
Há alguns dias Rodrigo Seefeldt, entrou em contato comigo através do Instagram para divulgar o seu projeto cultural que envolve um VW Fusca 1971, cuja história detalhada veremos mais adiante, e um projeto que ele denominou “Fuscoteca”, mistura de VW Fusca, com biblioteca.
O contato prosperou e passamos a nos comunicar pelo WhatsApp o que agilizou bem as coisas, já que ele respondia sempre com toda a presteza às minhas perguntas e atendia a meus pedidos. Eu me interessei pela história dele e decidi apresentá-la aqui na coluna “Falando de Fusca & Afins”
Em São Lourenço do Sul, que fica a 210 km ao sul da capital Porto Alegre e às margens da Lagoa dos Patos, a “Fuscoteca do Amadinho” é uma biblioteca móvel que promove a leitura ao oferecer acesso gratuito a livros em especial para crianças, mas para jovens e adultos também.
Criado pelo escritor Rodrigo Seefeldt como extensão de seu livro “As Aventuras do Fusca Amadinho” (2023), o projeto nasceu após palestras em escolas, onde Seefeldt notou de um lado o interesse das crianças pela leitura, mas de outro a falta de acesso aos livros.
Inspirado por sua filha, Maria Flor, ele transformou o VW Fusca da família numa biblioteca itinerante que leva conhecimento sobre quatro rodas. Isso é feito com o auxílio de uma carretinha sobre cujo tampo são dispostos os livros; como é mostrado na foto de abertura (ao fundo da foto se vê a Lagoa dos Patos).

O projeto tem quatro pilares:
- Arrecadação de livros – Recebe doações de livros (exceto didáticos) com meta de 2.000 exemplares. Doações podem ser feitas nos pontos de coleta, pelo Instagram (@fusca_amadinho) ou pelo telefone (53) 98467-8816.
- Distribuição gratuita – Livros são doados, especialmente para crianças, incentivando a leitura desde cedo.
- Exposições literárias – Mostram obras e a evolução dos livros ao longo do tempo.
- “Contação” de histórias – Aline, esposa de Rodrigo, encena personagens como Emília e Coelha da Páscoa para envolver os pequenos.

A Fuscoteca, financiada pela Lei Aldir Blanc, que, como vimos, utiliza um reboque acoplado ao Fusca para transportar livros e democratizar o acesso à cultura. Para Rodrigo Seefeldt, o objetivo é incentivar o hábito da leitura, garantindo acesso facilitado à literatura. As primeiras distribuições de livros ocorrerão em abril, mês do Dia Nacional do Livro Infantil, com entregas em escolas municipais de educação infantil e eventos na Praça Central da cidade.
Embora planejada inicialmente para durar um ano, a meta da Fuscoteca é continuar além do período da Lei Aldir Blanc. Rodrigo Seefeldt busca recursos para manter o projeto, melhorar sua estrutura e ampliar o acesso à leitura. O projeto segue recebendo doações de livros e convida escritores e leitores a se unirem à missão. Com um Fusca 1971 cheio de sonhos, a Fuscoteca prova que a literatura pode chegar a qualquer lugar.
Livro “As Aventuras do Fusca Amadinho”
Eu queria saber da história do Fusca Amadinho para complementar a matéria e Rodrigo me enviou um breve resumo, mas eu pedi mais detalhes e aí ele falou de seu livro:

Mas o livro tem 53 páginas e eu me lembrei dos livros condensados que a revista Seleções do Reader’s Digest apresentava. Falei com o Rodrigo e ele concordou com a publicação de uma edição condensada de seu livro que eu apresento a seguir. As fotos que eu usei para ilustrar esta versão não necessariamente são as fotos do livro, mas uma seleção que eu fiz com a ajuda de material do Rodrigo.
As Aventuras do Fusca Amadinho
Por: Rodrigo Seefeldt
Versão condensada por Alexander Gromow
Como tudo começou
Você já deve ter ouvido a seguinte frase:
E se meu Fusca falasse?! Com certeza algo que lembre alguma história de apaixonados por Fuscas. Mas, e agora, se o meu Fusca resolvesse escrever? Nesse contexto começam a ser escritas as aventuras de uma família de São Lourenço do Sul, que após passar por grandes dificuldades decide investir em um carro próprio.
Depois de várias tentativas frustradas, um amigo ofereceu um Fusca de 1971. A família, encantada, comprou o carro em seis suaves parcelas.

O Fusca, contudo, estava em péssimo estado: sem andar, com pneus furados e acompanhado de “amigos indesejáveis”. Resgatado e levado ao seu novo lar, recebeu um banho e, após três meses de reparos na oficina, voltou a andar. Assim começou uma nova história cheia de paixão, companheirismo, raiva e amizade.

Hoje, entre os mais de 1,9 milhão de Fuscas circulando pelo Brasil, o “Fusca Amadinho” destaca-se pela conexão especial com Rodrigo, Aline e Maria Flor Seefeldt.
A vida de Amadinho
“Com o tempo, me acostumei com as mudanças, mas confesso que foi difícil passar de útil a apenas mais um. Foi então que uma nova família de olhos brilhantes me acolheu, encantados com minha história, mesmo diante do meu estado deplorável. Em meus documentos, só constava meu ano de nascimento, mas descobri minha “data de aniversário”: 31 de janeiro de 1971. Ganhei um novo lar e, para minha surpresa, também um novo nome — ‘Amadinho’.
A adaptação não foi fácil, ainda mais porque cheguei acompanhado de “amigos indesejáveis”. Minha nova família enfrentou dores de cabeça, mas não desistiu de mim. Com ajuda, me deram tratamentos estéticos que não apagaram as marcas da vida, mas me fizeram andar de cabeça erguida, exibindo minhas cicatrizes.
Minha relação com a família floresceu. Com a pequena, tenho a missão de levá-la à escola; com a chefa da casa, aprendi a respeitar sua liderança. Juntos, enfrentamos batalhas e celebramos conquistas. Apesar das rugas do tempo, hoje me sinto bem — não sou perfeito, mas chamo atenção onde quer que vá, seja por amor ou inveja.
Sou grato por essa família que, mesmo ao me encontrar cheio de ratos, decidiu me adotar. Sigo por aí, com meus rangidos, carregando as marcas do tempo e aguardando, quem sabe, mais uma plástica para continuar rodando.
Fiel escudeiro
Desde que fui acolhido pela família de olhos brilhantes, percebi que havia ganhado um fiel escudeiro para enfrentar os caminhos da vida. Ele, com rosto arredondado e bochechas coradas, não hesitou, mesmo me arrastando até em casa em meu estado crítico, após dias no sol e noites ao relento.
Com o tempo, nos tornamos inseparáveis — uma amizade à primeira vista, que resistiu aos desafios cotidianos. Em nosso primeiro passeio, precisei parar duas vezes nas subidas, mas seguimos firmes. Descobrimos juntos o mundo da democracia representativa e, surpreendentemente, vencemos na primeira tentativa. Apesar de sua vida agitada, cheia de compromissos, nunca me esqueceu, e nossa parceria seguiu forte.”

“Os anos passaram, enfrentamos batalhas, como a pandemia, e até experimentamos o sabor da derrota. Ainda assim, meu escudeiro segue fazendo amigos e inventando novas aventuras. Já estive com ele na rádio e, mais recentemente, virei o “trenó” do Papai Noel, levando a alegria do Natal a todos os lugares.
Apesar de todo o trabalho, é um privilégio viver tantas histórias ao lado dele e da família de olhos brilhantes, levando festa e alegria por onde passamos.
A pequena da família
Depois de ser resgatado pela família de olhos brilhantes, logo percebi a razão de sua felicidade: a pequena Maria, cheia de meiguice e carinho, me acolheu como um verdadeiro amigo, mesmo dividindo a atenção da família comigo. Foi ela quem escolheu meu apelido, e juntos construímos uma amizade especial.
Passeamos pela praia, praça e cidade, e eu tive a honra de carregar presentes natalinos, chocolates de Páscoa e os presentes do dia das crianças. Compartilhamos algo único: fazemos aniversário no mesmo mês, janeiro, o que nos uniu ainda mais.”

“Com o tempo, Maria cresceu e começou a estudar, sempre sem vergonha de ser vista ao meu lado, mesmo com minhas marcas do tempo. Nossa amizade só fortaleceu, e cada passeio me rendia desenhos dela, onde eu aparecia exuberante e sem cicatrizes.”

“Minha missão é levá-la à escola e aonde quer que precise ir, faça chuva ou sol, e garantir que ela seja feliz e, através da educação, faça a diferença no mundo. Para mim, Maria é uma flor radiante que valoriza as coisas simples e enche de felicidade todos ao seu redor. Amadinho estará sempre ao seu lado, Maria Flor.
A chefa da casa
Desde que fui levado ao meu novo lar, senti que estava entrando em um espaço repleto de arte e sentimento. Mesmo no meu estado frágil, fui recebido com um sorriso radiante da chefa da casa, Aline, uma mulher encantadora. Durante minha adaptação, meus antigos “amigos indesejáveis” causaram transtornos, destruindo materiais de artesanato dela. Apesar disso, superamos juntos esse momento.
Com o tempo, ganhei presentes feitos pelas mãos habilidosas da chefa: camisetas personalizadas e outros detalhes que escondiam minhas imperfeições e me deixavam único. Falar sobre ela é fácil: uma mãe dedicada, generosa e de espírito forte, que transforma adversidades em obras de arte. Suas criações, únicas e detalhistas, a levaram até programas de televisão em São Paulo.”

