O projeto do Volkswagen estava atrasado e isso complicava a vida do Führer cujas promessas feitas nos Salões do Automóvel e da Motocicleta (IAMA) de Berlim não seriam cumpridas nem nos salões seguintes devido aos atrasos que o projeto estava sofrendo. O relato que se segue se deu em 1937, um ano antes da apresentação do protótipo definitivo do Volkswagen.
Na abertura do IAMA de 1937, em 21 de fevereiro, Hitler ainda não havia nenhum Volkswagen para mostrar e, portanto, teve que recorrer a chavões em seu tradicional discurso de abertura do evento. Ele repetiu o que já havia dito de forma semelhante em anos anteriores:
“Antes de chegarmos ao poder, havia um carro para cada 100 habitantes. Hoje, há um carro para pouco mais de 50. Mas se considerarmos que na América do Norte, por exemplo, já existe um carro para cada cinco habitantes, em média, essa comparação deve nos fazer perceber ainda mais a magnitude da tarefa que ainda temos pela frente.
Não é preciso dizer que a tentativa de solucionar essa tarefa só será bem-sucedida se conseguirmos produzir um carro que atenda às nossas necessidades em termos de tecnologia de transporte, assim como deve ter um preço adequado à situação econômica dos milhões de potenciais compradores na Alemanha.”
Hitler continuou: “Eu gostaria agora de contrapor esses sucessos que foram alcançados ou, de qualquer forma, os fatos que foram realizados e confirmados, com as tarefas que ainda precisam ser resolvidas para o futuro.
1. Agora é necessário garantir os pré-requisitos finais para a produção do novo Volkswagen e, em seguida, começar com a produção.
2. Para este fim, é necessário proceder à revisão de todas as condições que oneram ou aumentam o custo de produção e manutenção deste automóvel. Por exemplo, também é uma situação inaceitável a que um emaranhado de regulamentações burocráticas onere tanto a construção de garagens que no final das contas o aluguel de um box para carros fique mais caro do que o aluguel de um quarto mobiliado.
3. Também é necessário fazer com que a própria indústria automobilística alemã tenha uma compreensão clara da tarefa que lhe cabe, ou seja, limitar os tipos de veículos dentro dessa economia àqueles que permitem a lucratividade das fábricas sem forçá-las a competir entre si pelos tipos individuais que, se produzidos com sucesso por uma fábrica, serão adotados por todas, mas levarão ao fracasso geral em pouco tempo”.
“Só pode haver um Volkswagen na Alemanha, não dez. Mas entre o próximo Volkswagen e os carros topo de linha, haverá um grande grupo de outras classes de carros que correspondem ao avanço econômico dos compradores. O propósito e o objetivo da produção dessas marcas intermediárias não pode ser atingir o preço do Volkswagen por meio de um design primitivo, mas atrair para si a parte dos antigos compradores do Volkswagen que, graças à sua própria ascensão econômica, sejam capazes de se tornar compradores de classes mais altas de carros por meio de uma melhoria contínua das marcas.”
Vários fabricantes de automóveis alemães descobriram a seriedade do Chanceler do Reich quando afirmou que só poderia haver um Volkswagen. O exemplo mais flagrante foi a empresa Ford. Em junho de 1934, a Ford apresentou seu “Ford-Volkswagen” (foto de abertura). O grupo especializado da indústria automobilística da União da Indústria do Reich anunciou então que o termo “Volkswagen” foi cunhado por Hitler na IAMA e foi reservado para o projeto VW e, portanto, não se aplicava ao modelo Ford com seu preço de 1.990 RM. A Ford foi “explicitamente solicitada” a mudar o nome de seu carro.
Ao fazer isso, Hitler claramente colocou em seu lugar todo o setor automobilístico, que ele considerava um fracasso por causa da desilusão que causaram ao Führer com a sua retirada do projeto de desenvolvimento do Volkswagen que acabou ficando a cargo somente do III Reich. Ele enfatizou expressamente que não estava disposto a tolerar nenhuma concorrência ao Volkswagen.
Eu procurei uma foto do Führer na IAMA de 1937 e encontrei no anúncio de venda do exemplar de 1 de março de 1937 da revista Motorwelt do DDAC – Deutscher Damen Automobilclub e.V. – Clube Automobilístico Feminino Alemão e.V. fundado em 1926, um clube dedicado a mulheres autoentusiastas! Por mais incrível que possa parecer já naquele tempo, quando automóveis eram uma exclusividade dos muito ricos, já havia um clube feminino que tinha até uma revista impressa.
A foto do Führer na IAMA de 1937 que encontrei está publicada acima, está na página 6 deste exemplar da Motorwelt que era a segunda edição dedicada à IAMA daquele ano. Na mesma página foi publicado a parte itemizada do discurso de Hitler:
Curiosamente a revista, em si, era publicada em caracteres góticos, como habitual naquele tempo, mas o quadro com a parte do discurso em questão foi publicado em caracteres modernos.
O DDAC existe até os dias de hoje e faz parte do Automobilclub von Deutschland – Automóvel Clube da Alemanha!
Eu pesquisei esta matéria no livro “Die Käfer-Chronik – Die Geschichte einer Autolegende” – A crônica do VW Käfer – A história de uma lenda do automobilismo do Dr. Bernd Wiersch, sendo que o meu exemplar está autografado por ele.
Ele me deu um grande apoio para o lançamento do Dia Mundial do Fusca e foi um dos três que assinaram a declaração da Bad Camberg. Os outros dois foram o saudoso Willi Lottermann e eu.
Uma curiosidade: a tese de doutorado do Dr. Wiersch foi sobre a história da Volkswagen. Por muitos anos ele foi o curador do AutoMuseum Volkswagen.
Sobre a “paternidade” da palavra “Volkswagen”
Nos livros encontra-se referência ao uso desta palavra já na época da Primeira Guerra Mundial, quando crescia o clamor por carros mais acessíveis. Mas nesta matéria vimos que a versão oficial do III Reich é que este termo foi uma criação de Hitler durante um dos IAMAs. Mas há outros pretendentes a cunhadores deste vocábulo, como o Josef Ganz que afirmava que ele tinha “soprado” esta denominação para o Führer…
AG
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