O “Combustível do Futuro”, já aprovado pelo Congresso, determina alterações na nossa matriz energética em defesa da “energia limpa e renovável”. Sob esta bandeira, aparentemente indiscutível, o Brasil vai queimar mais combustível verde, menos do fóssil. Na linha global da descarbonização do planeta ganha, e muito, o agronegócio, mas pune — severamente — os motoristas. Nas bombas, mais álcool na gasolina e mais biodiesel no diesel.
No caso do álcool, qual o problema de a mistura com a gasolina subir o percentual dos atuais 27% para 35%?
Nos carros flex, o problema é só no bolso
Num carro flex, o motor vai continuar funcionando como se nada tivesse mudado, pois seu motor foi projetado e calibrado para receber qualquer proporção dos dois combustíveis: 100% gasolina ou 100% álcool. Ou a mistura dos dois em qualquer proporção, como 50:50, 20:80 ou outra qualquer. O carro tem uma sonda no escapamento e, mais modernamente, um sensor na linha de combustível, que identificam qual combustível está vindo do tanque e repassam a informação para à central eletrônica de gerenciamento do motor. Esta então ajusta automaticamente a relação ar-combustível e o avanço inicial e a curva de avanço da ignição ideais para este combustível.
Entretanto, o motor não protestará, mas seu bolso sim. O álcool tem poder calorífico cerca de 33% inferior ao da gasolina. Então o motor vai precisar de mais “combustível do futuro”, com mais álcool do que hoje, para se percorrer a mesma distância. Em outras palavras, o consumo aumentará. Por isso é que só vale a pena abastecer o carro flex com álcool se ele custar 37% menos que a gasolina. O que se paga a menos pelo álcool compensa a menor distância que se percorre com um litro.
Então, se a gasolina passa a ter 35% de álcool e tem poder calorífico ainda menor do que com 27%, ela necessariamente deveria custar menos ainda por litro. Entretanto, das últimas vezes em que se aumentou este percentual, o governo se “esqueceu” de determinar uma redução no preço da gasolina para compensar o aumento de consumo. O resultado é que o motorista, no fim do mês, será novamente punido com uma conta maior no posto embora tenha rodado a mesma distância.
Mas, e os carros que só podem ser abastecidos com gasolina?
Carro a gasolina vai sofrer com maior porcentual de álccol?
Ainda existem milhões de carros nacionais sem o sistema flex, lançado em 2003. E os importados, que não poucos. Aí, o buraco é mais embaixo pois, além do prejuízo monetário de se pagar pela “nova” gasolina e levar mais de 1/3 de álcool, alguns motores podem “protestar” por serem incapazes de se ajustar como o flex. Alguns deles até poderiam apresentar um funcionamento satisfatório. Outros correm risco de perder desempenho e funcionar irregularmente, além de passarem a consumir mais e também complicar a circulação aqui de carros vindos dos países vizinhos.
Quando o governo decidiu aumentar o teor de álcool da gasolina comum para 27%, o Centro de Pesquisas da Petrobras (Cepes) realizou testes com mistura de até 30%, sem problemas nos motores importados. Mas não realizaram, na época, testes com 35% de álcool.
Viabilidade: técnica ou política?
O PL 528/2020 aprovado pela Congresso esta semana observa que as alterações serão implantadas depois de aprovada sua “viabilidade técnica”. Sob responsabilidade de um Grupo de Trabalho da Comissão Nacional de Política Energética (CNPE) do Ministério de Minas e Energia, que jamais negou qualquer elevação do teor de biocombustível, seja do álcool na gasolina, seja o biodiesel no diesel. A decisão não é técnica, mas política.
Quando elevou a mistura de álcool para 27%, o governo teve o bom senso de manter em 25% o teor de álcool da gasolina do tipo Premium, que abastece preferencialmente os automóveis importados. O problema agora é mais grave, ainda que o governo adote mesma política: dono de carro novo importado tem condições de pagar pela gasolina premium, bem mais cara que a normal.
Mas, e quem não é abonado e tem um velho carro a gasolina? Simples, é só abastecer com gasolina Premium, como recomendou naquela ocasião o presidente da Anfavea Luiz Moan Nabiku Júnior…
O motorista brasileiro sempre sofreu com um combustível fora de todos os padrões internacionais. E nada indica uma mudança a médio ou longo prazo nisso que mais parece ser uma maldição..
BF
A coluna ” Opinião de Boris Feldman” ´w de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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