Já contei aqui na coluna minhas peripécias mecânicas com o Fuscão ’72 amarelo que era do meu pai. Adaptei nele a dupla carburação, troquei o sistema de escapamento original por outro mais livre (meu pai reclamava, com razão, do barulho), troquei o distribuidor original pelo do Kombi (com avanço centrífugo e curva mais acentuada), e cheguei até mesmo a trocar o kit de pistões e cilindros do motor 1500 original por um conjunto 1600 com pistões forjados de cabeça plana. O Fuscão do “véio” ficou cada vez mais rápido!
Depois de um tempo eu mesmo comprei esse carro do meu pai, por um precinho bem camarada. Negócio de pai para filho, literalmente. A moeda da época era o cruzeiro — nosso quarto de sete cruzeiros! —, isso lá para 1975, mas me recordo que o Fusca valia no mercado 3.500 “dinheiros”. Paguei para o meu pai 2.800 “dinheiros”, e, claro, o carro já veio todo preparado. De quebra, paguei de maneira facilitada, mas cumpri com o prometido: meu pai precisava do cacife para pagar seu carro “novo”, um Chevette.
Fiquei com esse Fuscão por mais uns três ou quatro anos, e não parei de mexer nele. Queria sempre mais desempenho e menor consumo de combustível. Lá pelos idos de 1978 ou 1979, acabei trocando o Fuscão amarelo por um 1600 sedã 1975 original de fábrica, que compartilhava a motorização com o Brasília de dois carburadores. Ele foi o sucessor do 1600 S “Bizorrão”. Não tinha aquela tomada de ar na tampa do motor ou instrumentos adicionais no console, nem o volante de direção Walrod (de fábrica). mas seguia exatamente a mesma mecânica do “Bizorrão”. Andava muitíssimo bem, por sinal.
Não peguei o carro original: a dupla carburação de 34 mm, já tinha sido trocada por dois Solex 40 EIS do Opala. De cor marrom , meu Fusca 1600 era metido a besta, e dava “canseira” em muitos outros modelos nacionais com motores maiores. O álcool nos postos ainda não existia — demoraria quatro anos — embora a indústria automobilística já o utilizasse para desenvolvimento e testes, uma vez estava em andamento o Proálcool criado em novembro de 1975. Então tinha que me contentar com a gasolina comum, amarela, de baixa octanagem (87 octanas RON) vendida nos postos até o final de 1981, ou usar a gasolina azul, de 95 RON, cujo litro era cerca de 20% mais caro — saiba-se que a gasolina é incolor e sua cor resulta de corantes apenas para diferenciá-las visualmente.
Meu Fusca 1600 marrom andava bem, era bacana e até bonito, principalmente depois que cortei boa parte do seu teto para instalar um teto solar de lona. Mas eu queria mesmo um motor mais potente! E esse tal motor nasceu, e foi se desenvolvendo, acredite, no meu quarto de dormir. Fui adquirindo suas partes, separadamente, já que o dinheiro era curto (até para abastecer com gasolina azul). Os componentes, vindos de desmanches, foram retificados. Primeiro veio a carcaça, que retifiquei de imediato, seguida do virabrequim e volante.
Como eu tinha acesso a tornos mecânicos, acabei eu mesmo aliviando o volante. Mandei apenas fazer um balanceamento dinâmico do conjunto para que funcionasse sem vibrações. Não servia para nada, mas, por capricho, acabei polindo o virabrequim. Sei que isso aumentava sua resistência mecânica e diminuía o atrito com o lubrificante, porém para meu uso diário não faria diferença alguma. Questão de capricho apenas. Adquiri bielas, que foram polidas e pesadas, ficando todas com o mesmo peso.
O kit 1600 era sobremedida. As retíficas utilizavam cilindros originais de medida standard, retificavam-nos e utilizavam pistões maiores. Lembro-me que segui com 0,5 mm a mais, subindo de 85,5 mm de diâmetro original para 86 mm, o que aumentava um pouco a cilindrada total, da original 1.585 cm³ para 1.603 cm³, com o quê a taxa de compressão aumentava ligeiramente. Já o comando de válvulas, que normalmente eram da Puma nos VW preparados (começavam com a sigla P1 e chegavam a P4, exclusiva para competições, todas cópias de peças americanas). No meu motor era feito pela Aplic: uma pequena empresa que fazia bombas de óleo de maior vazão e comandos de válvulas alternativos.
