A maior coleção de Bugattis fica na Franca, na cidade de Mulhouse, pertinho da Suíça. Depois da visita ao museu da Alfa Romeo, foi a vez do Museu Nacional do Automóvel da Franca, coleção Schlumpf.
Schlumpf e o nome de família de Fritz e Hans, nascidos na Itália, nomes originais Federico Filippo Augustino e Giovanni Carlo Vittorio — que sendo ricos empresários do ramo de tecelagem, começaram a comprar carros em 1960. Fritz era o mais fanático, e em 1963 adquiriu uma antiga fabrica em Mulhouse, perto de sua tecelagem, e lá montou seu museu particular, que ficou assim ate 1976.
Mas Fritz meteu os pés pelas mãos, como diziam os antigos, e não sendo um bom empregador, enfrentou muitas greves no pais que as inventou. Imerso em dividas, abandonou a Franca deixando tudo para trás, isso quando já planejava abrir o museu para o publico. Soma-se ao fato de fraudes de diversos tipos que foram cometidas pelos irmãos, e processos e condenações foram declarados.
Os empregados, insatisfeitos com as condições e salários, descobriram a coleção de enorme valor e ficaram revoltados, o que também contribuiu para Fritz nunca mais retornar. O governo francês assumiu a massa falida após um processo judicial e uma fundação foi organizada para cuidar da coleção, por isso o nome oficial de Museu Nacional do Automóvel.
Muito interessante e manter o nome coleção Schlumpf na fachada, numa clara homenagem ao homem que formou tudo aquilo, e que certamente acumulou dívidas por comprar tantos carros. De maneira inteligente, novos veículos foram e ainda são adicionados ao museu, e por isso se vê coisas muito mais novas que do ano 1976, ano em que Fritz escafedeu-se.
De gosto extremamente duvidoso são os postes de iluminação iguais aos da ponte Alexandre III de Paris. São 845 destes, atrapalhando a visibilidade de vários carros, e limitando os ângulos das fotos, alem de espalhar luz de maneira nada ideal para as fotografias. Gosto não se discute, lamenta-se.
Para se ter uma ideia da paixão ou fanatismo pelos Bugattis, de longe a marca mais comum no museu, em apenas uma das compras feita em 1964, trinta carros da marca que eram de John W. Shakespeare, americano de Illinois, foram embarcados para a Franca, evento que foi notícia e está bem documentado. O valor foi baixo mesmo para a época, 85 mil dólares. Dele era a limousine Royale Type 41, ano 1933, carroceria inglesa Park-Ward, carro que viajou os EUA de norte a sul diversas vezes. As duas fotos a seguir são desse carro.
Bugattis somam 123 carros na coleção, sem nenhuma dúvida a maior reunião dessa nobre marca que fabricou ao longo de toda sua existência pouco mais de 8.000 exemplares. Fora desse número, o Veyron moderno e suas várias versões e desenvolvimentos.
De três anos antes — 1930 —- lá se encontra o Royale Coupé de Ville (foto abaixo) de Ettore Bugatti, o único que foi do “dono”. Estilo de seu filho, Jean, que modificou o carro desenhando uma nova carroceria para ele, depois de acidentado com o pai ao volante, e dali para frente apenas o motorista particular o dirigia. Um detalhe de estilo do Royale me agrada demais: a extremidade dianteira das rodas fica mais para frente que os para-lamas.
Muito mais sobre o Royale pode ser lido aqui nesse link.
Elegante ao extremo, o Delahaye Type 135M de 1949, uma versão de luxo de um carro com várias vitórias em corridas. Bancos que se transformam em camas e teto transparente, feitos de acordo com o pedido do primeiro dono, Mr. Marine, que encomendou o carro dessa forma para sua viagem de lua-de-mel nos Estados Unidos. O carro ficou naquele país ate 1985, quando a Sra. Marine doou o carro para o museu. Único dono, portanto.
Muitos carros de competição enfeitam o museu, um deles se trata de uma das mais belas obras automobilísticas para competições jamais concebidas, o Ford RS200.
