Vou começar pelo problema que me levou a ser abençoado por um milagre, quando tinha apenas seis anos. Tudo começou quando, certa manhã, ao me olhar no espelho vi, o branco dos meus olhos banhado por um vermelho-sangue. Foi um horror que jamais esqueci.
Não ardia, não doía, não atrapalhava a visão, mas era horrível aqueles olhos vermelhos que me assustavam e também às pessoas que olhavam para mim.
O médico em Ponte Nova, distante 183 quilômetros de Belo Horizonte, MG, não soube explicar o que acontecia. Meus pais me levaram ao Rio de Janeiro e lá os médicos também não encontraram resposta para o problema.
De volta a Ponte Nova, onde residíamos na Usina Santa Helena, do extinto IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), equivalente ao IBC (Instituto Brasileiro do Café), voltamos ao médico local que propôs à minha mãe uma ida ao Santuário N.S. das Graças, em Urucânia (24 km distante), onde o padre Antônio Ribeiro Pinto (foto de abertura), realizava milagres. E se colocou à disposição para levar, a mim e minha mãe até lá.
Em uma determinada madrugada, o médico e sua esposa chegaram lá em casa a bordo de uma “perua” Ford 1947 Woodie (carroceria de madeira), pois antigamente ainda não eram suves, com motor V-8 Flathead (cabeçote plano), que esquentava um pouco além da conta, com alavanca de câmbio (de três marchas) na coluna de direção e três fileiras de bancos. E fomos até à cidade vizinha, que também era banhada, como Ponte Nova, pelo rio Piranga, onde passei belas tardes pescando e comendo melancia que deixávamos dentro d’água, antes de irmos para a escola, para ficarem geladas no final da tarde. Ficavam deliciosas!
Não lembro bem da viagem, pois dormi bom tempo naquele banco traseiro enorme (tão grande quanto os demais). Mas lembro bem daquela visão, assustadora mesmo, para um garoto de seis anos: um mar de gente.
Deixamos a “perua” e fomos para o meio da multidão. Lá na frente, segundo minha amada mãe Olinda relatava, o padre Antônio, num enorme tablado, fazia orações.
Clique nas fotos com o botão esquerdo do mouse para ampliá-las e ler as legendas
Em um determinado momento, ele anunciou: quero ver aquele menino que está com problema nos olhos vermelhos.
— É o Francisco! Gritou minha mãe, já me puxando, literalmente, em direção ao tablado.
Lá chegando, padre Antônio afirmou que me curaria. Colocou suas mãos nos meus olhos e começou a falar em uma língua que só reconheci, anos depois, quando estudei Latim com o professor Antônio Vietti, que tinha uma bela moto Triumph, marrom.
Ao terminar a oração, padre Antônio recomendou que eu só abrisse os olhos quando ele avisasse.
Minha mãe, ansiosa, nunca esquecerei, apertava minha mão e dizia que não abrisse os olhos.
Quando veio o aviso do padre Antônio “menino, pode abrir os olhos” eu vi as pessoas à minha volta se ajoelhando, minha mãe chorando e eu agoniado sem saber o que estava acontecendo.
Foi quando alguém me passou um daqueles espelhos redondos que fazia dupla com o pente “Flamengo” (quem lembra?) e pude enfim ver o que todos comemoravam: eu estava curado! O branco dos meus olhos voltou à cor original.
A volta foi uma delícia, prestei atenção em cada detalhe daquele carro lindo que me levara até o padre Antônio. Nós, moradores da usina (eram sete casas para os funcionários administrativos), quando íamos à cidade, o fazíamos em uma jardineira, não muito confortável e muito barulhenta. Andar naquele carro com um banco só para mim, foi outro milagre.
Nunca mais o branco dos meus olhos ficou vermelho!
CL
Agradeço ao amigo e jornalista Jason Vogel a cessão das fotos do veículo, do seu acervo, para esta matéria.
A coluna “Histórias & Estórias” é de exclusiva responsabilidade do seu autor..