A revista Autocar está na minha lista de influências e acúmulo de conhecimento automobilístico. Além das nacionais Motor 3, Quatro Rodas e Autoesporte, das americanas Road & Track e Car and Driver, e da britânica Car Magazine, entre outras. Sendo inglesa, sempre foi cara.

O amigo editor do AE, Juvenal Jorge, assinava e me emprestava. Eu ia até a casa dele e selecionava quatro ou cinco edições por vez. A leitura era sempre atenciosa. E, no início, com o dicionário de inglês Collins ao lado. As minhas eram cheias de anotações e traduções. Isso me ajudou a aprender inglês e a construir um sólido vocabulário automobilístico. A revista é semanal e costumava ter uma parte bacana de classificados.
Recentemente, encontrei a primeira publicação da então The Autocar, datada de 2 de novembro de 1895.

A Autocar (que nasceu como The Autocar) é a revista automobilística mais antiga do mundo ainda em circulação. Fundada no Reino Unido por Henry Sturmey, ela surgiu para acompanhar o nascimento da indústria automobilística e documentar seu avanço. Desde os primeiros “carros sem cavalos”, a Autocar se tornou referência por seus testes detalhados, análises técnicas e cobertura das inovações da indústria.
Sua influência se estendeu globalmente e seu formato inspirou publicações congêneres ao redor do mundo, consolidando-se como um dos principais pilares do jornalismo dedicado a veículos automotores. A revista sempre foi conhecida por seu tom técnico e opiniões diretas sobre os veículos que avaliava, o que a tornou respeitada tanto por entusiastas quanto por profissionais do setor.
Seus testes são considerados um padrão da indústria, e sua abordagem analítica e crítica contribuiu para sua longevidade e prestígio. A descoberta dessa primeira edição é um registro histórico fascinante, mostrando como o automobilismo era visto em seus primórdios e como a imprensa especializada ajudou a moldar sua evolução.
Abaixo, a tradução completa do texto original dessa edição histórica.
THE AUTOCAR
Uma publicação dedicada aos interesses da carruagem de propulsão mecânica
EDITADO POR HENRY STURMEY
Volume 1 – Nº 1
Sábado, 2 de novembro de 1895 [Preço: 3 pence]
Escritórios editoriais: 19, Hertford Street, Coventry
Escritórios de publicação: 3, St. Bride Street, Ludgate Circus, Londres, E.C.
O AUTOCARRO
Carruagem sem cavalos – carruagem automobilística – carruagem automática – autocarro. Todos esses nomes foram usados para designar a mais recente produção da engenhosidade humana: a carruagem movida a motor, independentemente de a força motriz ser a vapor, eletricidade, ar quente ou petróleo. O último é o mais recente. O mais recente é o melhor, e, como dizem nossos primos americanos, “o melhor é bom o suficiente para nós”, sua adoção para indicar tanto o jornal quanto a máquina nos quais está publicado, praticamente não precisa de explicação. Tampouco é necessário desculpas por nossa entrada no mundo da literatura periódica. Todo novo movimento é fomentado e incentivado pela publicidade e pela livre entrada da luz da opinião pública sobre ele.
O poder da imprensa neste país como educadora e moldadora de sentimentos é incomparável. No entanto, a imprensa geral e até mesmo a técnica possui um campo de trabalho tão vasto que não consegue dedicar a qualquer movimento a quantidade de atenção que ele requer. Consequentemente, a imprensa especializada não só encontra uma razão para sua existência, mas se torna uma necessidade quando princípios novos e importantes estão em jogo.
O movimento da carruagem automática chegou de forma um pouco repentina ao conhecimento do público britânico, embora já esteja fazendo progressos constantes no Continente há mais de um ano. Mas agora que chegou às nossas costas, sua praticidade e influência de longo alcance sobre a vida futura das pessoas se impõem irresistivelmente sobre todos os homens de pensamento. Para aqueles que agora tiveram sua atenção atraída para isso, a ideia — nova e fresca — caindo de repente numa mente despreparada, provoca sensações variadas. Mas para aqueles que, como nós, foram pioneiros nas primeiras fases da automobilidade e viram e seguiram intimamente o nascimento e o crescimento do precursor do autocarro — a bicicleta — e aprenderam a apreciar suas vantagens, não há nada de estranho ou surpreendente na ideia. Ela é o desfecho e a evolução natural de uma ideia para a qual os acontecimentos do último quarto de século nos levaram, e que aqueles cujos pensamentos estavam à frente de seu tempo agora aguardam com prazer.
