Quero aproveitar uma feiquiniús hoje para falar de alguém que talvez no Brasil não fosse tão conhecido, mas num país como a Argentina, de apaixonadíssimos por corridas de carros em suas várias categorias, é muito, muito popular. Refiro-me (olha aí de volta as ênclises!) a Luís Landriscina, nome artístico de Luigi Landriscina, cuja morte foi anunciada há alguns dias mas que, felizmente, não passava de um erro. O próprio Landriscina postou um vídeo mostrando que estava muito bem, obrigado.
Como quase sempre, o boato começou com um erro. “Fui ao hospital por uma possível hérnia inguinal e, quando foi confirmada, começaram os exames para a cirurgia. O eletro apresentou problema no coração, suspenderam a operação e me internaram para saber o que era e descobrir a causa. No próprio hospital me deram a opção de ficar em casa e comunicar diariamente ao cardiologista minha pressão arterial e voltar em alguns dias para terminar os exames e agendar a cirurgia”, contou o próprio Landriscina. “Foi uma entrada nos boxes para trocar os pneus. Quando abriram o capô viram o problema no motor e concluíram que a corrida poderia se complicar”, disse o próprio Landriscina misturando suas duas grandes paixões: o automobilismo e o humor.
Mas, quem é Luís Landriscina? É o nome artístico de Luigi Landriscina, ator, contador de histórias e humorista argentino, famoso por seu estilo baseado nos costumes regionais do país, talvez muito por ter nascido no interior da província do Chaco. A rigor, ele é de Colonia Baranda, um povoado minúsculo, mas passou boa parte de sua infância em Villa Ángela, também no Chaco. É ator de cinema, teatro, televisão e rádio, mas vou aqui discorrer sobre sua paixão pelo automobilismo.
Landriscina estreou como piloto de rali aos 39 anos, em 1974 na “Vuelta de la Manzana”, na província de Rio Negro, famosa justamente pela produção dessa fruta e num trocadilho com “manzana” que, além de maçã, quer dizer quarteirão. Dirigia um Fiat 128 com Urbano “Ronco” García como navegador, mas abandonaram na segunda etapa, após um acidente sem maiores consequências. Ele competiu até 1976 em mais algumas provas de estrada, sempre com o mesmo carro, mas parou e só voltou em 1984 no Rally de la Provincia de Buenos Aires com um Peugeot 504 pilotado pelo seu filho Dino. Abandonaram com problemas mecânicos. Os anos seguintes tiveram resultados muito variados, mas melhor sucedidos em provas regionais do que nas nacionais. No Rally da Argentina, no qual se pontuava para o Mundial, Luís foi navegador do filho, mas abandonaram depois de um acidente com seu Peugeot 504, que caiu de uma altura de 4 metros. Landriscina pai sofreu um esmagamento da quarta vértebra cervical, mas seu filho saiu ileso do acidente. Depois disso houve várias vitórias, vários segundos e terceiros lugares em diversos tipos de rali, especialidade de ambos.
Landriscina disputou diversas provas, como o Rally Nacional e o Rally Chacoense, mas um feito que me inspirou a escrever sobre ele foi a participação dele, no dia 18 de novembro de 2023 e aos 87 anos, das “100 voltas de Buenos Aires” realizadas no autódromo Oscar e Juan Gálvez (Foto de abertura). A prova ocorreu no circuito 12, o mesmo onde foi disputada uma prova justamente de 100 voltas em sua inauguração em comemoração aos 55 anos do percurso que circunda o lago de corrida do autódromo de Buenos Aires com o “S” do Ciervo, o Curvón Salotto e a atual chicane Ascari. Novamente, pai e filho (Dino, ex-piloto de rali) disputaram a prova de regularidade, desta vez com a participação de mais um membro da família, o neto de Luís, também chamado Luís.
Da prova participaram carros clássicos e esportivos de modelos produzidos entre os anos 1961 e 2023. Diferentes personalidades do automobilismo e ex-pilotos participaram, num total de mais de 250 pilotos (incluindo mulheres) e mais de uma centena de carros inscritos. Eduardo Mallo venceu a prova com um BMW 323 1999. Os Landriscina terminaram a prova em 13º lugar com um Fiat Cronos. Nada mau, não?
Luís Landriscina sempre esteve ligado ao automobilismo e foi amigo de Juan Manuel Fangio, o pentacampeão mundial de F-1. É também um grande contador de causos. Uma vez explicou que o primeiro carro que comprou era um Fiat 600 (aquele modelo bolinha que foi tão popular na Argentina) e quis mostrar o bólido (sim, é sarcasmo) para a esposa, que estava grávida do segundo filho. Foi buscá-lo na concessionária, em outra cidade, e sofreu um acidente no dia 6 de junho (mês 6) de 1966, no quilômetro 600. Supersticiosos, elaborem suas teorias… Uma das pessoas que estava com ele sofreu um corte. Landriscina, com sua habitual verve, conta que chamaram isso de “excelente, pois o rapaz recebeu 10 pontos…
A paixão por carros começou quando a categoria Turismo Carretera passou pela província do Chaco. O padrinho de Landriscina, que tinha apenas 5 anos, o levou para ver a chegada e nunca mais se curou desse amor. No entanto, na cidade, ele dirige com muita cautela. Mas antes de pegar estrada, onde diz que gosta de pisar fundo, verifica pessoalmente tudo no carro. “O dia que acontecer um acidente, será um acidente. Não negligência”.
Nos shows de humor e nos filmes ele não fala palavrões, mas uma vez respondeu a um crítico que mencionava esse fato de maneira pejorativa: “Convido você a vir comigo de carro de Olivos até o Obelisco (17 quilômetros) e você escutará um rosário de palavrões que você nunca ouviu em sua vida”. Landriscina já teve quase todo tipo de carro: Fiat 132, Corolla, Celica coupê, Honda Accord, Subaru, Alfa 156, Passat alemão, Camry… E o carro dos sonhos, qual é? “Um clássico, um Alfa ou um Ferrari antigo”. Uma tristeza?: “Saudade da mecânica mais simples. Hoje você abre o capô e nem consegue saber onde está o reservatória de água do esguichinho do para-brisa…”.
Landriscina é torcedor do Boca Juniors (eba! esta escriba também é), mas quando o arquirrival River joga contra um time estrangeiro, torce pelo River. “Eu sou assim”, diz, com simplicidade.
Mudando de assunto: adoro esses adesivos com frases engraçadinhas ao lado do modelo do carro. Aqui vai mais um:
NG
A coluna “Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora.