Muito se tem ouvido de reclamações de assistência técnica de marcas chinesas chegadas há pouco aqui. Não vou entrar no mérito delas, mas falar de outro lado da questão. Para isso é preciso voltar alguns anos na história.
Quando Heinz Nordhoff, ex-executvo da Opel encontrava-se desempregado terminada a Segunda Guerra Mundial, foi indicado pela forças de ocupação inglesas para dirigir a fábrica Volkswagen. Tinha 49 anos. Na Opel, o engenheiro Nordhoff cuidava da área de assistência técnica ao produto, com especial atenção à literatura técnica. Depois, pouco antes da guerra, foi promovido a gerente da fábrica de caminhões.
Ao assumir a direção geral da fábrica VW em janeiro de 1948, Nordhoff encontrou um cenário muito distante do ideal no que dizia respeito à organização de vendas, que ele conhecia bem dos seus anos de Opel — maior fabricante de veículos na Alemanha antes da guerra — e tratou de pôr ordem na casa fortalecendo a rede de concessionárias, inclusive com foco especial na assistência técnica — pos-vendas, como é chamada hoje, Até então a “rede” VW na Alemanha resumia-se a seis concessionárias.
Uma das medidas que ele tomou foi, por ocasião da nomeação de uma concessão para comercializar o produto, até então restrita ao sedã Volkswagen, condicionar o recebimento dos carros às instalações da assistência técnica segundo os ditames da fábrica. Isso incluía ferramentas genéricas e especais, equipamentos de oficina e mecânicos treinados na fábrica, Outa exigência era a constituição de um estoque inicial de peças determinado pela fábrica. Só depois de atendidos todos os requisitos começava o faturamento de carros.
Certamente não foi só isso que fez o sucesso da Volkswagen — sem um bom produto, de nada adiantaria — mas que foi fator inequívoco para a conquista do consumidor e o do mercado, sem dúvida. É como o velho adágio daqui: “Em toda cidade do interior há igreja, campo de futebol e agência Ford”.
Tive experiência com esse “modo Volkswagen” quando a concessionária Vemag da qual eu era sócio passou a representar a Volkswagen. Tivemos que atender às mesmas exigências estabelecidas pela filial brasileira antes de podermos iniciar a comercialização de veículos.
“Invasão”
Militarmente falando, invadir um país é fácil, difícil e sustentar posição (foto ilustrativa de abertura) Mudando o objeto para automóvel ocorre o mesmo. Fabricantes chinesas, com todo o direito, invadiram o Brasil sem antes se organizarem na questão comercial com aquilo que Heinz Nordhoff preconizou 75 anos atrás. Estranho, pois sabidamente a China é uma potência econômica, com sua indústria automobilística pujante.
Sendo justo, hoje é bem mais difícil, a começar um rede de concessionárias do zero pelo custo dos imóveis ou sua locação. Difícil mas não impossível: quando a Fiat lançou o 147 em setembro de 1976 havia 50 concessionárias-padrão totalmente operacionais, prontas para funcionar ou seja, equipadas, pessoal treinado e estoque de peças inicial. Mais, havia uma frota de carros assistenciais, todos 147 Furgoneta, dirigidos por um técnico-mecânico, com peças essenciais e literatura técnica completa. Tudo para enfrentar grandes redes de concessionárias como Volkswagen, General Motors e Ford, esta reforçada pela rede Willys-Overland após adquirir a fabricante em 1968.
A própria Volkswagen, ao aportar timidamente nos Estados Unidos em 1949, tratou de construir uma rede de concessionárias, estabeleceu logo uma filial ocupando dos quartos de um hotel, ajudada pelo mesmo esquema que a Fiat adotaria aqui, Kombis Furgão repletas de peças conduzidas por técnicos alemães que tinham a barreira do idioma, problema que a Fiat não teve.
O mercado está acostumado com as redes de concessionárias Audi, BMW, CAOA Chery, Chevrolet, Honda, HPE (Mitsubishi e Suzuki), Hyundai, JAC, JLR (Jaguar e Land Rover), Mercedes-Benz, Nissan, Renault, Stellantis (Citroën, Fiat, Peugeot, Ram), Toyota, Volkswagen e Volvo.
As fabricantes chinesas como BYD e GWM devem repensar seu modo de operação no Brasil. Ter futuras fábricas aqui (Camaçari e Iracemápolis, respectivamente) é ótimo, mas de nada adiantará se não for formada uma rede de concessionárias sólida e eficiente para sustentar posição, pois o mercado não perdoa; só bons produtos não basta. E como carro parado por falta de peça é inadmissível, urgem forças-tarefas de ambas para resolverem este problema antes de mais nada. E antes que seja tarde demais.
BS
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