Falei sobre este assunto na minha coluna de 30/4 deste ano, então já se vão quatro meses e meio, mas acho que vale a pena voltar a ele agora que o abuso de aumentar o teor de álcool na gasolina parece iminente.
Se há coisa que eu adoraria saber é o que se passa na cabeça dos que administram combustíveis no Brasil. Eles agem como se o país fosse deles, podem fazer o que quiserem com o vital combustível para vida do país.
São 86 anos (1937-2023) de “alcoolismo” da gasolina vendida no Brasil — é isso mesmo que você leu, 86 anos, não é erro de digitação. Começou na era Vargas (1930-1945 e 1950-1954) e não parou mais.
Em 1937 o Brasil, grande exportador de açúcar, viu os seus preços internacionais despencarem. Para não deixar a lavoura da cana-de-açúcar quebrar e advirem problemas econômicos e sociais, o governo, pelo Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), criou programa de estímulo à produção de álcool concomitante com seu aproveitamento como aditivo à gasolina, que acabou sendo de 5% a 8%.
Aditivo: o bom senso diz ser uma pequena parcela de um todo, não 27%. Os porcentuais citados no parágrafo acima são bons exemplos.
A ideia até que foi boa, pois além de substituir parte da gasolina que era toda importada então — o Brasil não importava petróleo, só os seus derivados — aumentava um pouco a resistência à detonação, fenômeno sempre a evitar em qualquer motor. E, muito importante, evitou problemas econômicos e sociais com a queda da produção de açúcar ao ter ficado difícil sua venda nos mercados mundiais.
Essa sistemática não parou mais até que, em 1982, com a chegada dos carros a álcool a partir de 1979, era imperativo aumentar a disponibilidade de álcool nos postos de combustíveis. A solução foi substituir, nos postos, a gasolina de maior octanagem de então, a gasolina azul, pelo álcool, cuja demanda crescia a olhos vistos. E, paralelamente, encerrar a produção da gasolina azul, de 95 octanas RON.
Mas a gasolina única disponível seria de baixa octanagem, 87 RON e precisava equivaler em número de octanas, à azul. A maneira mais lógica e imediata para passar toda a gasolina para 95 RON foi mediante a adição permanente de 12% de álcool, como aditivo.
Na nomenclatura internacional essa gasolina chama-se E12 (“E” de ethanol) e “12” a porcentagem de álcool na gasolina.
Longo período
Assim ficou a gasolina até 1997 (15 anos) até ocorrer o “desastre” de a gasolina passar a conter 22% ± 2% por portaria da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), criada naquele mesmo ano. irresponsavelmente ignorando a frota circulante calibrada para gasolina com 12% de álcool. Em 2004 a mistura passou de portaria a lei, 18% a 25%.
Só mesmo “forças ocultas” — é fácil adivinhar quais — explicam o aumento de álcool na mistura. Por motivos técnicos ou econômicos é que não foi. Com isso o Brasil passou a ser — e continua — líder mundial em gasolina altamente alcoolizada. Que liderança triste!
Dez anos depois (2014) a “insaciável” gasolina no seu “embebedar-se” ganhou mais 2,5% de álcool (27,5%, atualmente 27%) nas gasolinas comum e comum aditivada, ficando as premium com 25%. Diante da grita geral dos donos de carros que 25% já era fora de propósito, a Anfavea, pelo seu então presidente Luiz Moan Yabiku Júnior, proferiu a histórica e debochada recomendação: “Se o motor não funcionar bem com gasolina comum, é só abastecer com a premium”.
Agora, nove anos depois, a gasolina gritou “quero mais” e tudo indica que a mistura com 30% de álcool virá, um total descalabro e desrespeito, iniciado em 1997, a quem sustenta essa máquina executivo-legislativa e que tornou o Mercosul uma piada de mau gosto ao ser o primeiro mercado comum no qual a gasolina de um país-membro é diferente da dos outros três. E agora, com 30% de álcool, a diferença será ainda mais contundente.
A julgar pelas palavras do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, na foto de abertura, os europeus — coitadinhos — sofrem há décadas com sua gasolina E10 com 10% de álcool…
Nossa gasolina tinha que continuar a ser a E12 de 1982, mas as “forças ocultas” impediram.
O motivo propalado do aumento do porcentual de álcool na gasolina para 30% (E30) é o Brasil se engajar na “descarbonização” da atmosfera — uma colossal hipocrisia se considerarmos o aumento de consumo de combustíveis (e emissão de CO2,) e outros malefícios causados pelos dejetos viários chamados lombadas que infestam cada vez mais o país.
BS
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