Esses comandos Aplic eram cópias de existentes nos EUA, porém com tempos de abertura e fechamento diferentes dos Puma. Depois de muito estudar diagramas de comandos de válvulas, esse era um assunto que eu acabei dominando também pelo tempo de trabalho na oficina do Rafaele Ceccere, que fazia motores de competição para diversas categorias nacionais. E, enquanto montava o motor no meu quarto, decidi colocar nele um Aplic AP3, um intermediário entre o P2 e o P3, falando da linha Puma. Para as minhas necessidades, esse parecia ser o comando ideal.
Como eu só pretendia utilizar gasolina azul no meu Fusca, fechei o tal motor com 8,5:1 de taxa de compressão, bem alta para os VW arrefecidos a ar da época. Eu buscava potência e a união do comando AP3 com a taxa de compressão alta deveria me entregar exatamente isso.
Num determinado momento, já tinha todas as peças para o meu “supermotor”, tudo espalhado pelo meu quarto. Tomava algumas broncas da minha mãe, d. Maria, que queria saber quando aquelas tralhas iriam embora, e quando eu pararia de brincar de oficina mecânica. Mas bastava reunir todos aqueles componentes para criar um motor, que eu usaria no meu carro. Nem é preciso dizer que tudo isso foi feito a “conta-gotas”: demorei cerca de um ano para amealhar tudo o que precisava.
Para arrefecer o óleo da minha máquina, também fui de Aplic: comprei a chamada “bomba de circulação”, que aspirava o óleo do cárter e o fazia passar por um radiador externo e depois circular pelo motor, cumprindo sua missão. Para não “dar bandeira” de que meu Fusca era preparado, coloquei um radiador de óleo fixado sobre o câmbio, num lugar bem escondido. Passava ar por ali, então, perfeito! Minha meta era manter o lubrificante não além dos 100 ºC em condições normais, ou até 120 ºC num estilo de uso mais intenso, com pé cravado. Assim meu motor estaria seguro.
E, claro, utilizava o Castrol GTX, melhor lubrificante mineral da época, aditivado por mim pelo poderoso bissulfeto de molibdênio da Molykote. No final, deu tão certo que quando desmontei esse motor com 90 mil km para revisão, o funcionário da retífica disse para montá-lo novamente sem trocar nada. Não era necessária nenhuma substituição, nem das bronzinas. Para um VW a ar preparado, um sucesso espetacular, já que esses motores preparados não costumavam passar de 40 mil km.
Para complementar essa receita de sucesso, coloquei cabeçotes especiais feitos pelo meu chefe e “mago” Rafaele, que trabalhava com carinho os dutos de admissão e escapamento. Na alimentação, dois Weber 40 IDF, de duplo corpo, que garantiam uma carburação perfeita, com praticamente um carburador para cada cilindro. Dispensei os filtros de ar em prol das cornetas, que favoreciam a passagem do ar de admissão. Acredito que, com tudo isso, esse motor devia rondar os 82~85 cv de potência, número pífio em relação aos motores de cilindrada próxima de hoje em dia. Mas na época, era motivo de pânico para os donos de Passat TS & cia.
Fui fazendo outras alterações ao longo do tempo: utilizei a capa da ventoinha do Fusca 1200, que era menor e permitia um fluxo melhor de ar para arrefecer cabeçotes e cilindros. O radiador de óleo interno foi retirado, e quem arrefecia o lubrificante era apenas aquele externo. A correia do motor, por conta das altas rotações (acima de 6 mil giros), sempre acabava pulando fora do seu lugar, o que me obrigou a trocar a polia original por outra menor, de alumínio e graduada, um charme mas que servia para ler os graus de abertura e fechamento das válvulas.
Fiquei com esse motor por mais de quatro anos, e foi ele que acabou equipando também um VW Gol “a ar” de que já falei em outra coluna. Viajei para todo lado com ele, seja no Fusca ou no Gol, e nunca me deixou na mão. Esse sim, um motor preparado que só me trouxe alegrias. Tenho certeza de que deixei muito motorista de carro maior e mais potente coçando a cabeça: como poderia um simples Fusca andar tanto? A conclusão é que não é verdade que motor preparado só dá dor de cabeça: é preciso fazer algo durável. Vide esse meu 1600…
DM
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