Nossa legislação de trânsito nem sempre tem lógica e bom senso. além das famosas “leis que não pegam”…
Lei Seca
Ninguém poderia contestar uma legislação para punir o motorista que dirige alcoolizado. É a ideia da chamada “Lei Seca” instituída em 2008. Mas seu autor foi mais realista que o rei e exagerou na dose (…) ao estabelecer tolerância zero enquanto a maioria dos países de Primeiro Mundo (e até a Organização Mundial de Saúde) limitam a presença de álcool em 0,5 g por litro de sangue. Nos EUA e Reino Unido o limite é ainda mais alto, 0,8 g/L. Este teor comprovadamente não altera o reflexo do motorista nem prejudica seu comportamento ao volante. Mas este rigor da legislação pode eventualmente punir quem não tenha bebido uma gota de álcool. Basta ingerir produtos fermentados ou que se fermentam no organismo, como comprovado com algumas fatias de pão de forma, por exemplo. Ou um enxaguante bucal que contenha algum teor de álcool. E para finalizar o tópico, as fiscalizações em forma de blitz, como a da foto de abertura, são um estorvo ao atrapalharem o trânsito.
Prontuário
Durante décadas o motorista não podia acumular 20 pontos negativos no prontuário do Detran, que tinha sua habilitação suspensa. No governo anterior, o limite foi elevado para 40 pontos, beneficiando motoristas infratores da lei. Em maio deste ano, a deputada Carla Zambelli (PL-SP) apresentou Projeto de Lei subindo a régua para 80 pontos no caso de profissionais ao volante. Protege e ganha a simpatia de motoristas de caminhões, ônibus, taxis e aplicativos. Mas coloca em risco nossa integridade física.
Lombadas
Verdadeiro absurdo chamado oficialmente de “ondulação transversaL”. Se pelo menos os responsáveis do poder público respeitassem a regulamentação do Contran ao construí-las, elas não danificariam tanto as partes inferiores dos automóveis. Mas é raro encontrar alguma que esteja dentro do padrão. Além disso, provocam acidentes por sua baixa visibilidade e sinalização, aumentam o consumo de combustível e expõem os ocupantes do automóvel à ação de bandidos. Hoje, com a proliferação dos suves, com maior distância do solo, algumas chegam a ser ignoradas pelos motoristas. A lombada física é uma vergonhosa alternativa ao controle eletrônico, que registra a velocidade do veículo sem nenhuma das ilógicas consequências que já foram até responsáveis por acidente com morte. Caso de um motociclista em 2021 que não percebeu uma delas numa avenida de Uberaba,, MG recém construída e não sinalizada), perdeu o controle da moto, bateu numa árvore e faleceu. Aberto inquérito para punir o responsável? Claro que não.
E agora, a cereja do bolo: o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP) apresentou um Projeto de Lei (2162/24) que sugere substituir os controles eletrônicos em vias com velocidade inferior a 60 km/h pelas lombadas físicas. Como afirma nosso editor-chefe no AE, Bob Sharp, exatamente o oposto do que diz o bom senso e a lógica. Se está tão preocupado assim com a segurança, deveria sugerir que se criasse uma entidade para avaliar— pelos testes de impacto — a segurança dos ocupantes dos veículos comercializados no Brasil. Pois hoje estamos vergonhosamente sujeitos aos humores e rigores da uruguaia Latin NCAP, com critérios mais que duvidosos para realizar seus testes. O deputado deveria batalhar também para que a regulamentação das cadeirinhas infantis fosse estendida aos taxis e vans escolares. Pois, por incrível que pareça, esta exigência só se aplica aos automóveis particulares.
Pega ou não pega?
Entre nossas peculiaridades, as leis “que não pegam”. No Nordeste, por exemplo, os simpáticos bugues são perfeitos para o turismo local. Levam seus alegres passageiros sentados na traseira bronzeando a pele e arriscando a vida sem o cinto de segurança. Pior: tem a oficialização do arrepio à lei, pois em Jericoacoara, CE, a prefeitura proíbe a circulação de automóveis na região central. Os turistas deixam seus carros em estacionamentos na periferia e são levados para as pousadas em picapes, em toscos bancos improvisados na caçamba. Pode?
Mas o surrealismo da legislação de trânsito não é exclusivo do Brasil. No Estado do Alabama, EUA, por exemplo, o motorista é proibido de dirigir com os olhos vendados. Na Dinamarca, é obrigado a olhar debaixo do carro antes de assumir o volante. Pode ter alguém escondido…
E nossos sistemas de punição aos infratores das leis de trânsito são sujeitos a chuvas e trovoadas. Já teve motoqueiro multado por falta de cinto de segurança. E motorista sem capacete. Dono de carro novo recebeu em casa a notificação de uma infração cometida numa data em que o carro não tinha ainda sido fabricado…
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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