Oh Lord, won’t you buy me a Mercedes-Benz?
My friends all drive Porsches, I must make amends
Worked hard all my lifetime, no help from my friends
So, oh, Lord, won’t you buy me a Mercedes-Benz?
Posso apostar que, se você conhece essa música, leu o trecho acima no ritmo certo. Possivelmente, “Mercedes-Benz” é uma das músicas mais famosas de Janis Joplin, cantora texana nascida em 1943.
Uma música suave, sem nenhum instrumento musical acompanhando a voz rouca da cantora em trechos que, como ela mesma apresenta a canção em sua introdução, descrevem seus desejos de “grande impacto social e político”.
Janis é muito lembrada por esta música, mas também pelo seu icônico Porsche 356 cabriolé psicodélico pintado por David Richards, seu amigo e membro técnico da Big Brother and the Holding Company, a banda de Janis da época. Mas, teve ela um Mercedes? Aparentemente, não.
E de onde veio a música tão famosa, que de tão simples é maravilhosa? Pelo que consta, de uma boa noite de festa no bar.
Em 1970, Janis e sua atual banda, Full Tilt Boogie, estavam se apresentando no estado de Nova York. Entre um show e outro, festas e encontros com amigos eram comuns. Em um destes eventos, no começo de agosto, Janis encontra seu amigo Bob Neuwirth, também cantor folk e que já havia trabalhado como empresário de Bob Dylan, num bar chamado Vahsen na cidadezinha de Port Chester. Bob queria que Janis conhecesse sua amiga Geraldine Page, atriz, da qual Janis era grande fã. Geraldine estava com seu marido, o ator Rip Torn (lembra do Zed, chefe do Will Smith no filme Homens de Preto?).
Durante um jogo de sinuca, eles cantarolavam umas frases que falavam algo sobre Mercedes-Benz. Eram trechos de um poema de Michael McClure, que começava com “Come on, God, and buy me a Mercedes-Benz” (vamos lá, Deus, me compre um Mercedes-Benz). Janis ficou com essa frase na cabeça.
Na mesa do bar, obviamente já com algumas rodadas de bebidas, Janis e Neuwirth ainda estavam presos nos versos de Michael. Eles começaram a improvisar algumas continuações para a frase, que fizeram sentido no contexto da ideia por trás da abertura. Bob Neuwirth anotava as frases que fluíam bem em um guardanapo do bar enquanto Janis, Rip e Geraldine cantarolavam e acompanhavam o ritmo com palmas e batidas de caneca de cerveja na mesa.
Com a letra do que começou com uma brincadeira à mesa de um bar, Janis a cantou em algumas apresentações logo após a noitada no bar com os amigos. Era uma música que pegou forte na mente da cantora.
No primeiro dia de outubro de 1970, Janis e sua banda, os Full Tilt, estavam no estúdio da Sunset Sound em Los Angeles para gravar algumas faixas do novo disco da banda, o “Pearl”, que seria um dos maiores sucessos dela.
Em meio à gravações e passagens de som, uma falha no equipamento de áudio do estúdio forçou a banda a parar por um tempo. Para um artista em meio ao seu processo de dar vida às suas criações, para Joplin, suas músicas, só posso imaginar o quão frustrante deve ser ter que interromper uma gravação quando todos estão no ritmo e em sintonia.
Janis ficou na cabine de gravação, sozinha, frustrada com a interrupção e angustiada para que pudesse voltar a cantar. Com o microfone ligado e gravando, Janis começou a bater palmas e o pé no chão, criando um ritmo constante e suave. Falou ao microfone o que seria a frase de abertura de um de seus maiores sucessos: “I’d like to do a song of a great social and poetical import. It goes like this.” (eu gostaria de cantar uma música de grande importância social e política. É mais ou menos assim.)
Na sequência, a letra que fora escrita num guardanapo de papel de um bar na pequena cidade de Port Chester por ela e seus amigos, fluía como tamanha facilidade que nenhum instrumento musical se fazia necessário, além do som de suas pulseiras balançando e sua sandália batendo no chão. Em pouco menos de dois minutos o que viria a ser um de seus maiores sucessos estava gravado, despretensiosamente, como uma brincadeira para desanuviar o clima de espera enquanto técnicos de som corrigiam o problema do estúdio.
Naquele dia, as gravações do álbum tiveram que ser encerradas, pois não havia mais tempo hábil com o estudo para dar sequência, mesmo com o problema técnico sendo sanado. A última gravação do dia foi a pequena canção que seria intitulada Mercedes-Benz.
Três dias depois da pane no estúdio que resultou na gravação de Mercedes-Benz, Janis morreria de overdose. Aquela simples canção seria a última que ela gravou na vida, e que, como homenagem ao último dia da cantora com a banda no estúdio, o produtor Paul Rothchild (que trabalhara com Crosby, Stills & Nash, The Doors e Neil Young) incluiu a faixa no disco Pearl.
MAS, E O MERCEDES-BENZ?
Além da frase original de Michael McClure, “Come on, God, and buy me a Mercedes-Benz“, atribui-se que Janis havia ficado maravilhada quando pegou uma carona em um Mercedes com seu amigo e também músico, Bobby Womack, que teve carreira como cantor e também guitarrista, tocando com a lenda Aretha Franklin.
Janis havia aproveitado uma boa carona a bordo de um Mercedes-Benz 600 novinho de Womack. Ela ficou encantada com o 600, o mais luxuoso carro da marca alemã em produção.
Em outra oportunidade, ela queria gravar uma música de Womack, e depois de um dia cheio de problemas com o namorado que vivia pedindo dinheiro, ela e Bobby saíram juntos para gravar uma música, novamente a bordo do 600. Ele tocou sua guitarra e Janis cantou. Nesta mesma noite, Janis morreria.
O 600 era um automóvel extraordinário, muito luxuoso e sofisticado. Seu grande ponto forte era o conforto, muito devido ao sistema de suspensão pneumático. Com um sistema interligado das quatro rodas, barras antirrolagem e um complexo controle pneumático, o 600 mantinha sempre a melhor configuração de rigidez para a situação corrente. Havia uma alavanca na coluna direção que dava ao motorista opção de três configurações de ajustes do sistema, do mais rígido ao mais confortável. Também havia um comando no painel para erguer o carro em 50 mm para transpor obstáculos.
O espaço interno era generoso. Se fosse a versão do 600 com entre-eixos longo, uma fileira adicional de bancos era montada virada para trás, logo atrás da posição do motorista. Bancos, vidros, teto solar, abertura de porta-malas, tudo funcionava com acionamento por sistema hidráulico. Os retrovisores tinham ajuste elétrico, uma novidade.
Para mover as 2,5 toneladas do Grosser Mercedes (o Grande Mercedes), como este modelo ficou conhecido, um novo motor foi criado. Conhecido como modelo M100, era um enorme V-8 de 6,3 litros com comando de válvulas único em cada cabeçote, e já contava com injeção de combustível Bosch, algo que a marca havia muito trabalhado nos lendários 300 SL. Com pouco mais de 250 cv, o 600 ultrapassava os 200 km/h e acelerava até os 100 km/h em pouco menos de dez segundos.
Como um dos ancestrais dos atuais Classe S, o topo de linha da Mercedes era marcado pela inovação, tradição que segue até hoje na marca. O 600 era o automóvel de escolha dos poderosos, das celebridades e da realeza (e ditadores), brigando de igual para igual em termos de luxo e qualidade com qualquer outro carro do mercado, como Rolls-Royce e Bentley.
De Elvis Presley a Kim Jong II, todos queriam um 600. Janis Joplin não foi diferente.
MB