As informações contidas nesse texto foram cedidas pelo colega, e amigo de longa data, Ricardo Caruso, dono do site da revista Auto & Técnica, que foi atrás, apurou os fatos e fez algumas fotos para ilustrar essa história pra lá de lamentável.
O piloto brasileiro José Carlos Pace, conhecido no meio pelo apelido de Moco, por sua personalidade pouco extrovertida e quieta (da gíria “amocado”), iniciou sua carreira na Equipe Willys em 1963 e se destacou de tal maneira que, em 1972, no mesmo ano em que Emerson Fittipaldi venceu seu primeiro campeonato mundial, estreou na Equipe Williams de F-1, na época pequena e modesta. Mesmo na categoria máxima do automobilismo mundial, Pace se destacava, e já no ano seguinte passava para a Surtees, equipe média, onde correu até ser convidado pela então poderosa Brabham em 1974.
Na Fórmula 1, sua carreira estava sendo meteórica, e já era contado por muitos especialistas internacionais como um futuro campeão mundial da categoria. Diziam que era só uma questão de tempo para que “Moco” brilhasse como líder da F-1. Em 1975, teve sua primeira vitória na categoria, onde venceu nada menos que o GP do Brasil, em que Fittipaldi ficou em segundo e o alemão Jochen Mass em terceiro, ocasião de uma verdadeira comemoração aos amantes de automobilismo. Nessa época, Pace tinha 30 anos de idade e uma carreira promissora pela frente.
Em 1976, a Brabham optou por trocar o motor Cosworth, que vinha dando bons resultados, pelo Alfa Romeo de 12 cilindros horizontais e opostos, bem maior, mais pesado e gastador, o que fez da temporada de Moco uma eterna série de testes com poucos resultados. O ano seguinte, 1977, foi quando Pace brilhou pelo favoritismo nacional, já que os Brabham-Alfa Romeo vinham dando ótimos resultados, tanto que o GP da Argentina, primeiro da temporada, já tinha garantido o pódio ao talentoso “Moco”.
Mas o destino não quis assim, e um acidente aéreo na Serra da Cantareira, em São Paulo, levou nosso potencial campeão à morte na tarde de uma sexta-feira, 18 de março de 1977. Estavam no voo Marivaldo Fernandes, dono do monomotor Embraer Sertanejo, José Carlos Pace e o piloto de avião Carlos Roberto de Oliveira, que saíram do Aeroporto Campo de Marte com destino ao pequeno aeródromo da fazenda de Emerson Fittipaldi em Araraquara, onde a família de Pace os esperava. Eles iam para outra fazenda vizinha, pertencente ao também piloto Marivaldo Fernandes, já que Pace estava interessado numa propriedade da região.
O acidente que matou Pace e mais dois ocorreu na Serra da Cantareira, em São Paulo (Foto: arquivo pessoal/Ricardo Caruso)Os três ocupantes morreram na hora. Pace tinha apenas 32 anos, era casado com Elda e deixou os filhos Rodrigo e Patrícia, bem pequenos. No sábado pela manhã o seu corpo foi reconhecido e o velório ocorreu na noite daquele mesmo dia, na sede do Automóvel Clube Paulista, na esquina das avenidas Nove de julho e Brasil. O enterro foi no Cemitério do Araçá, no domingo.
Então, por toda importância que teve no automobilismo brasileiro, pela trajetória na Fórmula 1 e automobilismo mundial, pela sua história e, mesmo como qualquer outra pessoa falecida, Pace teve honras e respeito? Nada disso. Caruso ficou sabendo do descaso através de um amigo, e foi conferir de perto o mausoléu de Moco, pertencente à família D’Andrea, de sua esposa. É uma capelinha com quatro gavetas no lado esquerdo (Pace está sepultado na mais alta desta fileira), e um espaço no alto, no centro. No piso, abaixo, fica talvez um ossário.
Acima, no teto, uma imagem de Jesus, que presenciou o que aconteceu ali, provavelmente entristecido. O lugar simplesmente está assolado, como a maioria dos túmulos daquele cemitério. Havia uma porta trabalhada, em metal, que segundo Caruso conversou com um funcionário, foi furtada há muito tempo. Colocaram uma de alumínio, que também foi levada. Mofo e marcas de depredação estão por todo lado.
O abandono é evidente. Todas as placas com os nomes das pessoas ali sepultadas foram furtadas, menos a do Pace, que fica num ponto mais alto. Mas é questão de tempo para que desapareça. Até os puxadores das tampas de concreto das sepulturas foram levados. Os criminosos não pouparam nem mesmo uma enorme placa de bronze, que ficava no lado direito, com um epitáfio em forma de poesia.
Não bastasse toda essa afronta, na parede interna da capelinha existem buracos tampados na altura das cabeças dos sepultados. Ainda segundo o funcionário que acompanhou a desoladora visita, eles foram feitos para furtarem os crânios, em busca de dentes de ouro. Fizeram buracos nas duas extremidades de cada gaveta, inclusive a do piloto. “Ficou um pedaço da bandeira do Brasil (que recobriu o caixão) para fora”, disse o funcionário.
Assim como meu amigo Caruso, pergunto-me que tipo de pessoa é capaz de fazer isso, violar um túmulo de alguém que está em seu descanso eterno. Considerando que falamos de um dos poucos ídolos que o Brasil teve, tudo fica pior. No fundo da capelinha ainda estão, empoeiradas, duas fotos de Pace, colocadas por alguém depois de seu sepultamento, e um maço de flores plásticas.
A solução cabe à família, com todo respeito, ou mesmo aos fãs do “Moco”, claro que com aprovação da viúva Elda e dos filhos. O túmulo pode ser revestido de mármore ou granito, e ter as identificações gravadas, para evitar furtos. Muitas famílias estão fazendo isso no Araçá. Uma alternativa é que todos sejam trasladados para um mausoléu, num local mais seguro, como no cemitério do Morumbi. Fica a cargo da família e amigos próximos, mas assusta e enoja esse descaso, um atentado contra a história de alguém que não merecia isso.
A carreira de Pace, aquele que seria campeão, soma 73 GPs em seis temporadas; a vitória histórica em Interlagos em 1975; uma pole-position, cinco voltas mais rápidas (incluindo na Áustria, a pista de maior velocidade daqueles tempos, e Nürburgring, a mais difícil); seis pódios e 58 pontos no total. E mesmo estando na Fórmula 1, seguiu disputando provas nacionais, inclusive de Resistência com protótipos de Ferrari 312 e pela equipe representante oficial da Ford Brasil, a Mercantil Finasa-Motorcraft, de Luiz Antônio Greco, dividindo o volante do Maverick Quadrijet com Paulo Gomes e Bob Sharp. Em 1975 o trio foi vencedor absoluto da 25 Horas de Interlagos, chegando com uma vantagem considerável sobre o segundo colocado numa prova disputada o tempo todo sob chuva.
Bob relatou ainda que existia um plano para 1977, ano da morte de Pace, onde o trio pilotaria um Maverick de Divisão 3 na 24h de Le Mans. A partida prematura do “Moco” fez com que o chefe de equipe Liz Antônio Greco Greco abandonasse definitivamente essa ideia. Em 1985, a Prefeitura de São Paulo homenageou José Carlos Pace, rebatizando o Autódromo de Interlagos com o seu nome, local onde também está um busto seu, mas ele merecia muito mais do que isso, porta-retratos empoeirados e flores de plástico: a situação atual é revoltante e precisa ser revertida.
DM
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