Quando o dono da indiana Tata Motors, Ratan Tata, apresentou o Nano em 2008, uma grande placa atrás do púlpito no estande da marca no Salão de Genebra dizia “The people’s car”, o carro do povo, exatamente Volkswagen em alemão. Era e exatamente o que o Nano era, um automóvel destinado à as famílias de baixa renda, dando-lhes a oportunidade de ter um carro de verdade para transportar a família em vez de amontoá-la numa motocicleta, cena bastante comum na Índia.
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Quando Ferdinand Porsche idealizou seu volkswagen (o ‘v’ minúsculo é intencional para indicar que a marca Volkswagen estava longe de surgir em 1934), sua ideia era exatamente essa, levar as pessoas a passar da motocicleta para o automóvel . Para isso o carro do povo de Porsche não seria um carro existente em escala reduzida, mas um projetado para ser pequeno.
O sonho de Porsche chegou aos ouvidos do chanceler da Alemanha, Adolf Hitler, que comprou a ideia para um misto de aproveitá-la politicamente e por acreditar piamente nela, já que era admirador de automóveis mesmo sem saber dirigir, O chanceler vislumbrou um carro que o povo alemão “pudesse levar a família para conhecer, com conforto,, o nosso belo país nas autoestradas que estão em construção”.
O Tata Nano e o carro do povo de Porsche tinham uma denominador comum: preço bem baixo para poderem ser adquiridos pelo trabalhador. Quando o governo alemão assinou o contrato com a firma engenharia de Ferdinand Porsche para desenvolver o carro do povo, isso em 22 de junho de 1934, uma condição era que pudesse ser vendido por 1.000 marcos, preço que a Associação da Indústria Automobilística Alemã (VDA) considerou impossível. O resto da história todo mundo conhece.
Pois quando Ratan Tata anunciou o preço do Nano o mundo ficou perplexo: 2.500 dólares! Atualizando a moeda americana seriam 3.540 dólares hoje, Por um automóvel pleno, de quatro lugares. de 600 kg Fiquei bastante curioso acerca do Nano ao saber de suas características, um monovolume de 3.100/1.495/1.655 mm (comprimento/largura/altura) com o mesmo entre-eixos do Fusca, 2.400 mm. Seu diâmetro mínimo de curva é de 8 metros e o vão livre do solo, nada menos que 180 mm, como no Kwid. Pneus, 155/65R12 com rodas de aço fixadas por três parafusos.
O motor era um bicilindro transversa traselro de 624 cm³, 35 cv a 6.250 rpm e 4,9 m·kgf de 2.500 a 3.000 rpm, comando de válvulas no cabeçote, árvore contrarrotativa de balanceamento e gerenciamento do motor Bosch Motronic. Ou seja, o Nano tinha alta engenharia (leia mais sobre o Nano).
Tive oportunidade de dirigir um na Alemanha, no campo de provas da Bosch em Boxberg, 100 km ao norte de Stuttgart numa viagem técnica a convite do fornecedor para conhecer produtos futuros. Havia vários carros lá para experimentar e conhecer as novidades da Bosch e…dois Nanos, que literalmente atraíram como potentes ímãs a atenção dos cerca de 100 jornalistas. Houve fila longa para guiá-los. O carro não me surpreendeu, era exatamente o que eu esperava só de ler suas características (minhas impressões estão detalhadas na matéria com link acima).
Eu e mais dois brasileiros entramos na fila: Roberto Nasser e Boris Feldman. Ficamos admirados. Mas os indianos não.
Problemas de toda ordem, greves, protestos de agricultores pelas terras que lhes foram desapropriadas, mudança de local da fábrica,, incêndios nos carros, percepção de baixa qualidade, enfim, as vendas nunca chegaram às 250.000 unidades por ano planejadas, o pico foi 70.000/ano nos dois primeiros anos, depois queda gradual até o ponto em que sua produção se tornou inviável. Saiu de linha em 2018.
Depois dessa viagem conversei com o então presidente da Jaguar Land Rover do Brasil, Flávio Padovan, com o intuito de que conversasse com a Tata Motors, dona da JLR, no sentido de iniciarem uma operação de montagem, depois produção, do Nano no Brasil. Mas não se interessaram.
Tenho certeza de aqui daria certo. Engenharia o Nano tinha de sobra. E como seus 1.495 mm de largura e 3.100 mm de comprimento seria o carro perfeito para o Brasil — custando 3.000 dólares redondos.
E não veríamos toda esse celeuma de carro popular. Já teríamos um.
BS
A coluna “O editor-chefe fala” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.