Será que nossos sentidos podem ultrapassar a tecnologia dos sensores? No caso dos Fuscas parece que há controvérsias, como este delicioso causo do nosso velho conhecido Afrânio Benzaquem de Souza que, além de tudo, é um alerta para não duvidar dos sentidos que temos em especial quando o assunto envolver as esposas.
MAS QUE CHEIRO É ESTE?
Por Afrânio Benzaquem de Souza
Comecei a dirigir em 1970 e nesse ano adquiri um Fusca novo no Rio de Janeiro. Minha mulher logo se afeiçoou dele e exigiu que eu começasse a ensinar-lhe as automobilísticas artimanhas. Realmente, ela aprendeu muito bem a dirigir. Em certos aspectos, até me excedeu. Para isso teve a seu favor um aliado incomum: o olfato.
Mudamos para Salvador, Bahia, em 1972. Um dia, trafegava sozinha e sentiu um cheirinho de queimado. Parou o veículo e abriu a tampa do motor. O cheiro era mesmo dali. Consultou um motorista de táxi e este constatou a quebra da correia do gerador. Ele mesmo fez a troca. Ela, vitoriosamente, contou-me suas deduções e providências.
Mas não me contive e perguntei: “Você não viu uma luzinha vermelha acender no velocímetro, a mesma da marcha-lenta?” “Que luzinha que nada, eu senti o cheiro na hora! O motor nem se aqueceu”… foi sua pronta resposta.
Doutra feita, fazíamos uma viagem ao interior. Seguidamente, me cutucava: “Estou sentindo um cheiro esquisito”… Em minha cabeça, misturavam-se fumaças e poeiras, concentrações asfálticas aquecidas e odores perdidos pelas ribanceiras…
O Fusca seguia, aparentemente normal, mas ela não sossegava: “Esse cheiro está cada vez mais estranho… E coincide quando você freia”. Ora essa, eu pensava. As lonas de freio estão boas… Nenhuma roda está presa… Esta mulher está adivinhando coisas…
Chegamos ao destino e procurei um mecânico. Um rápido “check-up” e nada foi constatado. Um a zero para mim, como árbitro parcial e solitário, marquei.
Mas, na volta, a novela recomeçou. O cheiro recrudesceu, evoluiu e até me assustou. De “esquisito” e “estranho” atingiu a escala amarelo-vermelha de “horroroso”. Fiquei ressabiado, com receio de ficar na estrada. Meu medo era que adentrasse a faixa proibida de “insuportável”. Com isso, estaria rebocado…
Já próximo a Salvador, até eu comecei a senti-lo. Era odor de mistura carburante, não queimada. Acontecia ao frear, porque o turbilhão de ar, que acompanha o veículo, tende a ultrapassá-lo ao reduzir-se bruscamente a velocidade.
Antes da viagem, havia feito um trabalho de descarbonização do motor. O mecânico teria dado torque excessivo nas porcas do cabeçote esquerdo, comprometendo a vedação dos dois cilindros. Por ali, os gases vazavam. Quatro roscas de fixação estavam comprometidas! Mas isso só foi descoberto na oficina, com um teste prévio de compressão. Minha mulher, com seu olfato apurado, venceu-me de goleada! Um gol para cada parafuso solto, foi o folgado placar!
Mas ela pouco está ligando para as elucubrações técnicas e as vantagens no marcador. Diz que o importante é sentir os odores e atestar se o veículo está mesmo redondo e nos trinques. O resto é conversa fiada.
Presentemente, com essas conquistas globais de injeção eletrônica, computador de bordo, sensores disso-e-daquilo, catalisador de gases, sondas não-sei-das-quantas… ainda sou mais a minha mulher! Quando tivermos um carro desses, ponho-a no banco do lado, esqueço o painel de instrumentos e, de vez em quando, vou arriscando: “Que tal o cheiro, está bom?”
Se ela disser que sim, sigo em frente…. Mesmo que seja para o fim do mundo!
O Afrânio Benzaquem de Souza já é nosso conhecido de vários causos e seus dados podem ser vistos no causo ELES TÊM ARTES… DO CÃO! , os outros causos dele são: ECONOMIA… DE MENTIRINHA , VACAS AFETUOSAS . Fico muito grato com esta participação do Afrânio, a quem agradeço.
AG
A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de total responsabilidade do seu autor e não reflete necessariamente a opinião do AUTOentusiastas.