Bugues
São inegavelmente charmosos estes bugues, principalmente para circular nos dias ensolarados de céu azul, no litoral, praias, dunas, avenidas litorâneas. De construção simples, baseados num chassi de VW arrefecido a ar (Fusca ou Brasília), com carroceria em plástico reforçado com fibra de vidro, conversíveis, fazem a alegria de quem mora no litoral, turistas atrás de curtir belas paisagens e também o sustento de centenas de “bugueiros”, profissionais destes veículos de lazer.
Um dos problemas dos bugues é a duvidosa origem de sua mecânica: além das fábricas especializadas que os constroem a partir de componentes novos, existem os “fundos de quintal” que montam verdadeiras aberrações sobre rodas, com plataformas recuperadas de acidentes (do tipo perda total), desalinhadas, empenadas, com componentes de direção, suspensão e até freios de procedência duvidosa. Que seriam reprovados em qualquer empresa de certificação veicular.
Mais grave ainda é que, apesar do ambiente festivo e toda a envolvente alegria dos passeios encantadores com vento no rosto e o céu como testemunha, eles circulam livres e soltos carregando um passageiro ao lado do “bugueiro” e mais dois ou três atrás, no “banco” sobre o motor. Um verdadeiro perigo, pois não contam com rigorosamente nenhum cinto de segurança. Por acaso (…) um item obrigatório para todos os passageiros de qualquer veículo, pelo código de trânsito vigente no país.
“Lombada” é legal ou ilegal?
Mais para ilegal, pois o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) foi muito claro no artigo 6º de sua Resolução nº 600/2016, ao especificar detalhadamente todos os parâmetros, medidas e sinalização das “ondulações transversais” nas vias públicas. Solenemente ignoradas por autoridades municipais, estaduais e federais.
A irregularidade pode ser fatal: em outubro de 2021, um motociclista perdeu o controle direcional ao atravessar um destes “quebra-molas” numa avenida central de Uberaba, bateu contra uma árvore e faleceu. Quais as consequências deste previsível acidente? O Ministério Público abriu um inquérito para investigá-lo, determinar responsabilidades, acionar a prefeitura e tomar as medidas legais cabíveis? Quem construiu o obstáculo? A própria Prefeitura ou alguma empreiteira contratada? Qual engenheiro se responsabilizou pela obra? O Crea tomou providências? A família da vítima acionou o órgão público e exigiu uma indenização?
Estas abomináveis “ondulações transversais” são construídas livre e irregularmente em todo o país, sempre fora das especificações, mal sinalizadas e danificando os veículos.
Picape “lotação”
Por falar na precariedade do bugue é no Nordeste que ele prolifera como veiculo de aluguel ou em passeios guiados. (“Com ou sem emoção, Madame?”). Uma das cidades onde ele é oficializado (necessariamente com motorista) para roteiros pelas dunas é Jericoacoara, no Ceará. Onde há restrições para a circulação de automóveis, inclusive para os turistas que chegam na cidade. São obrigados a deixá-los na periferia, em estacionamentos controlados pela prefeitura local. E como acabam de chegar nas pousadas?
É quando entram em cena as famosas “picapes-lotação”, com a caçamba de carga adaptada com bancos que carregam 6 ou mais pessoas até os hotéis no centro da cidade. Adaptação grotesca mas oficializada pela municipalidade como transporte oficial de turistas. Não se sabe a qualidade do projeto, o tipo de fixação dos bancos na caçamba, sua integridade, se o peso total está em conformidade com as limitações de fábrica e não oferecem nenhuma proteção metálica no caso de uma capotagem. E para fechar com chave de ouro a sucessão de ilegalidades, não existem cintos de segurança – exigidos por lei – para esta acintosa maracutaia que afronta nossa legislação.
Família unida… na moto
É também pelas bandas do Nordeste que se vê família inteira aboletada numa moto, em geral de baixa cilindrada, potência e que anda gemendo pela estrada. Só se vê cenas semelhantes em alguns países asiáticos típicos de Terceiro Mundo.
O pai tem um filho à sua frente, sobre o tanque. Além da mulher atrás dele, outro filho sobre o para-lama traseiro agarrado em sua cintura. Não entendi como, mas já vi dois pirralhos atrás da mãe.
Não há rigorosamente nenhum controle nem fiscalização para eliminar nenhuma destas ilegalidades cometidas impunemente no país. E os acidentes muitas vezes fatais continuam ocorrendo sem que as autoridades responsáveis tomem alguma atitude. Pois já está consagrado que, no Brasil, tem lei que pega e que não pega…
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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