O ciclista e o fabricante de bicicletas pavimentaram o caminho para o autocarro. O entusiástico, embora às vezes errático, ciclista, em seu próprio corpo e inicialmente para seu próprio prazer, provou a uma nação conservadora e metódica as imensas vantagens e os ganhos econômicos obtidos pela aplicação de poder autocontido como meio para a propulsão de corpos rolantes sobre as estradas comuns. Enquanto isso, o fabricante de bicicletas, atendendo às necessidades da maioria, conquistou um triunfo mecânico na combinação de grande resistência para suportar tensões internas com extrema leveza, e na bem-sucedida superação das vibrações e obstáculos da superfície das estradas.
Enquanto o ciclista acostumava a mente pública à visão de veículos de rodas sem cavalos, e convenciam até as mentes mais densas e rurais de que tais coisas não são estranhas ou difíceis de controlar — assim como um cavalo de antes — o fabricante levou a ciência da construção de carruagens rodoviárias a um ponto de perfeição, permitindo que a força desenvolvida por um motor seja utilizado da melhor e mais eficiente maneira possível.
Enquanto isso, os mecânicos estavam ocupados inventando e desenvolvendo os dispositivos de força motriz. Nos últimos cinco ou seis anos, estivemos cientes de que experimentos extensivos estavam sendo feitos e que, lentamente, mas com certeza, o objetivo da praticidade estava sendo alcançado. Agora, chegou o momento em que a combinação dos esforços dos três pode ser entregue a um público que já está, em grande parte, preparado para recebê-la. Para aqueles que criticam o engenheiro britânico por ter deixado que tanto a França quanto os Estados Unidos estivessem à frente, apontamos para a legislação do passado, que sufocou todo o espírito empreendedor desde o seu nascimento. Mas agora que uma maneira foi aberta para o exercício de seus poderes, podemos dizer que não temos medo de que a Grã-Bretanha se encontre de alguma forma atrás, assim que o talento inventivo de seus mecânicos tiver tempo para se desenvolver. Nisso, ela tem a vantagem sobre seus concorrentes, pois, ao entrar no campo, poderá se beneficiar da experiência deles desde o início.
Se, pela disseminação de conhecimento sobre o assunto e pela discussão de designs e princípios, The Autocar puder ajudar, nossas páginas estarão sempre à disposição do público. Para isso, convidamos a cooperação de nossos leitores na discussão de métodos, sugestões de ideias e no compartilhamento de experiências.
Essa primeira edição da The Autocar é um marco na história do automobilismo como meio de transporte, documentando os primeiros passos de uma indústria que viria a transformar o mundo. O texto reflete o entusiasmo e a visão dos pioneiros, destacando o impacto dos ciclistas, a evolução da engenharia e os desafios legislativos enfrentados no início da era automobilística.
A Autocar continua sendo uma referência no jornalismo automobilístico, mantendo viva essa tradição iniciada em 1895.
E agora, após ler o texto de 1895, fiz uma adaptação para 2025, 130 anos depois. Um exercício baseado na minha crença de que há uma forte correlação entre o movimento do passado e o do presente — da transição do cavalo e da bicicleta para os carros, até a atual transição dos carros a combustão para os carros elétricos. Embora no início os elétricos já existissem, mas não tenham vingado a partir da terceira década do século XX.
Mexi o mínimo possível na estrutura do texto original. Assim, no dia 4 de março de 2025, apresento The Electric Car.
Vale notar que o texto abaixo é apenas um exercício fictício e não se aplica completamente à realidade. Hoje, discute-se a viabilidade de um novo tipo de motor que, como qualquer tecnologia, apresenta vantagens e desvantagens. No entanto, as finalidades do veículo automotor permanecem praticamente as mesmas do ponto de vista do transporte, ao contrário da transformação ocorrida há 130 anos.
O CARRO ELÉTRICO
Uma publicação dedicada aos interesses do automóvel elétrico
EDITADO POR PAULO MANZANO
Volume 1 – Nº 1
Terça-feira, 4 de março de 2025 [Preço: R$ 30]
Escritório editorial: Home Office
Escritórios de publicação: AUTOentusiastas, São Paulo – SP
O CARRO ELÉTRICO
Carro com motor de combustão interna – veículo a gasolina – automóvel convencional – carro elétrico. Todos esses nomes têm sido usados para designar a mais recente produção da engenhosidade humana: o veículo movido a eletricidade, independentemente de sua fonte de energia. A eletrificação é a mais recente inovação. A mais recente é a melhor e, como “o melhor é bom o suficiente para nós” — como dizem nossos primos americanos —, sua adoção para indicar tanto a tecnologia quanto a publicação que a discute mal precisa de explicação. Tampouco é necessário justificar nossa entrada no mundo da literatura periódica. Todo novo movimento é fomentado e encorajado pela publicidade e pela livre exposição à opinião pública.
O poder da imprensa como educadora e formadora de opinião é inigualável, mas tanto a imprensa geral quanto a especializada possuem um campo de atuação tão vasto que não podem dedicar a um único movimento a atenção necessária. Consequentemente, a imprensa especializada não apenas encontra uma razão para existir, mas torna-se uma necessidade sempre que novos e importantes paradigmas estão em jogo.
O movimento dos carros elétricos surgiu de forma relativamente repentina aos olhos do público, ainda que há anos venha avançando de maneira constante em outros mercados. Mas agora que ele chegou ao nosso, sua viabilidade e seu impacto sobre o futuro da mobilidade impõem-se irresistivelmente a todos os que observam com atenção. Para aqueles que só agora foram apresentados a essa revolução, a ideia — nova e inesperada — desperta reações variadas. Mas para aqueles que, como nós, foram pioneiros nas primeiras fases da indústria automobilística e acompanharam de perto o nascimento e o crescimento do carro a combustão até suas atuais proporções, não há nada de estranho ou surpreendente nessa transição. É o resultado natural da evolução, um caminho previsto pelos acontecimentos das últimas décadas e aguardado com expectativa por aqueles cujos pensamentos sempre estiveram à frente do seu tempo.
Os motoristas e fabricantes de carros a combustão pavimentaram o caminho para os elétricos. O entusiasta, ainda que por vezes cético, provou ao mundo, em seu próprio corpo e inicialmente por mero prazer, as vantagens e a economia proporcionadas pelo automóvel em relação ao cavalo. Da mesma forma, o motorista moderno está, pouco a pouco, demonstrando os benefícios da eletrificação. Enquanto o público já se acostumou com a ideia de veículos elétricos e reconhece que podem ser tão confiáveis e práticos quanto os tradicionais como motor a combustão, os fabricantes atingiram um nível de excelência que permite ao motor elétrico e baterias extrair o máximo desempenho das novas tecnologias.
Enquanto isso, engenheiros vêm trabalhando incessantemente no desenvolvimento das baterias e sistemas de propulsão. Nos últimos anos, soubemos que experimentos estavam sendo conduzidos em larga escala e que, lenta mas seguramente, a viabilidade prática estava sendo alcançada. Agora, o momento chegou: a combinação desses esforços pode finalmente ser apresentada a um público que já está, em grande parte, preparado para recebê-la. Para aqueles que acusam certos países e indústrias de terem ficado para trás em relação a mercados como o europeu ou o chinês, basta lembrar que, assim como no passado, a legislação e as barreiras regulatórias muitas vezes estrangulam a inovação antes que ela possa florescer. Mas agora que o caminho foi aberto para o avanço tecnológico, não temos dúvidas de que, em pouco tempo, a indústria estará plenamente preparada para competir em pé de igualdade.
Se, pela disseminação do conhecimento e pelo debate sobre tecnologias, designs e princípios, O Carro Elétrico puder contribuir, nossas páginas estarão sempre à disposição do público. Convidamos nossos leitores a participar dessa discussão, sugerir ideias e compartilhar experiências, ajudando a moldar essa nova era da mobilidade.

Faz sentido? A história se repete, adaptada aos dias de hoje? Gostaria de ouvir seus comentários inteligentes.
Nota: Eu amo todos os carros. Amo-os como forma de liberdade e acesso a lugares distantes. Amo estar ao volante, numa estrada, descobrindo o mundo. Amo o cheiro de gasolina. Também amo tecnologia e evolução. Na minha visão, as duas coisas não são excludentes. Tenho fascínio pelo que está por vir em termos de tecnologia e inovações. Após quase 140 anos do primeiro carro, estamos vivendo um salto tecnológico nunca visto antes. Embora recentemente o ritmo do avanço tenha diminuído substancialmente, há uma pressão crescente da tecnologia, especialmente na China, que está impulsionando o interesse pelo carro elétrico.
PM