Muito mais antigo o Serpollet Type H de 1902 era um carro de corridas a vapor, apenas possível de ser usado em provas curtas como as de subida de montanha, já que a água acabava rápido, sendo necessário encher o tanque frequentemente. O carro exposto foi restaurado em 2014 fez também o famoso rali London-Brighton, prova apenas para carros fabricados antes de 31 de dezembro de 1905.
Uma bela linha de carros de grande prêmio, desde antes de existir a Fórmula 1, domina uma extensa área. Podemos ver Alfa Romeo, Ferrari, Gordini, Lotus, Renault, Benetton, Williams, e um êxtase toma conta do entusiasta de coração, aquele que se arrepia de ouvir um motor de corrida dedicado, dominado pelas formas e cores.
Também para corridas de longa duração há carros expostos, um dos mais interessantes de se ver é o Renault A442B que correu nas 24 horas de Le Mans no final da década de 1970, este com a clássica decoração da equipe de fábrica e da petroleira Elf, esforço nacionalista que deu certo, vencendo a prova em 1978. Com motor V-6 de 2 litros turbo, desenvolvia 500 cv, fazendo o carro chegar a 352 km/h na reta longa da famosa pista, a Mulsanne.
Nas galerias de fotos, clique nelas com o botão esquerdo do mouse para ampliá-las e ler as legendas
O Renault torpedo tipo AX de 1911 exemplifica o que todas as marcas de automóveis deveriam ter sempre em mente: acessibilidade para reparos.
O Pilain, de 1911 chama muita atenção. Carroceira aberta type 40, tinha um motor 1,8-litro de15 cv, chegando a 70 km/h. Se isso pouco impressiona, veja os bancos amarelos e o cofre do motor de formato cilíndrico. Certamente atrativos desse francês.
O Rolls-Royce Silver Ghost teve muitas carrocerias diferentes nos mais de 7 mil exemplares fabricados, e o presente no museu tem apenas dois lugares, com a parte traseira similar a uma caçamba de picape, mas sem as paredes laterais, muito curioso.
Para ficar ainda melhor, há um chassis rodante de um Silver Ghost, que colocando-se um banco pode ser levado a um encarroçador para ser terminado a gosto do cliente, como faziam várias marcas de maior preço e mais exclusividade durante muitas décadas. Interessante ver os componentes superdimensionados, quase um caminhão para os dias de hoje.
Uma absoluta raridade é o suíço Dufaux, com motor oito cilindros em linha de mais de 12,7 litros de cilindrada. Em 1904 chegava a 140 km/h, com apenas 120 cv. Mas os irmãos Dufaux se cansaram de gastar dinheiro e resolveram abrir um banco, deixando o arriscado negócio para trás. Muitas vezes a vida da Suíça me parece muito fácil. Ou pelo menos era.
Também da nação dos relógios, chocolates e bancos veio a marca Hispano-Suiza, cujos carros se destacaram pela qualidade de projeto, comandado por Mark Birkigt (1878-1953). Teve um sócio espanhol na criação da marca, cuja fabrica era na Espanha, dai o nome, e seu entusiasmo pela mecânica o levou ao projeto de motores de avião também, no inicio da Primeira Guerra Mundial em 1914. Para isso foi feita uma fábrica na França, e foi lá que depois da guerra seus magníficos automóveis foram fabricados. Birkigt foi um dos primeiros a fabricar blocos e cabeçotes de motores em liga de alumínio, com o interesse principal na maior condutividade térmica deste em relação ao ferro fundido para melhor arrefecimento e obviamente no menor peso. O modelo J12 Chauffeur de 1934 da foto abaixo tinha 200 cv e podia chegar a 160 km/h, com conforto e silêncio característicos da marca. Foram apenas 114 unidades fabricadas desse modelo. Nada barato, obviamente. Há pelo menos uns cinco modelos diferentes dessa fabulosa marca no museu, que tenta atualmente voltar ao mercado com um supercarro chamado Carmen.
Voisin foi outro construtor de foco em engenharia de qualidade. Gabriel Voisin (1880-1973) era amigo de Alberto Santos-Dumont e fabricou incríveis carros de inspiração aeronáutica de 1919 a 1939, pois também fabricou aviões durante a Primeira Guerra Mundial. Um C25 Aerodyne de 1934 se apresenta fabuloso no museu, com os montantes ligando cofre do motor com para-lamas, como os montantes de asas de aviões. Tem motor seis cilindros em linha de 3,3 litros desenvolvendo 100 cv e atingindo 140 km/h.
