Sou um autoentusiasta! Sempre fui fascinado por carros e pelo prazer de dirigir, e essa reflexão a seguir não muda esse fato de forma alguma. O que me motivou a escrever este artigo foram os crescentes acidentes envolvendo carros de alta potência e a constatação, ao assistir alguns vídeos de colisões no YouTube, de como acidentes podem acontecer com extrema facilidade e em frações de segundo — seja por um julgamento errado ou por inúmeras variáveis do ambiente.
Gosto muito de potência, mas prezo ainda mais a segurança — minha, dos ocupantes e de terceiros.
Sempre tive em mente que carros com menos potência e, portanto, menos riscos, também podem proporcionar prazer ao dirigir, especialmente quando dotados de câmbio manual. Quando tive um Corsa Super 1,0 8V em 1999, com 60 cv e aproximadamente 890 kg, foi um dos momentos em que mais me diverti ao volante, sem que isso representasse riscos. Karts indoor também proporcionam muita diversão.
Nos últimos anos, a indústria automobilística tem vivido uma escalada impressionante de potência. Modelos esportivos e até sedãs convencionais facilmente superam os 300 cv, enquanto a aceleração de 0 a 100 km/h na casa dos 5 segundos se tornou quase trivial. Com a eletrificação, isso tem ficado ainda mais fácil, principalmente no campo da aceleração. A guerra para ter o carro com maior potência e melhor desempenho continua viva. Já ouvi de muitas pessoas leigas que a velocidade máxima foi um fator determinante na escolha de um carro.
Sabemos que ter uma reserva de potência é importante, principalmente em estradas, para ultrapassagens. Mas eu prefiro ter uma reserva de prudência.
Para mim, essa abundância de desempenho além do necessário (ainda que eu não saiba ao certo o quanto seria necessário) levanta uma questão crucial: quem está preparado para conduzir carros assim?
Quando a potência se torna excesso
A segurança no trânsito sempre foi pautada por limites, mas a facilidade de acesso a veículos tão rápidos como os de hoje cria um descompasso perigoso entre a capacidade dos carros e a habilidade dos motoristas. No Brasil, acidentes com carros de alta potência vêm se tornando recorrentes, muitas vezes protagonizados por condutores sem a experiência necessária para lidar com a brutalidade desses veículos em situações críticas. E sem o autocontrole, a maturidade e a responsabilidade necessários.
O avanço da eletrificação também está contribuindo para essa nova realidade. Hoje, sedãs e suves elétricos oferecem acelerações dignas de superesportivos, sem o mesmo nível de exigência técnica para extrair desempenho. Com torque instantâneo e potência abundante em seguida, qualquer pessoa pode atingir velocidades impressionantes silenciosamente, sem perceber o quão rápido está indo — a condução ainda mais arriscada para motoristas inexperientes.
No passado, houve tentativas de autorregulação para conter essa escalada. Um exemplo clássico foi o acordo de cavalheiros entre fabricantes europeus para limitar seus modelos a 280 cv — um número que, na época, já representava um desempenho mais do que suficiente para qualquer situação de uso civilizado. Mais recentemente, a Volvo tomou uma decisão ousada ao limitar a velocidade máxima de todos os seus carros a 180 km/h, enfrentando duras críticas de entusiastas, mas reafirmando seu compromisso com a segurança.
Mesmo sendo um autoentusiasta, achei essa atitude interessante. Talvez, se morasse na Alemanha, isso seria um fator limitante na escolha de um Volvo. Mas mesmo lá, acredito que as coisas estão mudando.
Reflexos, autoafirmação e falta de noção
Além da falta de preparo técnico, outro fator preocupante é o comportamento psicológico de alguns motoristas. Muitos utilizam a potência dos carros como uma ferramenta de autoafirmação, buscando impressionar ou demonstrar superioridade no trânsito. Essa mentalidade, combinada com a ilusão de segurança proporcionada pelos controles eletrônicos de assistência e os dispositivos de segurança passiva, resulta em excessos perigosos.
A maioria dos motoristas comuns não tem reflexos treinados para reagir a situações extremas em alta velocidade. Não é raro ver condutores subestimando a facilidade com que acidentes gravíssimos podem acontecer em vias públicas, sem preparo para mitigar os efeitos e colocando terceiros em risco. Diferente de um ambiente controlado de pista, ruas e rodovias impõem variáveis imprevisíveis — tráfego, pedestres, condições da via — tornando qualquer erro ou surpresa potencialmente fatal.
Além disso, para dirigir um carro de altíssima potência, é necessário um autocontrole muito forte. Quando testei um Dodge Hellcat em Detroit — um carro de 707 cv e tração traseira — vez que saía com ele, repetia para mim mesmo: “não faça besteira”, pois é o tipo de carro que nos implora para fazermos coisas que podem acabar mal. Mas mesmo me dando esse aviso, não me contive. Em um burnout mal executado, passei bem perto de acertar um poste.

Essa experiência me fez refletir sobre o quanto é fácil se deixar levar pelo poder de um carro assim e como motoristas sem experiência podem se colocar em situações perigosíssimas.
Descobri, experimentando, que o máximo da emoção acontece no limite do perigo. Ou seja, há apenas uma fração antes de se tornar um acidente. E isso atrai muitas pessoas: encontrar esse limite. Tudo bem em ambientes controlados. Mas nunca em público.
Habilitação especial: um caminho necessário?
Assim como categorias específicas de veículos exigem certificações adicionais, faz sentido que carros acima de determinado patamar de potência também exijam uma formação diferenciada. Modelos com 400, 500 ou até mais de 700 cv, ou acelerações de 0 a 100 km/h abaixo de 5 segundos, demandam um nível de controle, conhecimento técnico e preparo que não podem ser subestimados. Treinamento avançado, como cursos de pilotagem e direção defensiva específicos para esportivos, poderia ser um requisito para quem deseja conduzir máquinas dessa categoria.
A tecnologia tem evoluído para tornar esses carros mais seguros, com assistências eletrônicas cada vez mais sofisticadas. Mas confiar unicamente na eletrônica é um erro. Nenhum sistema substitui o julgamento humano e a capacidade de reagir corretamente numa situação-limite. Infelizmente, a ilusão de controle proporcionada pelos auxílios eletrônicos pode gerar um excesso de confiança que, combinado com a potência bruta, resulta em tragédias.
Por mais que eu relute sobre essa ideia, ela me parece sensata — embora o desrespeito às leis e a impunidade minimizem o efeito de uma burocracia extra. Talvez fosse um tiro no meu próprio pé. Mas garanto que hoje, depois de tantos “quase morri” ao longo da minha vida, sou uma pessoa muito mais sensata do que era aos 20 anos. Me eduquei na prática.
E por ter um anjo da guarda forte, estou aqui escrevendo essa matéria. Para ser sincero, não tenho certeza de que há uma solução para esse problema.
Conclusão
Carros de alto desempenho são fascinantes e têm seu espaço, mas sua popularização sem uma correspondente elevação do nível técnico dos motoristas gera riscos evidentes. O desempenho deve ser apreciado, mas com responsabilidade. Talvez seja o momento de discutirmos a criação de uma habilitação especial para veículos de alto desempenho, garantindo que aqueles que os conduzem tenham, de fato, a capacidade para fazê-lo com segurança e responsabilidade.
Potência não é vilã, mas também não deveria ser distribuída sem critério. A questão não é apenas até onde os carros podem ir, mas se aqueles que os dirigem estão prontos para acompanhá-los.
PM
A coluna “Substance” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.