“A chefa também espalha alegria, encarnando personagens como a coelha da Páscoa e Emília do ‘Sítio do Picapau Amarelo’. Tenho o privilégio de levá-la a esses momentos de magia, presenciando o impacto de sua arte e dedicação nos outros.
Mais do que tudo, Aline é um ser humano extraordinário, que enfrenta desafios com fé, cuida de todos ao seu redor e ainda tem paciência para meu fiel escudeiro (risos). Como o primeiro carro da família, sei que sou amado por ela, mesmo com minhas imperfeições. Meu desejo é que Aline continue brilhando e inspirando as pessoas com sua arte e coração generoso.
Rivalidade silenciosa
Já adaptado à família de olhos brilhantes, eu era responsável por tarefas diversas, grandes e pequenas, e me sentia o centro das atenções. Tudo corria bem, até o dia em que meu fiel escudeiro anunciou a chegada de uma nova integrante. Fiquei desconfiado e, confesso, tive ciúmes.
Então, surgiu Pomerina, um imponente Kombi de 1978, espaçoso o suficiente para duas famílias. Seus defeitos lembravam os meus ao chegar, mas seu tamanho fazia parecer que tomaria meu lugar. Logo no início, algo meu foi passado para ele, o que me deixou arrasado. Tivemos que dividir o palco em um evento familiar, chegando separados e permanecendo lado a lado, como ‘irmãos'”.

“Com o tempo, passamos a dividir nossos dias, ele tentando mostrar imponência, enquanto eu exibia meus dotes únicos. Era uma rivalidade silenciosa pelo amor da família. Contudo, descobri que Pomerina ficaria apenas temporariamente. Quando chegou o dia de sua partida, senti alívio.
Sim, eu, Fusca Amadinho, tive que dividir por um tempo o amor da família com esse Kombi poderoso. Sua estadia foi breve, mas marcante. Ele se achava e ainda se acha, mas agora sigo tranquilo e novamente único no coração da família.
Amigos de vida
Quando fui acolhido pela família de olhos brilhantes, não imaginava que, além de ganhar uma família, também conquistaria inúmeros amigos. Assim que comecei a rodar pela cidade, passei a ser o centro das atenções. Por onde eu passava, recebia buzinas, acenos e até gritos carinhosos do meu nome. Foi lisonjeador!
Os muitos amigos da família também passaram a andar comigo, o que me fazia sentir importante. Afinal, como dizem, amigos são a família que escolhemos. Em um mundo de relações líquidas, como descreveu Zygmunt Bauman, sinto-me grato por tantas amizades duradouras, ainda mais ao saber que muitos carregam minha foto em adesivos. Demonstração maior de carinho não existe.
Quero continuar encantando e mostrando que o simples e o sincero têm valor, mesmo em tempos difíceis. Este velho Fusca, feliz e sonhador, ainda espera conhecer Pepe Mujica e seu famoso Fusca, e logo poderá contar sobre as transformações em sua lataria. “Tenha sonhos, vá à busca, a pé ou de Fusca.”
Amor enlatado: uma declaração para o Amadinho
Quando te vi pela primeira vez, minhas pernas tremeram de felicidade. Não tive dúvidas de que te levaria comigo. Meu coração acelerou, e tive a certeza de que era amor — mesmo que a situação não fosse favorável. Alguns amigos achavam que eu estava louco, mas para mim era o início de algo especial, mesmo com suas marcas do tempo.
A primeira tentativa de andarmos juntos foi frustrante. Você estava imóvel, com pneus furados e um coração enferrujado, relutante em reviver. Por um momento, duvidei do amor. Mas com paciência e dedicação, voltei, trazendo apetrechos e esperança. E então aconteceu: seu motor pulsou como um grito de vida nova, aceitando meu amor e abrindo caminho para um novo ciclo.”
Foi em maio de 2015, mês dos casamentos, que esse amor avassalador nasceu. Entre loucuras e devaneios, eu e meu Fusca 1971, o Amadinho, começamos a desbravar o mundo. O amor floresceu em nosso universo pequeno e enlatado, e cada quilômetro percorrido se tornou uma celebração desse laço eterno.
Sobre o autor

Rodrigo Seefeldt, apaixonado por Fuscas e carros antigos, acredita que cicatrizes, sejam na pele ou na lataria, são marcas de histórias que valem ser contadas. A trajetória do Fusca Amadinho está profundamente conectada à de sua família.
Bacharel em Desenvolvimento Rural, Rodrigo é condutor local do Caminho Pomerano em São Lourenço do Sul, dedicando-se a promover a história e a cultura locais. Essa paixão o levou à literatura histórica, explorando as imigrações Pomerana e alemã no sul do Brasil. Como membro do CEL – Centro de Escritores Lourencianos, aperfeiçoou sua escrita criativa e descobriu o prazer de viajar por meio dessas histórias.
Agradeço ao Rodrigo Seefeldt por sua participação, na qual ele demonstrou alto grau de colaboração. Eu apresentei o livro condensado a ele para comentários e ele aprovou o trabalho como está. Desejo sucesso à sua campanha de distribuição de livros.
Todas as fotos foram enviadas pelo Rodrigo, a não ser as que têm uma indicação de origem diferente.
AG
Dados para esta matéria foram pesquisados no site wp.ufpel.edu.br, da Universidade Federal de Pelotas, com o trabalho de Eduarda Saraiva.
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