Uma das exposições temporárias do museu, que vai ate 3 de novembro próximo, são os carros do Príncipe Albert II de Mônaco. Há um Lotus Seven com teto, o Lexus modificado pela Toyota para seu casamento, com teto de plástico transparente removível, revivendo um Landaulette, usado em 2 de julho de 2011.
O mais incrível são dois modelos, um Mercedes-Benz 300 SLR que foi trocado por três outros carros da coleção, e um Metro 6R4 de rali, Grupo B, além de um Jordan de Fórmula 1, um dos mais belos desenhos dessa categoria, que hoje tem carros excessivamente poluídos visualmente graças ao 37.896 defletores aerodinâmicos. Isso precisa mudar!
Ferraris também estão presentes como não poderia deixar de ser. Um 500 TRC de 1954 esta bem usado, pintura ruim e descascando, mostrando uma filosofia europeia muito diferente da americana, que prefere expor carros o mais próximo possível da perfeição. Foram apenas 19 exemplares desse modelo fabricados. O europeu valoriza muito o uso, e não há nenhum problema em colocar em um museu carros bastante gastos com marcas do tempo.
Ferrari 250 MM do pintor suíço Luigi Pericle, show a parte. Extremamente usada e sem reformas, foi o carro de uso diário deste artista. Há algumas obras expostas, de nítida influencia espiritual.
Um Testarossa de 1987 e o exemplar mais recente que a coleção abriga, muito bom ver um Ferrari não vermelho, certamente aumenta a raridade.
O Pegaso Z102B, grã-turismo espanhol de pequena produção, não mais de 82 carros fabricados, deste modelo e outros similares. Impressiona a elegância e a absoluta ausência de para-choques na dianteira, detalhe que sempre me atraiu.
Sandford Quad de 1934 com motor Ruby de 4 cilindros muito próximo do solo, raridade absoluta. Marca advinda de Malcoln Stuart Sandford, piloto de motos inglês. Veio depois do triciclo da marca, chegando as vésperas da Segunda Guerra Mundial, o que decretou o fim da mesma. O Quad tem motor com 35 cv, e graças ao peso de apenas 400 kg chegava a 135 km/h. Devia ser excelente para dirigir com empolgação.
Bem mais recente, de 1982, o Aston Martin Lagonda foi e ainda e um dos carros mais impressionantes. Começando pelo estilo externo com linhas vincadas e com a dianteira e traseira muito baixas, passando pelo interior suntuoso com bancos que parecem poltronas, e terminando pelo painel de instrumentos digital que ainda hoje tem ao menos um especialista na Inglaterra que os faz funcionar apesar da tecnologia antiga, o Lagonda tem um motor V-8 de 5 litros e fazia o carro alcançar 225 km/h com facilidade.
Coisas que apenas esse museu faz por você, permitir ver um chassis com mecânica de um Bugatti Atalante 57 S cupê, um dos mais esportivos da marca. Apenas 43 fabricados, nenhum idêntico a outro, e estilo de Jean Bugatti. Lindo de ver com calma e tempo de sobra. Motor de oito cilindros em linha com 135 cv, peso baixo e agilidade excelente para 1936, o Atalante também foi usado em competições, na versão SC com compressor mecânico para 170 cv.
Outro absoluto clássico da marca esta presente. O Type 35, ou T35, (foto de abertura) um modelo de corrida pequeno com um 8-cilindros-em-linha de comando no cabeçote com três válvulas por cilindro, de 1,5 a 2,3 litros, a maioria deles fabricado com um compressor Rootes. Esplendido e inigualável, com suas rodas de liga de alumínio, em 1926!
O museu tem uma loja com diversos itens, a maioria roupas e miniaturas, mas não se restringe aos antigos, ha items sobre carros mais atuais que os do museu. Preços salgados e com pimenta, obviamente.
Um razoável restaurante permite que se passe o dia no local, e certamente isso se faz necessário para quem gosta de observar, fotografar e aprender em um ritmo diverso daquele que nos e imprimido pelos telefones com telinha.
JJ