Há quatro anos escrevi aqui neste espaço sobre a Shell Eco-Marathon. O objetivo, segundo a própria Shell, é capacitar uma próxima geração de líderes em energia, dentro de uma filosofia de ajudar a alcançar um futuro energético mais limpo. Pessoalmente, o que achei mais interessante deste desafio é que ele é voltado para estudantes. Em resumo, é um programa de engenharia de eficiência energética para estudantes do mundo todo com a ambiciosa meta de “ultrapassar os limites do que é tecnicamente possível e inspirar os jovens a se tornarem cientistas e engenheiros líderes em futuras soluções energéticas”, conforme diz a empresa (ver minha nota no final).
Para participar deve-se estar regularmente matriculado numa universidade ou numa instituição de ensino médio – mas já anunciaram que, a critério de cada instituição, alunos recém formados poderão fazer parte dos grupos. São diversas provas simultaneamente, mas sempre ganha o veículo que vencer a mesma distância gastando menos combustível dentro de sua categoria.
O programa Eco-marthon é, na verdade, uma plataforma para que equipes de ensino médio e universitário explorem todos os aspectos do design e da tecnologia e usem suas habilidades em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, science, technology, engineering e mathematics ou, numa tradução livre, “ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Basicamente, é um sistema de aprendizado científico que inclui esses quatro campos do conhecimento) para construir seus próprios carros com ultra eficiência energética.
Continuo achando esta uma excelente iniciativa e, assim como há quatro anos, me dá uma ponta de esperança nas gerações mais jovens depois de ver no meu dia a dia tanta falta de conhecimento e de curiosidade para descobrir e inventar coisas. E não apenas no segmento automobilístico — é desanimador ver como há uma total falta de interesse em praticamente tudo.
Este ano a 39º Shell Eco-marathon terá três competições regionais, nas quais cada uma recebe um Campeonato Regional e dois eventos locais. Eles acontecem nas Américas, na Europa e na região África, Ásia-Pacífico e Oriente Médio e os eventos locais no Brasil e na China. No Brasil, haverá competições locais no Píer Mauá, no Rio de Janeiro, de 27 a 30 de agosto deste ano. De 3 a 7 de abril realizou-se a fase Américas de competições regionais, no emblemático Autódromo de Indianápolis, nos Estados Unidos.
Para aqueles que já leram minha coluna sobre este assunto de quatro anos atrás, a Gabi Ackermann voltou a participar com a equipe da Universidade Mackenzie. Mas hoje, aos 24 anos, ela é a veterana do grupo… Ela, mais uma vez, competiu na categoria Protótipos Elétricos, mas nesta primeira fase a equipe MeckMack, do Mackenzie, teve problemas de freio e com a catraca da roda traseira. A equipe Milhagem UFMG, da Universidade Federal de Minas Gerais foi a melhor classificada na categoria, com um 15º lugar. A equipe da Gabi, com todos esses problemas, ficou em 19º lugar de um total de 28 equipes. É claro que estou na torcida para que a equipe consiga se recuperar nas próximas provas.
A boa notícia é que em Indianápolis havia 4 equipes brasileiras — duas de protótipos elétricos e duas, a combustão. Para este ano foram feitas algumas modificações no regulamento, como a que agora permite que uma mesma equipe possa ser formada por alunos vindos de duas escolas diferentes. Também foram autorizadas mudanças no nome das equipes e, assim, eles podem construir a própria marca.
Cada equipe pode escolher entre duas classes de veículos:
– Conceito Urbano: veículos que têm características de carros de rua (sempre com 4 rodas)
– Protótipo: veículos leves e ultra eficientes (geralmente de 3 rodas)
As equipes também devem então escolher entre três categorias de energia:
– Motor de Combustão Interna (gasolina, diesel ou etanol)
– Bateria elétrica
– Pilha de combustível a hidrogênio
Cada instituição de ensino pode matricular um máximo de dois veículos para qualquer evento da Shell Eco-marathon, desde que sejam de diferentes classes de veículos e diferentes categorias de energia.
Ainda, as competições globais podem ser:
– Competições em pista – são aquelas em que as equipes trazem veículos que projetaram e construíram para um local físico. As equipes pilotarão e competirão pelo melhor resultado de eficiência energética em sua classe de veículo e categoria de energia contra equipes de instituições acadêmicas de sua região.
Dentro das competições em pista, há também vários tipos diferentes:
– As competições Challenger são eventos locais concebidos como um desafio inicial para novas equipes, mas também uma oportunidade para que equipes experientes ajustem seus veículos.
– As competições regionais reúnem as melhores equipes de uma região para um desafio altamente competitivo, com um processo seletivo mais rigoroso.
– World Championship Series: uma corrida que combina eficiência energética e velocidade no mundo real, exclusiva para equipes da categoria Conceito Urbano com os melhores resultados nas três provas regionais de uma temporada.
Especificamente dentro do segmento de tecnologia autônoma, há duas competições:
– Competição de Programação Autônoma – desenvolvida em parceria com o Southwest Research Institute (SwRI). É resultado de consultas e feedback de equipes de todo o mundo para oferecer uma opção acessível a mais alunos, reduzindo barreiras financeiras e enfatizando mais áreas de especialidades STEM, como programação de computadores. Nesta competição, os participantes são desafiados a desenvolver algoritmos de planejamento de trajetória, percepção e controle para um veículo autônomo virtual usando o Sistema Operacional do Robô. (ROS)e depois testá-lo num ambiente virtual. Este é um desafio totalmente virtual que convida equipes de todo o mundo a desenvolver
– Competição de Conceito Urbano Autônomo – esta competição é para que as equipes levem seus carros para o próximo nível. As equipes têm de considerar a aplicação de tecnologia autônoma ao seu veículo Conceito Urbano para superar uma série de desafios.
Há ainda competições regionais de quilometragem, projetadas para que equipes experientes ultrapassem limites, incentivando a inovação e as novas abordagens para uma maior eficiência energética. Essas competições são maiores e têm entre 80 e 150 equipes para cada competição.
Entre as equipes brasileiras em Indianápolis, a Drop Team, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Erechim foi quem teve os melhores resultados na categoria protótipo motor a combustão interna (foto de abertura). Ficou em terceiro lugar na competição com um motor a combustão que atingiu 706,5 km/l. Em quarto lugar, na mesma categoria, ficou a equipe da Universidade Tecnológica Federal do Paraná com o genial nome de “Pato a Jato” formada por acadêmicos da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), campus Pato Branco, que também conquistou o segundo prêmio na categoria Safety Award [prêmio de segurança], recebendo o valor de US$ 750 (R$ 3.958 na conversão direta).
O objetivo do Drop Team (drop em inglês e gota — de combustível…) é, declaradamente, desenvolver o primeiro veículo brasileiro com eficiência de 1.000 km por litro de gasolina, estabelecendo um recorde no país. Eles participam há anos da Shell Eco-marathon e no ano passado na categoria de motores de combustão interna conquistaram o tricampeonato na categoria Protótipos ao alcançar a marca de 716 km/litro. Para se ter uma ideia, essa eficiência equivale a percorrer a distância de São Paulo a Florianópolis com apenas um litro de gasolina. Na categoria de Bateria Elétrica, a equipe ARMAC Milhagem UFMG BH se consagrou campeã pelo terceiro ano consecutivo, estabelecendo um novo recorde de 367 km/kW·h, o melhor de todas as edições brasileiras.
A Shell Eco-marathon começou, a rigor, em 1939 quando Bob Greenshields, então diretor de Pesquisas da Shell, fez uma aposta com seus colegas para ver quem conseguia obter a maior economia de combustível dos automóveis de rua adaptados para maximizar a eficiência energética. Bob alcançou os 20,5 quilômetros por litro de combustível, estabelecendo então um recorde, algo que hoje parece incrivelmente baixo de tão rápida que tem sido a evolução nesse quesito. Mas pode ser ainda mais, no que depender dos estudantes da Eco-marathon.
O desafio na forma como é hoje foi lançado oficialmente em 1985, quando 25 equipes se reuniram na França para disputar a prova no formato que é conhece hoje, ou seja: a velocidade média deve ser de 25 km/h para todas as categorias, o tempo é igual para todos e varia em função da pista, mas não há uma velocidade máxima. Na pista, estão todos juntos, protótipos elétricos, a gasolina, a álcool e os urbanos. Ultrapassagens, claro, são permitidas, mas deve-se buzinar primeiro (como escrevi há quatro anos, ainda acho esse detalhe deveras engraçado). Cada veículo tem direito a dar várias voltas durante vários dias e isso varia dependendo da pista. Mas se velocidade não é a parte mais emocionante da corrida, a tomada de curvas, as ultrapassagens, são — além, de, é claro, todo o desenvolvimento do veículo. Há dois pilotos por carro, mais um funciona como “reserva”.
O que continua me impressionando é que essas turmas fazem um carro desde o zero — e aos 20 anos! São garotos universitários que têm que criar praticamente tudo, como o controlador, a placa que vai ligada no motor, etc. Vale a pena dar uma olhada no meu texto anterior, onde conto alguns dos desenvolvimentos de uma das equipes. Dá uma enorme esperança nessa geração.
Mudando de assunto: caríssimos leitores. Darei a vocês uma pequena folga das minhas escrevinhações. Volto com minha coluna no dia 29 de maio com muitas novidades.
NG
Nota da autora: Sei que esta matéria está carente de fotos. Para minha surpresa, não encontrei fotos da prova de Indianápolis deste ano na internet, e surpresa ainda maior, a de nada encontrar no site da Shell Brasil e tampouco a área de imprensa dela ter fotos do importante evento. Peço desculpas aos leitores, pois esta é o tipo de matéria que requer foto em profusão.
A coluna “Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora.