Na linguagem popular, “inventar moda” tem sentido de criar algo desnecessário embora revestido de boas intenções. No trânsito nosso de cada dia isso tem sido comum por essas bandas faz tempo.
Até onde minha memória alcança, tudo começou com a criação das ondulações transversais — vulgo lombadas,— bem no começo dos anos 1980, em Curitiba, na avenida que leva ao aeroporto internacional Afonso Pena no vizinho município São José dos Pinhais, moda inventada pelo prefeito Jaime Lerner, que era professor, arquiteto e urbanista. O resultado todo mundo sabe, a “moda”, tal qual um câncer, deu metástase e hoje infesta o país, tornando o dirigir uma autêntico e preocupante inferno..
Tanto isso é fato que no Código de Transito Brasileiro (CTB), promulgado há 26 anos, diante de crescimento absurdo e descontrolado do que eu chamo de dejetos viários, traz:
“Art. 94. Qualquer obstáculo à livre circulação e à segurança de veículos e pedestres, tanto na via quanto na calçada, caso não possa ser retirado, deve ser devida e imediatamente sinalizado.
Parágrafo único. É proibida a utilização das ondulações transversais e de sonorizadores como redutores de velocidade, salvo em casos especiais definidos pelo órgão ou entidade competente, nos padrões e critérios estabelecidos pelo CONTRAN.”
Obviamente, não havia tantos “casos especiais” que requeressem a construção de lombadas, tampouco os padrões e critérios estabelecidos pelo Contran são seguidos pelo órgãos responsáveis pelas vias na quase totalidade dos casos. Portanto, uma “moda inventada” que trouxe enorme prejuízo à circulação de veículos e suas conhecidas consequências como desgaste dos veículos, danos, aumento do consumo de combustível e até acidentes fatais.
Outra moda inventada e correlata é a das faixas de travessia de pedestre elevadas, as lombofaixas, absolutamente desnecessárias e que criou dois tipos de faixa de pedestres;, o que é impróprio em nome da segurança. E há outra, a dos semáforos com indicação de tempo em formato digital ou por luzinhas, novamente fugindo da imprescindível uniformidade, sempre pensando na segurança do trânsito.
Já comentei em outras ocasiões que a sinalização vertical e horizontal tem que ser rigorosamente a mesma em TODO o país, Dei o exemplo da sinalização de solo nos aeroportos, obrigatoriamente a mesma no mundo inteiro. É fácil imaginar o problema e a confusão — e risco — se cada aeroporto criasse sua própria sinalização.
É como as partituras musicais, únicas para que qualquer músico possa lê-las e executar o que elas determinam..
A mais recente moda inventada
O leitor ou leitora deve imaginar de que se trata: a faixa azul para motociclos na capital paulista.. Como eu disse na primeira linha deste texto, a intenção é ótima, evitar acidentes e suas consequências — ferimentos e óbitos dos operadores desses veículos.
A Prefeitura, pelo seu órgão que controla o trânsito, da capital, a Companhia de Engenharia de Tráfego, se vangloria de nenhuma morte ocorrida no primeiro ano da faixa azul — como se todos os motociclos da cidade rodassem apenas nelas.
A faixa azul esbarra justamente no que eu disse acima, a falta de uniformidade da sinalização horizontal. Não é na cidade inteira que a faixa azul existe, muito menos em todo o país. Desse modo, aqueles motociclistas que habitualmente se arriscam achando que são imortais, continuarão a perder a vida ou a se ferir gravemente.
A faixa azul é em si mesma uma aberração pelo simples fato de só existirem em determinadas vias. Mesmo que venham a se expandir, como anunciado há três dias pelo Ministério dos Transportes, será impossível serem implantadas em TODAS. As consequências funestas disso são os motociclistas terem dois tipos de vias para usar e continuarem a pilotar com risco.
Sem contar a possibilidade de um carro mudar de faixa — não é proibido se as linhas demarcatória não forem contínuas — e cruzar a faixa azul. Portanto, o motociclista na faixa azul NÃO está numa faixa segregada, apenas demarcada, e o risco de acidente continua como se ela (a faixa azul) não existisse,
O fato irrefutável é que esse problema de motos x carros não existiria se as faixas de rolamento tivessem a largura determinada no Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias da Prefeitura de São Paulo elaborado pela própria Companhia de Engenharia de Tráfego, em que passar entre duas fileiras de carros não representa o menor perigo desde que em velocidade compatível com a segurança. — a velocidade máxima regulamentada da via ou até 20 km/h se as colunas de carros estiverem paradas.
Nos dois casos, a retirada do tachões catadióptricos (refletem a luz dos faróis) é imperativa, golpeá-los com as rodas é incômodo, danifica os pneus e torna eventual freada perigosa.
O (benéfico) efeito colateral da volta das faixas à largura regulamentar é possibilitar, com ligeiro afastamento dos carros para os lados, a passagem de veículos de emergência, como ambulâncias, em vez da cena comum de vê-los presos, imobilizados com suas sirenes soando desesperadamente.
Para provar o que afirmo, basta o leitor ou leitora pegar a av. 23 de Maio na praça das Bandeiras, no vale do Anhangabaú, rumo ao aeroporto de Congonhas, que tem a faixa azul, e continuar no mesmo rumo pela av. Rubem Berta, que não a tem, e constatar que a distância entre as filas de carros em movimento — o “corredor” — é mais que suficiente para um motociclo passar com total segurança (foto de abertura).
Não é preciso inventar moda, especialmente quando o assunto é trânsito.
BS
A coluna “O editor-chefe fala” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.