As aberrações do Congresso Nacional não deveriam ser motivo de espanto dos brasileiros. Afinal, somos nós mesmos que colocamos na Câmara e no Senado um bando de ignorantes e corruptos.
Em pleno “Maio Amarelo” — campanha que objetiva a paz no trânsito — a deputada Carla Zambelli (PL/SP) zombou da segurança e apresentou o Projeto de Lei (2002/2024) que sugere aumentar o número de pontos necessários para a suspensão do direito de dirigir do motorista profissional.
Trocado em miúdos, a deputada quer conquistar a simpatia (e os votos) de milhares de condutores de caminhões, ônibus e táxis “facilitando” sua vida ao dificultar que tenham a habilitação cassada pelo excesso de infrações cometidas ao volante.
O projeto prevê aumentar para 80 pontos o limite para que o condutor com EAR (que exerce atividade remunerada) na Carteira Nacional de Habilitação seja suspenso de dirigir. Qualquer que seja a gravidade da infração cometida. E ainda o desobriga (fica “facultado”) de participar do curso preventivo de reciclagem se atingir (durante 12 meses) 70 pontos, obrigatório pelo Contran.
As explicações da deputada são as mais simplórias e singelas. E da maior irresponsabilidade. Ela diz que o profissional acumula pontos por infrações cometidas com “muita facilidade devidos aos radares espalhados pelas ruas”. E lembra que, em 2020, “o Congresso aprovou a elevação do limite de pontuação para os motoristas com EAR de 20 para 40 pontos (independente do tipo de infração), mas essa mudança ainda é insuficiente, pois devido à quantidade de horas que dirigem, eles estão mais vulneráveis, mais expostos à fiscalização e, consequentemente, às infrações”.
Hoje, o motorista “amador” também tem sua habilitação suspensa com 40 pontos, mas a punição pode ser aplicada aos 20 ou 30 pontos caso cometa infrações classificadas como “gravíssimas” pelo código de trânsito, o que não se aplica aos profissionais.
É inacreditável um raciocínio tão paradoxal como o desta deputada, pois cabe exatamente ao motorista profissional um comportamento exemplar nas vias públicas. Só é penalizado com multas (em reais) e pontos (no prontuário) quem desrespeita a legislação, não se importa com as regras básicas de trânsito e coloca em risco a vida de outros motoristas, pedestres e a dele próprio.
Num país como o Brasil, terceiro lugar no trágico ranking de mortes no trânsito (perde para a China e Índia que têm mais de um bilhão de habitantes), são válidos quaisquer esforços e ações para tentar reduzir essa catástrofe rodoviária.
A inoperância das autoridades governamentais diante de um problema grave como este é total. Segundo Davi Duarte, presidente do Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito, “não sai do papel o Programa Nacional de Redução de Mortes no Trânsito….estamos perdendo o jogo na questão do trânsito”.
Curiosamente, políticos e jornalistas costumam se referir aos radares que registram o excesso de velocidade como “Indústria da Multa”. Não deixam de ter razão em alguns casos. Em trechos, por exemplo, que não apresentam nenhum perigo de se desenvolver velocidades mais elevadas. Mas, a rigor, a lei deve ser cumprida e o que se criou no Brasil, segundo Alysson Coimbra, médico especialista em tráfego, foi uma “Indústria de Infratores”. Ele afirma que a proposição de um projeto como este da deputada Zambelli “é o reflexo do desmonte da segurança viária implantada a partir de 2018, com a flexibilização de diversas regras de trânsito. Essa mudança – diz ele – busca favorecer o comportamento infracional aos portadores da CNH, em detrimento da segurança viária de todos”.
Ele sugere que “é hora de a maioria da população, justamente a que não possui CNH, se levantar contra essas ações de cunho político que ignoram os riscos e consequências para a coletividade”.
Palmas para o Dr. Alysson. Mas vale lembrá-lo de que a receita para que a população se levante contra essas ações deve ser dirigida aos seus representantes no Congresso. Que não são um exemplo de bom comportamento. Na semana passada, colegas da deputada Zambelli, exatamente da Comissão de Ética (vejam só…), se engalfinharam no plenário da Câmara com tapas, tabefes e empurrões para protestar contra o arquivamento de um processo contra um parlamentar acusado de praticar a “rachadinha” em seu gabinete.
Na mesma semana, os deputados aprovaram o Projeto Mover para incentivos à indústria automobilística. Mas, encaixado em um de seus artigos, a taxação de imposto alfandegário de 20% na importação de “blusinhas”. O tal “jabuti” para proteger as empresas nacionais da concorrência chinesa. Assim opera nosso Legislativo.
Não se vê nenhuma preocupação, de parlamentar nenhum, com o verdadeiro morticínio registrado nas nossas ruas e rodovias. Afinal, lei que enquadra motoristas e procura tornar nosso trânsito minimamente civilizado, por acaso traz votos?
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor