Já temos duas Leis do Mal do ponto de vista automobilístico, a “seca” e a do farol baixo nas rodovias. Parece que em breve termos a terceira.
O tema agora é semáforo com temporizador, exibição de tempo restante no verde ou no vermelho. Há quem ache boa ideia, há que considere isso totalmente desnecessário, meu caso. Pois tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei da Câmara nº 107/2014, de autoria do deputado Antônio Bulhões (PRB-SP), que obriga cidades com mais de 200.000 habitantes a terem instalados temporizadores nos semáforos de vias urbana de trânsito rápido, e torna nula a multa aplicada por avanço de sinal vermelho sem a presença do temporizador. A regra começará a valer um ano após a publicação da lei que resultar da proposta.
O leitor ou leitora leu direito? Se não leu, repito: e torna nula a multa aplicada por avanço de sinal vermelho sem a presença do temporizador. É ou não surreal? Ou aterrorizador?
Argumenta o nobre representante do povo: “O uso de temporizadores aumentará a segurança de condutores e pedestres ao reduzir as colisões provocadas por paradas bruscas de motoristas, quando da mudança do sinal verde para o amarelo.”
É mesmo? Pois não ajudou um grande amigo meu carioca na última sexta-feira. O fez acidentar-se.
Perfil do amigo: 57 anos, usa motocicleta desde os 16, bom padrão de vida, boa formação (é engenheiro mecânico), na sua garagem moram dois carros alemães e sua BMW G 650 GS 2016, sua décima-terceira motocicleta em 42 anos de uso quase diário das duas rodas.
Na Gávea, saiu do Túnel Acústico Rafael Mascarenhas em direção à Lagoa pela av. Padre Leonel Franca, e ao chegar no cruzamento com a avenida do canal (Visconde de Albuquerque), semaforizado com temporizador, o motorista de um carro à sua frente viu que faltavam 4 segundos para “acabar o tempo do verde e acender o amarelo e três segundos para o acender o vermelho”, e não teve dúvida: “jogou a âncora”, maneira de dizer que freou de uma vez só, sem aviso.
Portanto, fica claro que o argumento do parlamentar é mais furado do que um bom queijo suíço. Aliás, essa classe devia ser proibida de se meter em assuntos de trânsito, haja vista as leis “seca” e do “farol baixo nas rodovias”, as Duas Leis do Mal.
A “vítima” estava a uns 60~65 km/h (o limite ali é 70 km/h), o trânsito fluía normalmente, nada de chuva, estava a estimados 30 metros atrás de dois carros. Não tinha como desviar e freou a BMW tudo que pôde e se firmando no guidão. Bateu na traseira do carro a cerca de 40 km/h — com o sinal ainda verde.
Foi atirado ao asfalto pelo lado direito, indo parar ao lado da porta direita do “obstáculo”. Do choque, quebrou o rádio direito, mais outro osso do braço e o osso escafoide da mão direita em três pontos. Sentiu muita dor, esteve por desmaiar algumas vezes. Foi levado à emergência de um hospital não muito longe dali e na manhã seguinte, cedo, cirurgia, de onde saiu com uma placa de titânio, 10 parafusos e um pino.
Naqueles momentos após o choque ele chegou a falar com o motorista, que não era o dono do carro, mas não se lembra dele. Com a dor que sentia nem deu para argumentar qualquer coisa. Nem quis esperar os bombeiros: um motociclista que o ajudou ligou para um amigo e este, que morava perto, logo veio com a esposa, que foi quem o levou para o hospital. A moto aparente não sofreu danos, mas isso ainda será avaliado por um amigo.
Como não houve registro policial, atendimento pelo bombeiros, nada, ele não terá como processar o motorista do carro por lesões corporais e danos materiais ao causar um acidente pela simples inobservância do Art. 42 do CTB, “Nenhum condutor deverá frear bruscamente seu veículo, salvo por razões de segurança”.
Temporizadores
Não é de hoje que se veem temporizadores de semáforo, embora sua aplicação não seja autorizada, nem constam do Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito, Volume 5 – Sinalização Semafórica. Já vi muitos serem colocados e depois retirados.
Fica patente que as autoridades de trânsito desconhecem o princípio que deve nortear a sinalização qualquer que seja, o de que ela tem de ser uniforme por todo o país para jamais deixar o motorista em dúvida ou não saber do que se trata uma sinalização que ele não conhece. É algo bastante simples, basta seguir o manual, que é excelente.
Mas como esse equipamento é fabricado por alguém e vendido às prefeituras… não é preciso dizer mais nada, você certamente já entendeu.
A sinalização semafórica, como é hoje, atende perfeitamente às necessidades. Não é preciso inventar nada. Pelo contrário, esses temporizadores só podem piorar a falta de atenção do motorista, que precisa consultar duas fontes de informação e não apenas uma.
Se algum “representante do povo” quisesse realmente ajudar seus representados, bastava dar um pulo à Argentina e ver como funcionam os semáforos lá — como é na Alemanha e Suíça, até onde sei: vermelho-amarelo-verde e não vermelho direto para o verde. O estranho é que aqui mesmo, até à promulgação do Código Nacional de Trânsito, de 21 de setembro de 1966, era assim.
Sua enorme e óbvia vantagem sobre como é hoje é os motoristas que vêm pela via transversal saberem que os que estão parados no sinal já receberam aviso da mudança de vermelho para verde e arrancarão logo. É o melhor desestímulo para o aproveitamento o final do amarelo/início do vermelho, o chamado “rabo de sinal”, sabidamente grande causador de acidentes. Os argentinos, alemães e suíços de burros não têm nada.
Enquanto isso só nos resta torcer para que esse PLC seja brecado pelo Senado e fiquemos nas Duas Leis do Mal — já chega — e não três.
BS