Resumo do problema dos semicondutores
No dia 23 de outubro a Anfavea alertou o Poder Executivo Federal que a produção de veículos automotores no Brasil poderia parar em três semanas se o fornecimento de semicondutires não retornasse à regularidade.
O que motivou este alerta foi o fato de o governo chinês ter proibido exportações de produtos da Nexperia, afetando, no fim, as fabricantes de veículos automotores de outros mercados. A Nexperia B.V. é uma fabricante de semicondutores com sede em Nijmegen, nos Países Baixos, sendo uma subsidiária da Wingtech Technology, uma empresa parcialmente controlada pelo governo chinês.
Recentemente, no mês recém terminado, o governo holandês assumiu o controle da gestão da Nexperia na Holanda, alegando preocupações com a segurança nacional e de propriedade intelectual (o governo norte-americano indicou que a Wingtech potencialmente colocaria a segurança nacional dos Estados Unidos em risco) dando origem aos problemas relatados. Por trás fica evidente questões geopolíticas entre os governos de Trump e de Xi Jinping.
A Nexperia possui instalações fabris e de P&D na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia. Possui fábricas de semicondutores em Hamburgo (Alemanha) e Manchester (Inglaterra) além de instalações de montagem e testes em Guangdong (China), Seremban (Malásia) e Cabuyao (Filipinas).
Os chips da Nexperia não são considerados de última geração, mas por serem utilizados em volume, não somente por grande parte da indústria automobilística, colocou em risco a produção de veículos em nível global. Segundo dados do governo brasileiro, estes chips são utilizados em 40% dos veículos bicombustível (flex).
Hoje (1/11) o governo brasileiro, por intermédio do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria. Comércio e Serviços Geraldo Alckmin, foi informado pelo embaixador da China no Brasil, Zhu Quingqiao, que o governo chinês vai abrir canais de diálogo com o setor automobilístico brasileiro no sentido de evitar o desabastecimento de chips necessários à produção de veículos ambiombustível no Brasil.
A solução está sendo, tal como indiquei quando comentei sobre o assunto no próprio dia 23 de outubro, diplomática.
Entretanto, esta coluna não trata da falta de semicondutores, assunto já devidamente debatido e em vias de ser resolvido. Desejo dar luz e destacar como a indústria automobilística está dependente dos semicondutores.
I) Mudanças de Produto
Principalmente nas duas últimas décadas, mas já com sinais de mudança desde o final dos anos 1990, a indústria automobilística passou por uma profunda transformação tecnológica. O veículo moderno deixou de ser algo puramente mecânico e passou a ser uma plataforma eletromecânica sobre quatro rodas onde o advento pela tecnologia cresceu exponencialmente nos últimos anos. As questões mecânicas e de segurança foram definitivamente melhoradas com a aplicação em massa de tecnologia.
Sistemas de injeção, de ignição, freios ABS, sistemas de controle de estabilidade, direção eletroassistida, sensores crepusculares, câmeras, memórias de bancos, sensores de temperatura, de presença e mais recentemente os de gerenciamento e baterias em veículos eletrificados, dependem do uso de semicondutores. A depender do uso de tecnologia num veículo nos dias atuais, estima-se que o número de chips num veículo varie entre 1.000 e 5.000 unidades, tornando-se extremamente relevante para a indústria.
II) Dependência Funcional
Até a crise sanitária do Covid-19, poucos executivos observavam a questão dos semicondutores como um risco estratégico.
O choque de oferta e o incêndio da fábrica da Renesas (Japão) mostrou que a indústria estava fortemente dependente dos semicondutores já naquela época, pois bastou a paralização de algumas fábricas destes componentes para que a cadeia inteira parasse, trazendo prejuízos bilionários às fabricantes.
III) Polos industriais
Estados Unidos, Europa e Japão ainda são os principais polos de produção de semicondutores mundiais com empresas como: Intel, Infineon, STMicroelectronics, Renesas e NXP.
Recentemente divulgado, mas inda não votado, o 15º Plano Quinquenal (2026-2030) do governo chinês enfatiza o desenvolvimento de alta qualidade, inovação tecnológica e segurança nacional com grande ênfase em tecnologia, pesquisa e desenvolvimento. A China passou a ganhar destaque nos últimos anos com subsídios e políticas de implementação tecnológica nesta área e provavelmente terá um impulso ainda maior com a introdução do novo plano quinquenal.
Enquanto isso, o Brasil permanece apenas um país consumidor, com muito pouco domínio sobre o processo e, sem qualquer autonomia tecnológica na fabricação de chips. Possuímos apenas centros de pesquisa e desenvolvimento com estudos avançados e trabalhamos no encapsulamento e em teste finais (Backend).
Mesmo estando entre os dez maiores produtores de veículos automotores desde 2003, o Brasil é mero coadjuvante nesta área tão essencial.
IV) Dependência Produtiva
Qualquer componente crítico é importado e, neste contexto, a produção brasileira fica à mercê de qualquer interrupção geopolítica, comercial ou logística que porventura aconteça com qualquer entidade produtora.
E não se trata de uma fornecedora de pneus que podemos ver em maior número e concorrência. Trata-se de uma tecnologia única, específica e que não possui uma intercambialidade tão simples.
Uma solução, sob meu ponto de vista, seria existir um processo de padronização de certos elementos dos veículos com a finalidade de facilitar o intercâmbio de elementos entre marcas, mas como já observamos diversas vezes no passado, quem se habilitaria a modificar um projeto para adequação de um novo padrão, ainda mais se utilizado por outra marca? Esta padronização deveria servir de base a um planejamento conjunto e integrado, multitarefa, multimarca e com aplicabilidade geral… difícil execução.
V) Custos elevados
Uma fábrica de semicondutores moderna não é tarefa simples. Exige investimentos mínimos de US$ 5 bilhões e tem prazo de início de produção de 5 anos para uma operação plena. Depende de uma mão-de-obra altamente qualificada, insumos extremamente limpos, equipamentos de precisão absoluta e uma cadeia de fornecedores complexa. Não sou um expert no assunto, mas até onde conheço, o Brasil não possui quase nenhuma etapa das acima descritas e, em nível global, justifica a alta concentração deste negócio.
A dependência dos semicondutores pela indústria automobilística é estrutural e, ano a ano, cada vez mais crescente com o aparecimentos de novas tecnologias e pela necessidade do cliente final que passa a exigir as novas tecnologias em seu próprio veículo. Neste contexto os gargalos da cadeia de fornecimento deverão persistir por anos.
MKN
A coluna “Visão estratégica” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.



