A expectativa era grande. Afinal de contas, falava-se do lançamento de um carro que tinha a pretensão de substituir o famoso 147, que ainda detinha modernidades que outros nacionais não alcançavam. Particularmente, trabalhei muito na concepção do material de lançamento do Uno, isso lá pelo primeiro semestre de 1984, e para conseguir informações precisas sobre o tal lançamento, que tantos aguardavam na época, viajei a Betim, na fábrica da Fiat, algumas vezes. Conversava com marketing, engenharia, publicações técnicas e muitas pessoas que me explicaram detalhe por detalhe como era, na prática, a nova revolução que a Fiat estaria prestes a lançar.
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A apresentação do carro, cujo desenho é de Giorgetto Giugiaro, se deu no Rio de Janeiro, em 17 de agosto de 1984. Um grande lançamento, com a presença, inclusive, de Emerson Fittipaldi, o anfitrião da “festa”. Uma chegada com bastante importância, como cabia a um novo carro em tempos de importações fechadas e de mercado brasileiro menor que nos dias atuais. O conceito já era mundialmente admirado, pois o Uno já existia na Europa desde janeiro do ano anterior chegando ao Brasil praticamente apenas 1 ano e meio depois.
Vale ressaltar que o nosso Uno não era igual a aquele produzido no Velho Continente. O Fiat Uno de Betim tinha particularidades construtivas para adaptar o destacável conceito de design italiano às nossas condições de ruas e estradas que, na época, eram ainda piores que as atuais. Por isso, o Uno brasileiro era bem mais robusto do que o europeu, utilizando uma plataforma que, na época, era chamada de “híbrida”: tinha a parte traseira do 147, com suspensão independente McPherson com feixe de molas transversal, unida a um conjunto dianteiro igual ao do carro da Europa, com novas geometrias de suspensão e direção. Na versão europeia a suspensão traseira era por eixo de torção com molas helicoidais.
O objetivo dessas mudanças era tornar o carro mais resistente e durável na nossa buraqueira e asfalto lunar, sem contar a particularidade do estepe alojado no compartimento do motor, enquanto o europeu o tinha no porta-malas. Isso criava alguns litros extras no espaço para bagagens e, de certa forma, facilitava bastante o acesso ao estepe no caso de uma viagem com porta-malas cheio, por exemplo. Nos idos de 1984, o Uno também inovou em todo o conceito de ergonomia: motorista e passageiros sentavam-se em uma posição mais ereta que o comum, o que também tornava mais fácil o entra e sai do veículo, qualidade parecida com a dos suves.
E, para materializar esse conforto, o teto do hatch também era mais alto e plano, estilo que se traduzia ainda numa maior área envidraçada, especialmente a do para-brisa, totalmente atendido por apenas um limpador. O interior do Uno era, de fato, bem iluminado, arejado e com sensação de espaço ampliada. Um carro pensado, principalmente, no bem-estar dos ocupantes.
Lançado inicialmente apenas com carroceria de duas portas, o hatch da Fiat mostrava outra vantagem de sua ergonomia positiva: para acessar o banco traseiro, a trava que liberava a reclinação do encosto, automaticamente, trazia consigo o assento, tudo em um movimento semicircular. Na volta a posição normal, o posto do condutor não mudava, e os ajustes de assento e encosto eram mantidos. Bacana demais!
O projeto do carro foi bem apurado também quando o assunto é segurança. Só para que se tenha uma ideia, todos os principais comandos do Uno, incluindo ligar limpadores e lavadores, desembaçador traseiro, luzes de direção, pisca-alerta, faróis, etc. foram dispostos em dois satélites que ficavam ao lado do volante, bem ao alcance das mãos do motorista. Na prática, era possível controlar todas as funções acima sem retirar as mãos do volante, apenas com as pontas dedos. Também entrava para a conta um painel simples e direto, com velocímetro do lado esquerdo, conta-giros na direita (quando disponível), um conjunto de luzes de advertência no centro e, abaixo, os mostradores de nível de combustível, manômetro de óleo e termômetro do líquido de arrefecimento (também dependendo da versão).
A mecânica do Uno era, basicamente, igual à do 147, que seguiu em produção como opção de entrada na linha Fiat até 1986. Um conjunto muito robusto, confiável e com motores econômicos, receita básica de um carro popular até hoje. No caso do Uno tínhamos três versões no lançamento: S (Super), básica, CS (Comfort Super), intermediária, e SX (Super eXperimental), sendo essa última uma opção mais esportiva e descolada.
A primeira, S, trazia o motor 1.049 cm³ com 51 cv de potência máxima, enquanto a CS já trazia o 1.1297-cm³ de 57 cv, ambos vindos dos 147 “comuns”. Já a SX trazia o mesmo 1.297-cm³, porém com carburador de corpo duplo, taxa de compressão mais alta, maior escapamento etc., o que significava uma potência mais elevada, de 70 cv. Essa receita era a mesma do 147 Rallye, seu antecessor. O câmbio podia ser de quatro ou cinco marchas, de acordo com a versão.
Sucesso inegável, o hatch da Fiat é, historicamente, um dos carros com produção mais longeva da indústria automobilística nacional: durou até 2013, nada menos que 29 anos, e só saiu de linha por questões legais (obrigatoriedade de bolsas infláveis duplas e freios com ABS a partir de 2014). Nesses quase 30 anos foram ´produzidas 3 milhões de unidades.
Depois desse primeiro carro de 1984, vieram outros Uno relevantes, com destaque para o Mille de 1990, de 994 cm³ (primeiro 1,0 da era dos “populares”, com fila de espera de meses), os 1.5R de 1987 e 1.6R de 1990 (ambos com proposta esportiva), a carroceria 4-portas de 1992 (ainda mais cômoda e familiar), o Turbo de 1994 (primeiro nacional turbocarregado), até chegar aos motores flex a partir de 2004 e as últimas reestilizações em meados de 2010. Quatro décadas depois, ainda um fenômeno! Ainda são muito vistos nas ruas
DM
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