A resposta-padrão de ambas é: leva à oficina. Se for Renault, na RPoint podemos dar uma olhada.
Ambas reconhecem que sofrem bastante quando andam no carro com outra pessoa dirigindo. “Eu acabo dando dicas, não consigo me segurar. Digo, troca a marcha que está esticando demais, não faça isso, não faça aquilo…” diz Janaína. Paloma diz que faz o mesmo, não importa quem esteja ao volante, se é amigo ou não. E qual é o erro mais comum que as pessoas cometem quando dirigem? Ambas dizem que, pelo diagnóstico, quando recebem carros na oficina geralmente o que está em pior estado são os freios. É gente que freia demais e freia errado.
Como Janaína gosta de suspensão e eu sou conhecida entre meus amigos por dar poucos conselhos sobre como dirigir (embora sofra caladamente), perguntei o que ela faz quando alguém passa numa lombada com o carro “de lado”. “Eu digo, mesmo, para não fazer isso, que é besteira, que não protege o carro, ao contrário… mas é um erro muito comum”.
Ambas dizem que ainda há muito preconceito contra mulheres mecânicas, mas não ligam e dizem que está mudando, ainda que aos poucos. Maas elas passaram por uma situação constrangedora quando uma cliente mulher não quis deixar o carro na oficina quando soube que as mecânicas eram também mulheres. “Nenhuma mulher vai colocar a mão no meu carro”, disse. E foi embora para nunca mais voltar.
Mas a história mais engraçada que elas contam diz respeito a um cliente homem. A pessoa chegou à RPoint com um carro para fazer uma manutenção preventiva. Acompanhou os comentários das mecânicas e, depois de um tempo, contou. O carro era, na verdade, da esposa, mas ela, com receio de ser enganada por mecânicos homens, pediu para o marido levar o carro e dar uma olhada para ver se não iriam fazer trocas desnecessárias e, claro, cobrar por elas. No final, disse, rindo e feliz: “Se soubesse que as mecânicas eram mulheres teria dito para minha esposa trazer, ela mesma, o carro”. Da próxima vez, é ela quem virá”. E ainda elogiou o serviço.
Mudando de assunto: este vídeo me foi repassado por um amigo que sugeriu que adotássemos a menina em conjunto. A criança ficaria uma semana com cada um de nós. Nem a menina está para adoção nem eu a dividiria com ninguém – ficaria com ela só para mim tamanha a fofura dela. Vejam vocês mesmos, especialmente o lindo final:
NG
A coluna “Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora